“É preciso falar mais sobre democracia”, afirma Maria de Lourdes Abadia

Ao CB.Poder, a ex-deputada constituinte afirmou que, antes, havia respeito mútuo nas discussões políticas. Para ela, hoje, o que se vê é "agressão estampada no Congresso Nacional"

A polarização na política brasileira e a democracia estiveram entre os temas abordados no CB. Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — desta segunda-feira (10/3), que teve como convidada a ex-governadora do Distrito Federal e ex-deputada constituinte Maria de Lourdes Abadia. Na conversa com os jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, ela questionou se não estaria faltando falar mais sobre democracia nas escolas e universidades. Maria de Lourdes elogiou a iniciativa do seminário Democracia 40 anos: Conquistas, Dívidas e Desafios, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira, com apoio do Correio Braziliense, que será realizado no próximo sábado, em Brasília. A ex-governadora destacou ainda o trabalho da Casa do Candango e os esforços para a retomada da Festa dos Estados, realizada pela última vez em 2013, e que angariava recursos para a área social.

O ex-presidente José Sarney comentou ao Correio que sente falta de pessoas que consigam conduzir o processo político, inclusive para a pacificação do Brasil, e não para a polarização. A senhora concorda com esse ponto de vista?

Concordo completamente. Eu lembro que tínhamos extremos e uma figura muito importante era o Jarbas Passarinho (1920-2016), que era de direita, e os outros senadores e deputados que representavam a esquerda, e havia respeito nas discussões e debates. Outra coisa importante é que, quando falavam “É o Brasil”, todo mundo se juntava. Havia uma comunhão. Sempre levei muito a sério o meu papel representando Brasília nas minhas conquistas eleitorais e nos cargos que eu ocupei. Fico muito emocionada quando abro a Constituição brasileira e vejo o meu nome ali. Quando vejo as coisas que estão acontecendo, as emendas que saem, sinto muito com isso.

Estamos em um momento em que a democracia voltou a ser tema de debates. Como a senhora avalia esse momento
da história do país?

Estamos atravessando um momento de muita expectativa e ansiedade. Vemos o país dividido com muitos conflitos, muitas fake news, e parece que o Brasil está se separando. Tive a oportunidade de participar de outros eventos e houve embates sérios de partidos, e de ideologias, coisa que a gente não via antes. Acho que este seminário de 15 de março, que relembra os esforços para o fortalecimento da democracia, é muito importante para o cenário atual.

Por que a senhora acha que a polarização é tão forte no Brasil?

Acho que é um caso a ser estudado. Não sei se está faltando nas universidades, nas escolas, falar mais sobre a democracia. Ulysses Guimarães (1916-1992), vendo as brigas e xingamentos no Congresso, acho que ele ‘descia e botava’ muita gente para correr do plenário. Tive o privilégio de aprender política durante o processo da Constituição do Brasil. É engraçado, porque você tinha oposição, você tinha todos os partidos ali representados e havia um respeito mútuo. Você vê agressão estampada no Congresso Nacional. Ao final, parece uma briga pessoal.

Na semana passada, o Correio entrevistou a ministra Maria Elizabeth Rocha, que vai assumir como a primeira presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Ela disse que, enquanto comemorarmos quando uma mulher assume, é porque ainda estamos muito atrasados. Concorda com essa fala?

Isso também me incomoda muito. A primeira coisa que falam é de ser mulher. Eu me considero muito mais que o título de ser a primeira mulher a governar Brasília. Você não é vista pela luta e pelo compromisso que tem com as pautas políticas. Tenho várias razões para ser reconhecida, como o trabalho de assistente social, que une minha formação acadêmica com a realidade que eu sofria.

A senhora continua atuando em outras frentes, como a Casa do Candango. Quais são os projetos encabeçados por lá?

A Casa do Candango já atende algumas creches, o que totaliza mais de 300 crianças carentes. E a Casa São José, que é de acolhimento de idosos, em Sobradinho. Tentamos atender mães que não têm onde colocar o filho em uma creche à noite, principalmente as trabalhadoras da área da saúde, e profissionais de telefonia, que têm horários corridos, e, durante o dia, às vezes, como não há vagas em creche, deixam a criança com a vizinha. Mas, à noite, não têm com quem deixar a criança.

A Festa dos Estados servia para angariar fundos para a área social, e esse recurso era usado para manter creches, por exemplo. O que precisa para essa retomada?

Estamos numa luta grande para retomar a beleza e a saudade que todo brasiliense tem da Festa dos Estados. Você tem que ter a participação das primeiras-damas de todo o Brasil. É um trabalho difícil para convencê-las, porque muitas já têm seus projetos sociais. Não é fácil, mas continuaremos tentando. Tenho esperanças de que a gente consiga retornar com a festa.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

Por Luiz Fellipe Alves do Correio Braziliense

Foto: Reprodução/CB / Reprodução Correio Braziliense