Época de fim de ano pode causar sofrimento psíquico

Para algumas pessoas, esta época é sinônimo de alegria e de recomeço. Para outras, é um momento de estresse e ansiedade

Reuniões, confraternização da firma, preparativos para festas, despedidas, promessas para 2025… São tantas preocupações. A chegada do fim de ano pode ser um momento de alívio para aqueles que almejam férias, descanso, sombra e água fresca. Para outros, porém, a data é sinônimo de tormento e estresse. Ângela Maria Lima que o diga.

“Quando chega o fim do ano, juntar essas datas comemorativas — Natal e réveillon — é sempre um desafio”, afirma a assistente financeira, de 54 anos. A pressão com os preparativos das festas, as reuniões familiares e a expectativa dos convidados sobre si a fazem sentir-se sufocada. “Sinto como se eu não pudesse desapontar ninguém”, resume. 

Durante as crises de ansiedade, recorrentes neste período, Ângela costuma sofrer com taquicardia. “Minha mente dispara, parece que estou sempre no limite, pensando no pior. As mãos suam e sinto uma pressão enorme no peito, como se estivesse sendo esmagada”, descreve. A impaciência dá lugar ao choro e a sensação é de perda de controle. 

O consultor de vendas Aroldo Medeiros, 31, também sofre. “Finais de ano para mim são sempre momentos que despertam minha ansiedade”, isso é o que diz. “Eu sempre faço planejamentos todos os anos do que quero para o ano e quando não cumpro sempre me dá uma sensação estranha. Despertando a minha ansiedade”, contou.

Frustração

Segundo a psicóloga social Isadora Araújo, o fim de ano é muito ambíguo em relação a sentimentos e emoções. “Muitas pessoas podem sentir entusiasmo pelas festas de fim de ano, outras podem, de fato, sentirem-se angustiadas ou aflitas. E é comum um mesmo indíviduo sentir tudo isso nesse período, mesmo que sejam sensações contraditórias. Essas reações têm a ver com as expectativas sociais que colocamos nas festas de fim de ano”, afirma.

A “obrigatoriedade” de celebrar o Natal em família, por exemplo, pode significar ter contato com boas lembranças, mas também com situações mal resolvidas dentro desse grupo social — como casos de violência. O ano novo ajuda a lembrar das metas e planos feitos no passado que talvez não tenham sido colocados em prática como o esperado. “Ter que enfrentar esse não cumprimento das expectativas pode ser muito frustrante e sofrido”, explica Isadora.

Sinais como melancolia, taquicardia, agitação do corpo, suores e vontade de fugir podem ser recorrentes. Já o estresse pode se manifestar de maneira acentuada devido às preocupações com imprevistos em atividades típicas do período, como viagens e compras. “É importante ressaltar que esses sintomas não indicam necessariamente transtornos psicológicos. São manifestações que qualquer pessoa pode ter, mesmo nas melhores condições de saúde mental”, podera a psicóloga.

Origem

No caso de Ângela, a ansiedade, amplificada em dezembro, teve origem na menopausa, por volta dos 48 anos. “As mudanças hormonais foram avassaladoras. Então, a pressão para lidar com a casa, família e trabalho só piorou. Procurei ajuda médica, comecei a fazer terapia e, em alguns momentos, precisei de medicação para conseguir retomar o controle”, relata. 

A virada de chave ocorreu mesmo com a prática de atividades físicas. “Percebi que o exercício funciona como um escape, acalmando a mente e liberando aquela tensão acumulada. Além disso, a endorfina me dá uma sensação de bem-estar que eu nunca tinha sentido antes”, destaca. É com os exercícios físicos que Ângela tem contado neste fim de ano. “Ainda sinto um pouco de agitação, mas aprendi que desacelerar é preciso”, completa.

“Tudo começou na pandemia”, isso é o que diz Aroldo. O isolamento para ele foi um dos grandes problemas que despertou a sua ansiedade. “Tinha muita falta de ar. O medo de morrer, de perder o emprego, de tudo que estava acontecendo, atacava a minha ansiedade. O que tem me ajudado são a terapia e as aulas de pilates”, comentou.

Redes de apoio

O psiquiatra Alex Richardson explica que o fim de ano remete muitos indivíduos a sintomas depressivos, ou simplesmente a uma tristeza reflexiva, por se relacionar com a finalização de ciclos e as reuniões familiares, que podem reviver, por exemplo, o sentimento de solidão e de luto pelos entes que partiram. No que tange ao viés profisisonal, o especialista chama atenção para o desgaste físico e emocional, exemplificado pela síndrome de burnout. 

“Ao final do ano, quando as pessoas começam a desacelerar, se veem exaustas e correm o risco de evoluir para quadros depressivos. Além disso, existe também a depressão sazonal, na qual todos os anos, pacientes com esse tipo de transtorno deprimem com um viés social, é claro, mas também com uma importante manifestação biológica”, analisa o psiquiatra, também professor de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB).

Por isso, o especialista reforça que as redes de apoio são fundamentais, incluindo a família, grupos religiosos e amigos. “A ideia de pertencimento é essencial no dia a dia, pois é comum o reaparecimento de memórias familiares traumáticas nesse período. O ato de presentear e ser presenteado dá conforto e, no contexto biológico, libera endorfina e dopamina, provocando sensações de bem-estar”, recomenda.

Foco no bem-estar

O educador físico Pedro Henrique Porto, 32, comenta a importância da prática da atividade física para o controle da ansiedade. “A atividade física é uma das ferramentas mais poderosas no controle da ansiedade. Além de liberar endorfina, que melhora o humor, ela ajuda a canalizar aquela energia acumulada que muitas vezes gera angústia. Treinar é mais do que cuidar do corpo; é dar à mente um momento de respiro, organização e força para enfrentar os desafios do dia. Por isso, eu sempre digo: mover o corpo é acalmar a mente”, explicou.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

Por Letícia Mouhamad e Alessandro de Oliveira do Correio Braziliense

Foto:  Cedido ao Correio / Reprodução Correio Braziliense