“A industrialização tem um desafio cultural”, avalia Jamal Bittar, da Fibra

Ao CB.Poder, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), Jamal Jorge Bittar, afirmou que a indústria pode ser a principal alternativa ao desenvolvimento social e econômico do DF, que possui vocações tecnológicas e mão de obra qualificada

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O Distrito Federal tem um grande potencial de desenvolvimento da indústria de base tecnológica, lidera em incentivos à formação de mão de obra qualificada e ostenta uma logística que poucos lugares do mundo tem. Entretanto, os setores público, de serviços e o comércio ainda ditam a economia local, estabelecendo-se uma cultura que não coloca a vocação industrial da capital do país como um vetor de desenvolvimento econômico e social.

“Esse é um inibidor do processo de desenvolvimento há alguns anos. A população não quer consumir produtos locais porque não enxerga o DF como um grande produtor”, afirmou o presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), Jamal Jorge Bittar, entrevistado dessa quarta-feira (17/4) do CB.Poder — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. 

Aos jornalistas Samanta Sallum e Carlos Alexandre de Souza, o empresário — que também é vice-presidente executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) — explicou por que a indústria, de um modo geral, tem 60% a mais de rendimento médio do que os setores da agricultura, comércio e serviços. 

Em relação à capital do país, Bittar destacou a capacidade intelectual dos estudantes e profissionais brasilienses como uma grande vantagem competitiva para a aposta em oferta de produtos com base tecnológica, além de termos uma cidade privilegiada em relação à localização do aeroporto, o que possibilita uma maior inserção da indústria local, inclusive, no mercado internacional. 

O dirigente brasiliense declarou que “a indústria é a ponta de lança do desenvolvimento efetivo do Distrito Federal” e que o setor é “o melhor gerador de riqueza, notadamente”. Por outro lado, Jamal reforça a necessidade de incentivo mais efetivo de políticas públicas para o fortalecimento do setor, como maior atenção com as pequenas empresas, e destacou a criação de uma agência de desenvolvimento econômico, de gestão híbrida entre os setores público e privado, na capital do país — aos moldes do que ocorre em São Paulo.

Qual a força da indústria no Distrito Federal?

Eu acredito que a indústria é a ponta de lança do desenvolvimento efetivo do Distrito Federal. Não do ponto de vista social e econômico, mas sim da independência. O setor público, nós sabemos, é frágil para investimento, e não será mais a grande sustentação de renda e emprego. A grande alternativa de substituição é termos a indústria e o comércio fortalecidos. A agricultura dá uma boa contribuição no desenvolvimento e ainda pode expandir na qualidade de produção agrícola, haja visto que ela é bastante produtiva no Distrito Federal. Mas a indústria é o melhor gerador de riqueza, notadamente. Eu não acho adequado que (no Brasil) sejamos o celeiro do mundo. Nós temos que ser um país onde a produção agrícola continue sendo importante, sendo um dos pilares do desenvolvimento e não o principal, que seja agregado com a indústria.

Por que a indústria é o melhor gerador de riqueza?

Em relação às estatísticas, para cada R$ 1 investido na indústria, o retorno é R$ 2,40. Na agricultura, o retorno é de R$ 1,70; em comércio e dos serviços, R$ 1,40. Então, nós temos em torno de 60% a mais de rendimento médio. Quando se fala em rendimento médio, você enriquece a sociedade, enche os cofres do estado e promove desenvolvimento social econômico. Ela também paga mais impostos, inclusive de uma maneira extremamente proporcional com a reforma tributária.

Qual o maior desafio da indústria brasiliense?

O maior desafio da industrialização do DF é a cultura. O cidadão brasileiro não enxerga o Distrito Federal como um vetor de crescimento a partir da indústria e esse tende a ser uma barreira pelos organismos da sociedade civil e pela própria população. Esse é um inibidor do processo de desenvolvimento há alguns anos. A população não quer consumir produtos locais porque não enxerga o DF como um grande produtor.

Qual a vocação e o perfil industrial do DF?

Com certeza, de base tecnológica. Nós não teremos mais tempo de recuperar e fazer o desenvolvimento a partir do setor industrial tradicional. Nós temos que apostar no novo. Está entregue para nós de bandeja, com a Nova Indústria Brasil (NIB), o avanço da indústria de base tecnológica. Brasília tem uma logística que poucos lugares e países do mundo tem. Aqui, você vai do Plano Piloto ao aeroporto em 12 minutos. Nós temos inteligência e muita mão de obra qualificada jovem. Temos um grande agregado de inteligência na área acadêmica. O nível médio de ensino do brasiliense é muito acima da média, é 60% acima do nacional. Temos muitas pessoas com doutorado e estudos acadêmicos especializados. Esse é exatamente o ninho que você precisa para formação de mão de obra qualificada e requer indústrias de base tecnológica. Esse é o nosso potencial. Nenhuma outra cidade do Brasil tem a condição que o Distrito Federal tem. O que precisamos é uma política de estado de incentivo.

E quais são as dificuldades do pequeno empreendedor industrial? 

Esse é um problema do qual nós falamos há muitos anos e continuamos longe da solução. A maioria dos incentivos se colocam às grandes empresas. E mais de 90% das empresas do DF são pequenas e médias. O desenvolvimento é alavancado com crédito, seja estatal ou privado, principalmente a indústria, que tem ciclos muito longos. O comércio tem um ciclo mais curto, a agricultura tem um ciclo bem determinado, mas a indústria, não. Quem investe em equipamento, demora 5, 10, 15 anos para recuperar o investimento. As formas de financiamento ainda são muito precárias. Temos bancos locais, que são importantes no investimento, mas ainda é muito pequeno. Para falar em incentivar o setor industrial, considerando que 90% dele é formado por pequenas e médias empresas, se não tem crédito, esquece. Nós precisamos de um projeto de estado que turbine crédito como elemento de estímulo ao crescimento local.

Mais investimentos de bancos públicos?

Sim. No Nova Indústria Brasil, uma política muito feliz do governo federal, retomamos a preocupação com a indústria e com a política industrial. Agora, nós temos R$ 300 bilhões para investimento, depois de termos passado entre seis e sete anos sem nenhum recurso do governo federal. Em todo o mundo, é o bom e velho Estado o motor do crescimento industrial. Nós temos hoje uma grande expectativa e isso vem de boas parcerias, com o Sebrae, por exemplo, realizando ações com o sistema industrial, garantindo estímulo e crédito.

A indústria tem uma capacidade muito grande de trabalhar com a inovação, de trazer inovação e um salto qualitativo extraordinário na economia.

Em torno de 70% dos projetos de inovação vêm da indústria, que é onde, aliás, se tem mais espaço para você fazer essas inovações. Então, o estímulo cria essa condição adicional. Estamos falando de bons salários, bons empregos e menor dependência do Estado. E são empregos qualificados. O salário na indústria do DF é de R$ 2.700, quase 70% acima da média nacional.

No âmbito do governo do DF, uma Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que hoje está unida à pasta do Trabalho, é suficiente para fomentar o setor ou ainda é preciso uma secretaria específica e mais atuante para fomentar a economia do DF?

Além do trabalho da secretaria, você precisa do engajamento do governo, efetivamente, nos parques tecnológicos em funcionamento. Nós fizemos uma proposta, que foi acatada e já está incluída no Orçamento, que é a criação de uma agência de investimento. São Paulo já utiliza esse modelo.

A gestão teria que ser do GDF?

A gestão tem que ser híbrida, entre os setores privado e público. Se tivermos esse apoio da classe empresarial, estando interessada em contribuir e parcelar decisões, é fantástico. Então, essa parceria é muito importante. Ela já está no projeto orçamentário deste ano, e espero que, nos próximos entendimentos, se viabilize efetivamente a instalação dessa agência em um modelo no qual a iniciativa privada tenha voz.

É uma preocupação o risco de burocratização.

Exato. É preciso fluidez. Não podemos esperar três anos para um projeto sair do papel.

Acredita que o GDF está atrasado no sentido da atualização da faixa do Simples Nacional? O governo federal já aumentou a faixa de faturamento anual para que mais empresas consigam se encaixar. Há uma reclamação do setor de que, no DF, pequenas empresas estão pagando como se fossem médias e grandes empresas. Esse é um cenário real?

Isso é um passo que já devia ter sido dado. Veja que a base de cálculo atual está muito defasada da nacional. Aí você faz com que o empresário esteja encaixado no Simples Nacional para impostos federais e, em outra faixa, para os locais. Olha a bagunça tributária e insegurança que dá para o empresário. Em muitos outros estados já é assim e, no DF, precisamos mudar rapidamente.

Um ponto importante para a indústria, em particular, é a questão da mão de obra e, particularmente, em relação ao ensino técnico. Por que é tão importante investir na formação técnica no Brasil?

O ponto de partida é alavancar recursos para financiar a formação de mão de obra. Quando eu falo em base tecnológica trazida para cá, é porque nós temos essa capacidade de entregar para o mercado, de modo muito acelerado, a mão de obra adequada para você alimentar. Se você fizer uma pesquisa junto ao empresariado, para saber o que investir, a primeira questão a ser avaliada é a mão de obra local. O que adianta um grande empreendimento local, se você não tem mão de obra? Esse é o maior fator de atração porque já vem alavancado com recursos externos. Agora, a mão de obra tem que ser local. Isso Brasília tem em abundância. Temos o Senai, com um dos programas de maior sucesso, o DF Inova Tech, com qualificação profissionalizante com bases tecnológicas.

Como é efetivamente a atuação do Senai-DF nesse sentido?

Hoje, nós temos três programas em andamento. O DF , que instrui, orienta e forma o empresário sobre como aumentar a sua produtividade, e obviamente, com base tecnológica. Também temos o Renova, que trabalha a ação social e tira do zero uma parcela da população bastante fragilizada. É muitíssimo importante, tanto que esse é um programa de muito êxito e tem tido resultados excelentes. Agora, o DF Inova Tech é uma parceria que nós temos com a Secretaria de Ciência e Tecnologia e FAP-DF. Se não tiver mão de obra, esquece, o local não tem capacidade de atração de investimentos. Uma notícia boa, que pouco se sabe, é que o Senai regional do DF é o primeiro e, até o momento, o único no País, que não cobra por nenhum curso. É 100% gratuito.

Por Carolina Braga do Correio Braziliense

Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense