Ícone de uma geração de artistas, Vicente Sá teve despedida na 508 Sul

Com a solidariedade e a generosidade que pela vida exaltou, Vicente Sá recebeu shows e poesias, na homenagem feita em velório na 508 Sul

Foi a viúva Lúcia Leão quem melhor definiu todos que a cercaram na despedida do poeta e compositor Vicente Sá, com homenagem montada no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul): “Aqui está a geração de Aquarius”. Abrandando o peso de um luto havia, no local, a força das amizades constituídas até mesmo antes do Concerto Cabeças, no qual Vicente foi emblemático. Morto aos 67 anos, Vicente Sá movia memórias das mais ternas entre os presentes, a exemplo do que relataram José Sóter, Gadelha Neto e Noélia Ribeiro.

Aldo Justo (cantor e músico), um dos fundadores do Liga Tripa (estabelecido há 44 anos por Ita Catta Preta e Lu Blues) celebrou até a saudade, replicando a verve letrista de Vicente Sá: “Lembro que sei/ Sei que andar junto/ precisa andar sozinho/ ser caminhão sem caminhos”. Ao Correio ele ressaltou o fim dos anos de 1970 que instituíram o Liga Tripa: “A poesia escorria, naquela época, pelas paredes, e a arte estava saindo das casas, seguindo para a rua, num movimento perseguido ainda pelo (famoso) Esquadrão da Vida”. No movimento, Vicente Sá foi vital.

Presente na despedida de Vicente Sá, o escritor e ex-secretário de cultura Bartolomeu Rodrigues pontuou o gosto amargo do entendimento de que “uma geração começa a se despedir”. “O Vicente Sá carrega raízes de uma realidade cultural histórica e que não pode ser esquecida. Convivi com esta cultura popular dele, e de outros, declamando poesias de forma integrada à vida da cidade, tudo com o engajamento de uma geração de ouro”, observou. Traduzir o sentimento da cidade, com sensibilidade, tornou Vicente um cronista da cidade, na obervação do colega pernambucano.

Empunhando o violão do Liga Tripa, que fez apresentação no velório, Sérgio Duboc repassou na cabeça os 50 anos de amizade. “Vicente Sá era um gêmeo de Brasília, nascido no 21 abril. Ele fez parte da cidade e tinha uma linguagem muito própria”, explicou Duboc. Entre alguns poemas recitados (num universo que contemplou algo do disco Komposições) estiveram ainda músicas como Edifício ninguém mora lá e O bicho. Toninho Alves (flauta do Liga Tripa) também lembrou de Sá: “Era um cara íntegro, maravilhoso. Não esteve à toa aqui. Ele, por exemplo, não falava mal de ninguém”.

Foi a visão “irônica e festiva da morte” atribuída a Vicente Sá que ajudou na assimilação da passagem do próprio, pelo que observou Nicolas Behr, amigo da geração mimeógrafo. “O ciclo é permanente e eterno: a geração Cabeças vai partindo e outras vão chegando. O Vicente Sá não levou nada (do mundo), além do espírito. Ficou tudo aqui: poesia, arte, muitas amizades e a alegria da informalidade de um poeta que ria de si mesmo. Ele deixa um filme bom”, concluiu.

Por Ricardo Daehn do Correio Braziliense

Foto: Carlos Vieira/CB Press / Reprodução Correio Braziliense