Flexibilidade no trabalho é prioridade para geração Z, diz estudo

Pesquisa aponta mudanças na visão dos trabalhadores sobre qualidade de vida no trabalho, que podem causar conflitos geracionais

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Quatro perfis etários compõem a força produtiva do mercado, hoje: os chamados Z (14 a 28 anos), os Y ou millennials (29 a 43 anos), os X (44 a 59 anos), e os Baby Boomers (60 a 79 anos). Para os mais jovens, a preocupação com a qualidade de vida no trabalho é uma prioridade.

A conclusão é do relatório Tendências de Gestão de Pessoas, realizado pelo Ecossistema Great People & Great Place To Work (GPTW), consultoria global que apoia organizações a obterem melhores resultados em seus negócios. O estudo ouviu 1.864 empregados de empresas em todo o Brasil, incluindo, principalmente, os setores de tecnologia, indústria e serviços.

A pesquisa do GPTW mostrou que 51,6% dos entrevistados sentem dificuldade ao lidar com colegas de outras idades em um mesmo ambiente de trabalho, sendo a geração Z apontada como a que gera mais desafios. Para Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place To Work, isso se dá, justamente, porque essa geração chega ao mercado de trabalho buscando maior autonomia e flexibilidade, o que cria estereótipos acerca desses jovens, vistos como preguiçosos e impacientes.

A atuação conjunta dessas diferentes gerações, um fenômeno inédito na história, pode ser explicada pelo envelhecimento da população, em todo o mundo. Nesse contexto, as mudanças na produção e consumo de bens e serviços, aceleradas pela tecnologia, fazem do encontro de profissionais de várias idades um desafio. “O avanço tecnológico está acontecendo em intervalos cada vez mais curtos, formatando um novo comportamento social. Isso acelera as mudanças nas relações de trabalho, trazendo o que a gente chama de conflito de gerações. Toda nova geração que entra no mercado, traz certo impacto, e isso é saudável, traz provocações necessárias”, afirma. 

Ela explica que a pauta da qualidade de vida no trabalho foi evoluindo ao longo dos anos: “As gerações anteriores foram acostumadas a separar a obrigação da diversão. Já a geração Z busca bem-estar em tudo o que ela faz.” Daniela pondera, contudo, que cada geração entende qualidade de vida de uma forma e possui expectativas diferentes em relação ao trabalho, que estão relacionadas ao contexto histórico e tendências sociais.

O psicólogo e responsável técnico da Guia da Alma, startup que oferece soluções de saúde mental para pessoas e empresas, Carlos Mayke reforça a opinião da pesquisadora de que jovens trabalhadores tendem a ter uma visão mais integrada da vida pessoal e profissional. “Ao contrário das gerações mais antigas, que priorizavam a estabilidade em relações de trabalho mais duradouras, as gerações mais novas trazem uma mentalidade muito mais voltada para flexibilidade e para o crescimento rápido na carreira”, ressalta.

Convergências

Apesar dos resultados da pesquisa, é possível que profissionais de diferentes idades tenham noções parecidas sobre bem-estar no trabalho. Yago Bonfim, 23 anos, é fonoaudiólogo e mestrando em ciências médicas na Universidade de Brasília, desenvolvendo pesquisa com pessoas trans. Ele conta que, em sua profissão, há muitos jovens, mas que “as melhores amizades e contatos que fiz foram com pessoas mais velhas, devido às suas experiências”. Ele acredita que a geração Z pode oferecer atualização de recursos para o mercado, como o uso de inteligências artificiais, enquanto os mais velhos “nos ensinam a prática, o grosso, e que o básico funciona”.

Em sua visão, bem-estar significa trabalhar com o que gosta. Ele diz que é preciso ter afinidade com as tarefas desempenhadas e que encontrou sua vocação: “Amo a pesquisa, amo a docência, amo trabalhar com pessoas trans e com a voz das pessoas. Para mim, isso é qualidade de vida”.

Isaac Benchimol, 60 anos, é gerente de projetos e facilities da Globalfruit, empresa de processamento de frutas e legumes em Minas Gerais. Em sua equipe, ele conta que a faixa etária predominante é de jovens, o que gera conflitos geracionais pontuais, mas que são resolvidos de forma construtiva. “A gente tenta muito fazer uma aproximação entre as equipes mais jovens e as mais seniores”, afirma.

Assim como Yago, Isaac acredita que a experiência de vida e o conhecimento acumulado são os principais ativos que as gerações mais velhas têm a oferecer no mercado de trabalho: “Transmitimos aos mais jovens o que eles precisam saber em termos de carreira e de orientação, quais caminhos seguir”. Em contrapartida, acredita que a sua geração tem muito a aprender com eles, pela facilidade de lidar com as novas tecnologias, reforçando que “escutar é o melhor caminho”. Para ele, qualidade de vida significa viver em um ambiente saudável, no qual se possa “ter um equilíbrio entre trabalho e tempo em família, lazer e atividades extratrabalho”.

O vendedor de consórcios da Bancorbrás Manoel Fernandes, 66 anos, concorda: “Qualidade de vida é ter tempo para se reunir com a família e os amigos, praticar atividade física e passear, conciliando as atividades com o trabalho”.

Inovação

Vitória Rodrigues, de 22 anos, é assistente de recursos humanos também na Globalfruit. Ela defende que os jovens podem não só ajudar com tecnologia, mas também com sua capacidade de se adaptarem rapidamente a mudanças. “Podemos trazer inovações em termos de trabalho remoto, horários flexíveis e práticas de gestão que sejam mais ágeis.”

Estagiário no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Nicolas Aquino, de 19 anos, é estudante de publicidade e propaganda da Universidade de Brasília (UnB). Em sua percepção, jovens são capazes de promover mais diversidade e uma visão de mundo mais moderna, auxiliando na comunicação das organizações com o público.

Na Brasal, onde a estudante de engenharia de software da UnB Ana Luiza Pfeilsticker, de 19 anos, também estagia, a experiência é parecida. Apesar da divergência de idades, Ana relata que “as gerações passadas veem a necessidade de inovação e sabem que a geração Z é o segredo para trazer isso para dentro da empresa”. Para ela, na área da engenharia, por exemplo, os estagiários têm contribuído com conhecimentos sobre automações, novos esquemas de construção e armazenamento de dados, “trazendo mais engajamento para atividades antes maçantes por meio do uso de novos softwares que facilitam os processos”.

Saúde mental

Apesar do dinamismo que jovens profissionais tendem a trazer para as equipes, é preciso atenção redobrada à sua saúde mental, pois as novas gerações são mais propensas a desenvolver transtornos de ansiedade e insegurança, comenta o psicólogo Carlos Mayke.

“Além de reduzir custos com rotatividade, baixa produtividade e afastamentos por doenças psicológicas, a empresa pode aumentar as chances de ter colaboradores mais engajados e mais dedicados ao trabalho”, diz. Ele pontua que as organizações devem conhecer os membros da sua equipe, pois “saber escutar e oferecer apoio” traz resultados positivos, tanto para os indivíduos, quanto para as corporações.

Na promoção de um ambiente mais integrativo, Daniela Diniz destaca a importância do desenvolvimento de habilidades de liderança. Ouvir as expectativas e demandas da geração Z é um caminho para promover o bem-estar no trabalho: “Em vez de criticá-los, de reforçar estereótipos, as empresas devem tentar ouvir e ver o que essa geração pode trazer de impactante”. Ela defende que é possível flexibilizar mais as políticas e práticas nas organizações e “desenvolver a nossa liderança para que ela seja mais humanizada, o que significa estar mais próximo dos seus profissionais”.

Ela afirma que o foco deve estar em colocar as pessoas no centro, acolhendo todos em suas expectativas e demandas, afim de criar políticas e práticas equânimes e superar conflitos geracionais no trabalho.

Por Correio Braziliense 

Foto: Kleber Sales / Reprodução Correio Braziliense