Mudança do FCDF é discriminação contra Brasília, diz especialista

Ao CB.Poder, consultor tributário disse que a alteração na forma de cálculo da correção do FCDF não tinha justificativa técnica, a não ser "ressentimento e castigo" contra o Distrito Federal, e que a economia para a União seria "pífia"

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Na visão do ex-secretário da Receita Federal e consultor tributário Everardo Maciel, a mudança na forma de cálculo da correção anual do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) não era uma revisão. Era uma redução dos recursos destinados ao fundo, usando uma linguagem técnica, mas que, na verdade, “era um ato discriminatório contra Brasília”, descreveu. Aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Adriana Bernardes, durante o programa CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem, o consultor tributário sugeriu uma mudança que excluiria as incertezas em relação aos recursos do FCDF.

Qual sua avaliação em relação ao FCDF, preservado em uma ação que mobilizou toda a classe política do DF? A questão está resolvida?

Em 1993, num evento no Correio Braziliense, eu suscitei a ideia de um Fundo Constitucional para que não ficássemos de pires na mão todos os meses — não era todos os anos, não — para que fossem assegurados recursos para segurança pública, educação e saúde. Isso culminou com a previsão constitucional para o fundo, em 1998, pela alteração do inciso 14 do artigo 21 da Constituição, no governo Fernando Henrique Cardoso, do qual eu era secretário da Receita Federal. No fim do governo, em 27 de dezembro de 2002, foi sancionada a Lei 10.633, que regulamentou a previsão constitucional e estabeleceu o critério de reajuste, que é a variação da Receita Corrente Líquida da União. Recentemente, em 2023, no início do atual governo Lula, de repente apareceu, no meio de um projeto que tratava de arcabouço fiscal, uma lei complementar à revisão do critério de reajuste. Essa revisão não era, estritamente, uma mera revisão, era uma redução dos recursos destinados ao FCDF, usando uma linguagem técnica dissimulada, mas que, no fundo, correspondia ao que eu sempre entendi, que era um ato discriminatório contra Brasília.

Era uma ação, deliberadamente, intencionalmente, destinada ao DF?

Sim. Eu posso dizer que não tem razão nenhuma técnica, a não ser uma espécie de ressentimento e castigo.

O senhor acha que isso tem relação com o 8 de janeiro, por exemplo?

É um tipo de associação indevida, quer dizer, castigar o povo de Brasília porque alguns arruaceiros destruíram dependências da União. Quantas vezes isso aconteceu aqui em Brasília e alguém foi castigado por isso? Quantas vezes o Congresso Nacional foi invadido e as unidades dos órgãos federais, um dos quais eu mesmo presidi, foram invadidas. Não só em Brasília, mas em vários lugares do Brasil — não preciso enumerar, é do conhecimento público. Essa seria uma associação para tentar explicar, mas não tem nexo, já que a maioria dos arruaceiros não era de Brasília. 

Por ser destinado ao custeio de segurança, educação e saúde, o Fundo Constitucional é diferente de fundos de desenvolvimento, que têm outra finalidade?

Este ano, a propósito de um pífio programa de contenção de gastos, como eu já escrevi, uma farsa, se colocou neste programa algo que não tem impacto nenhum, desprezível, nas contas da União, mas que tem um impacto enorme nas contas do DF e Brasília. Colocou-se, novamente, uma mudança no critério de reajuste anual dos recursos destinados ao FCDF. Agora, alegou-se que deveria ser o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), porque foi o critério adotado para financiar o reajuste do Fundo Nacional do Desenvolvimento Regional (FNDR), um instrumento utilizado para cooptar os estados para aprovarem uma reforma tributária, que vai trazer muita dor de cabeça ainda. Então, se fez esse fundo e os estados exigiram que ele fosse reajustado e o reajuste adotado foi do IPCA. Mas o que temos a ver com isso? Nada. Primeiro, o fundo não existe. Duvido muito que venha a existir. Segundo, o reajuste do IPCA não foi uma punição, foi uma benesse, porque seria sem reajuste. Equiparar uma coisa com a outra não tem o menor cabimento. O FNDR foi justificado como uma forma de compensar a eliminação da competência dos estados e do DF para concederem benefícios fiscais. Não tem nada a ver. O Fundo do DF é para financiar o custeio da segurança pública, educação e saúde. Qual a consequência objetiva? O FNDR, ao ser reajustado pelo IPCA, se vier a acontecer isso, que duvido muito, é para beneficiar. O IPCA em relação ao Fundo Constitucional é para prejudicar.

Nos últimos dois anos, ficou muito evidente que, caso o Governo do Distrito Federal (GDF), seja ele qual for, não fizer alguma coisa, continuará nessa incerteza em relação ao seu orçamento, porque o repasse do fundo tem um peso gigantesco dentro do orçamento do DF. Como resolver isso?

É preciso dizer que essas tentativas são recentes, o que, entretanto, nos deixa apreensivos quanto à retomada das mesmas iniciativas, exigindo os mesmos esforços e mobilização. Só vejo uma forma de prevenir isso: constitucionalizar o critério, introduzir no ato das disposições constitucionais transitórias um artigo que diga algo assim: “O Fundo que trata o artigo 21, inciso 14 desta Constituição, será reajustado anualmente pela variação da Receita Corrente Líquida da União”. E, ao fazer isso, blindamos o fundo quanto a pretensões espúrias ou sistemáticas de rever o critério. Fora disso, estaremos sempre atentos para que, em algum momento, por uma motivação qualquer que seja, isso retorne, sendo o DF um alvo fácil. Por que fácil? O fundo é do Distrito Federal. Outros fundos, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), são de todos os estados e todos os municípios. Ninguém vai querer essa encrenca. O FCDF, portanto, é um alvo fácil.

Essa proposta seria por meio de uma emenda constitucional?

Uma emenda constitucional.

Precisaria de um quórum qualificado e de uma adesão grande a essa, digamos, defesa do DF? O senhor acha que é possível isso, ou há algum perigo?

É sempre possível. No Brasil, desde a Constituição de 1988, tivemos, em média, uma emenda constitucional por trimestre. Portanto, a emenda constitucional é uma coisa que também se banalizou. 

O senhor considera que temos potencial para transformar a economia e os meios de produção do DF para depender menos desses recursos federais?

A resposta é não, porque Brasília não foi feita com essa finalidade. Brasília foi concebida como uma unidade da federação, expressamente prevista na Constituição, para ser a sede administrativa dos poderes da República, abrigar as representações estrangeiras e, portanto, ser uma unidade administrativa, tal qual é Washington, D.C., nos Estados Unidos. A mesma coisa, até, de certo modo, guarda semelhança com isso, desde a República, com a criação do município neutro, como era chamado, e tudo mais. A ideia foi sempre essa, quer dizer, se Brasília fosse buscar formas de autossustentação pela via da atividade econômica, ela escaparia de sua finalidade. A cidade não é mais aquilo que se pretendia ser, sede administrativa dos poderes da República, etc.

Voltando um pouco à questão da discriminação, há incompreensão quanto ao papel da capital da República?

Eu acho que é uma incompreensão da federação brasileira, pois ela foi feita por um decreto, copiando a federação americana, que nada tem de semelhante, era uma federação contratual, onde os estados se reuniram e a criaram. A do Brasil foi criada pelo Decreto Número Um da República, do dia 15 de novembro de 1889, cujo texto do Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, decreta: artigo primeiro, ficam instituídos, em caráter provisório, a República e a federação. Continuamos na mesma provisoriedade.

O senhor, como morador de Brasília, tem ideia para melhorar não só a cidade, mas até a própria convivência, sem falar em ganhos econômicos e sociais. Uma delas é interessante e tem a ver com as nossas árvores frutíferas que estão espalhadas e que estão em época de colheita. Como é isso?

Brasília é uma cidade que tem muitas árvores frutíferas, especialmente no Plano Piloto. Na Asa Sul, vejo árvores carregadas de frutas, mangas, jacas, por exemplo, e fico me perguntando: depois que essas frutas caem, alguém vem fazer a limpeza. Mas por que não se faz a coleta dessas frutas e as destina para unidades de apoio aos vulneráveis? Eu não sou especialista para indicar o melhor tratamento que se possa dar. Mas ao fazer isso, você está dando emprego a quem coleta e comida para quem precisa e previne o custo de limpeza pública. 

*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho.

Por Luis Fellype Rodrigues do Correio Braziliense

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense