O desejo não tem hora nem lugar — ou será que tem? No calor da paixão, muitos casais se deixam levar pelo momento e acabam se entregando ao amor dentro do carro. Esse refúgio sobre rodas, que muitas vezes serve de cenário para paixões intensas, está sujeito a regras e nuances legais, tornando-se palco de um dilema entre liberdade e a rigidez da legislação.
Embora o automóvel possa parecer um universo particular, onde instantes de intimidade escapam à rotina, a lei lembra que a exposição do ato sexual em ambientes públicos pode ser interpretada como ato obsceno. Segundo o artigo 233 do Código Penal, se a prática ocorrer de maneira visível para terceiros, os envolvidos podem sofrer sanções que variam de detenção a multas, em um esforço para preservar a moralidade e a ordem pública.
A advogada Jéssica Marques explica que a punição não difere se o ato ocorre em um local completamente público (como uma praça ou rua) ou em um local semiprivado (como um carro estacionado ou uma varanda visível da rua). “Para que o crime seja configurado, não importa se o lugar é público, aberto ou exposto ao público. No entanto, se for demonstrado que o local não oferece a publicidade necessária — seja por difícil acesso, horário avançado ou condições climáticas que impeçam a visibilidade —, pode-se entender que não houve crime”, esclarece.
O sujeito passivo desse crime é a coletividade, e qualquer pessoa que presenciar o ato pode denunciá-lo. “Considerando que se trata de um crime de ação penal pública incondicionada, uma vez registrada a ocorrência, o Ministério Público é quem dará prosseguimento ao processo”, acrescenta a advogada.
Além disso, gravações realizadas por câmeras de segurança ou câmeras públicas podem ser usadas como prova no processo penal. Essa dualidade cria um paradoxo curioso: por um lado, o carro se torna um espaço de liberdade, onde o amor se manifesta com intensidade e espontaneidade; por outro, está sob os olhos da lei, que busca garantir a decência nos espaços urbanos. O desafio é encontrar o equilíbrio entre o fervor da paixão e o respeito às normas que regem o espaço público.
Por que o Estado se importa?
A justificativa legal para essa regulamentação é simples: proteger a moralidade pública e evitar constrangimentos a terceiros que podem estar apenas atravessando a praça ou fazendo uma caminhada no parque. O que para alguns pode parecer uma expressão livre do desejo, para outros pode ser um choque visual indesejado.
E o que caracteriza um ato obsceno? Embora não haja uma lista oficial, a regra geral é clara: se há exposição indevida do corpo e intenção sexual em um espaço público ou de fácil acesso ao público, há problema. No entanto, para os casais mais aventureiros, ainda há solução. O segredo? Discrição, bom senso e respeito ao espaço alheio. Afinal, a paixão pode ser intensa, mas um boletim de ocorrência não é exatamente um final feliz.
A lei para quem filma
As penalidades relacionadas a atos obscenos em público não se aplicam apenas a quem pratica, mas também a quem registra a intimidade alheia sem consentimento. Se a gravação for feita sem a autorização dos envolvidos, pode configurar violação de intimidade, especialmente se houver exposição da imagem de alguém sem permissão. O artigo 216-B do Código Penal, que trata da divulgação de cena de nudez ou ato sexual sem consentimento, prevê pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa.
Se a filmagem for divulgada ou compartilhada sem autorização, a situação pode se agravar. Caso cause dano à reputação da vítima, pode ser enquadrada como crime contra a honra, como difamação (artigo 139 do Código Penal). Se houver finalidade sexual na divulgação, pode ser classificada como pornografia de vingança, sujeita a punições ainda mais severas.
“A legislação penal estabelece, no artigo 226-B, que quem ‘produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes’ comete crime e pode ser responsabilizado com pena de detenção de 6 meses a 1 ano”, conclui a advogada Jéssica Marques.
Por Mariana Saraiva do Correio Braziliense
Foto: Freepik / Reprodução Correio Braziliense