Reitora conta como história da UnB e de Brasília se completam

Idealizada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, a UnB nasceu em 21 de abril de 1962, exatos dois anos após a inauguração de Brasília, incorporando as inovações e os valores da nova capital federal

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Há quem a descreva como moderna; outros, como democrática. Alguns a chamam de casa; outros — mais emocionados — de mãe. Fato é que a Universidade de Brasília, além de abraçar todas essas definições, é sobretudo pioneira. Na política de cotas, no vestibular 60 , no campi autossustentável, na abertura a indígenas e quilombolas e na arquitetura. Idealizada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, a UnB nasceu em 21 de abril de 1962, exatos dois anos após a inauguração de Brasília, incorporando as inovações e os valores da nova capital federal. Em comemoração ao aniversário de ambas, o Correio entrevistou a professora e reitora da universidade, Márcia Abrahão, que recordou momentos marcantes dessa trajetória e da própria carreira. 

Vale recordar que a UnB viveu momentos dramáticos no período da ditadura militar (1964 – 1985), nos quais professores foram perseguidos, presos e tantos outros pediram demissão, além dos estudantes considerados desaparecidos e aqueles que foram assassinados, como Honestino Guimarães. “Temos uma história de superação e sobrevivência, pois, naquela época, a universidade quase fechou. Também por isso, praticamos e defendemos diariamente a democracia”, pontua Márcia Abrahão. 

Conexão

Em consonância com a própria história de Brasília, a UnB foi (e ainda é) casa para pessoas de todos os cantos do mundo, contribuindo para a diversidade de ideias, experiências e sotaques. E, nos tantos corredores da universidade, não faltam referências à cidade-mãe. O Instituto Central de Ciências (ICC), pensado por Oscar Niemeyer e conhecido como Minhocão, reproduz o desenho do Plano Piloto. Nos espaços abertos, sem grades ou cercas, há menção aos pilotis dos blocos das superquadras; e a conexão com a natureza, nos enormes gramados dos campi, não poderia ser diferente do conceito de cidade-jardim, idealizado pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa. “A arquitetura da UnB convida as pessoas a andarem pelo campus e se encontrarem”, diz a reitora. 

Outro ponto forte nessa conexão entre universidade e a capital foram as contribuições do educador Anísio Teixeira na educação pública do Distrito Federal. Enquanto o conceito de escola classe previa um espaço de educação integral, as escolas parque tinham como foco a formação escolar de forma ampla e integrada ao desenvolvimento físico, artístico e recreativo das crianças. O legado do intelectual se deve, assim, à concepção de uma educação de qualidade e acessível a todos, sem distinções de classes sociais. Além disso, a Biblioteca Central (BCE) é destaque por ser a maior do DF, abrigando cerca de 3 mil pessoas por dia e contando com um acervo de aproximadamente 1,5 milhão de volumes, entre livros, periódicos e folhetos. 

Uma particularidade da UnB é a possibilidade de os alunos cursarem disciplinas de diferentes cursos, mediante as matérias de módulo livre, permitindo a abertura a de vivências e conhecimentos diversos. Márcia garante que, em sua gestão — iniciada em 2016 — deseja reforçar a visão humanista dos fundadores da universidade. A política do Envelhecer Saudável, da prevenção e combate ao assédio, e da implementação de painéis solares fotovoltaicos e compostagem, que tornaram a UnB uma das instituições de ensino superior mais sustentáveis do Brasil, foram algumas das iniciativas. 

“Também aprovamos a licença-maternidade para a estudante de pós-graduação e criamos o Decanato de Pesquisa e Inovação, visando fortalecer o desenvolvimento de projetos com empresas e com o governo, para aumentar a captação de recursos e ampliar a possibilidade de editais de pesquisa, extensão e monitoria. Agora, esperamos inaugurar uma creche pública em parceria com o GDF (Governo do Distrito Federal) e criar o espaço de pesquisa em primeira infância. Quanto à infraestrutura, instalamos fraldários tanto em banheiros femininos quanto em masculinos”, detalha a professora. 

Identificação

Márcia Abrahão é a primeira mulher eleita para o cargo de reitora da UnB. Consciente da sua responsabilidade, ela destacou que não adianta ser mulher e fazer uma gestão que não deixe a sua marca. “Foi preciso mostrar para todos que nós temos capacidade e força suficiente para sermos gestoras públicas”. Ela lembra que, desde a primeira gestão, não foram poucos os momentos desafiadores, como a pandemia e os constantes cortes orçamentários. “Foi muito difícil levar todo mundo para o ensino remoto, mas partimos da premissa de que ninguém ficaria para trás, então, fomos atrás de dar condições de estudo aos estudantes que não tinham computador nem internet. Também foi preciso treinar os professores e, na volta, garantir que toda a comunidade voltasse à universidade em segurança”, assegurou. 

Carioca, a professora reforça que apenas não nasceu em Brasília, mas, sem dúvidas, é parte da cidade. E a cidade, claro, é parte da sua vida. Na Asa Norte, cresceu sob a sensação de liberdade e segurança, compartilhada entre os amigos da quadra. No Parque da Cidade, brincou no foguetinho e, mais tarde, se comprometeu a garantir que os filhos, criados aqui, tivessem a mesma experiência. “Não troco Brasília por nenhum outro lugar, pois acredito que, apesar de todos os desafios da cidade, ainda temos qualidade de vida. Com a UnB, onde me graduei e tornei-me professora, aprendi a me conectar com o mundo. Só tenho a agradecer”, conclui.

Por Letícia Mouhamad do Correio Braziliense

Foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense