Seja em lojas físicas, seja em virtuais, cada vez mais consumidores relatam situações em que, ao cancelar uma compra ou solicitar a devolução de um valor, a empresa oferece apenas um crédito para uso futuro, em vez de reembolsar em dinheiro. A prática, comum em sites de vendas, cursos on-line, plataformas de serviços e até academias, tem gerado dúvidas e reclamações frequentes. O que nem todos sabem é que essa conduta pode ser ilegal, e o consumidor tem o direito de recusar a imposição.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante, nos artigos 18, 42, 49 e 51, que, diante do cancelamento de compras ou falhas na prestação de serviço, o consumidor pode escolher entre o reembolso, a troca do produto ou o abatimento proporcional do valor. O reembolso, quando solicitado, deve ser integral, imediato e, preferencialmente, na mesma forma de pagamento usada na compra. A imposição de vale-compras ou créditos na plataforma, sem que haja concordância do cliente, é considerada cláusula abusiva e nula de pleno direito.
A situação ocorre com frequência nas compras pela internet. Nesses casos, o consumidor ainda conta com o chamado direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do CDC. Ele pode desistir da compra em até sete dias corridos, contados a partir da assinatura do contrato ou do recebimento do produto, sem necessidade de justificativa. A loja deve, então, reembolsar todo o valor pago, inclusive o frete.
Segundo o advogado Watson Silva, especialista em Direito do Consumidor, a devolução em dinheiro também é obrigatória nos casos de produtos com defeito que não forem reparados em até 30 dias, bem como em serviços não prestados corretamente. “Nesses casos, o consumidor pode optar pelo reembolso, por um abatimento proporcional ou pela troca do produto. A escolha é dele, e não da empresa”, afirma. Ele explica que a oferta de crédito ou vale-compra só é válida se houver concordância expressa por parte do consumidor. Quando há imposição unilateral, a prática é considerada abusiva.
O advogado explica que, mesmo que o consumidor aceite um crédito, de forma apressada ou sem total clareza sobre seus direitos, é possível reverter essa decisão. “Se o crédito foi aceito sem plena informação, o consumidor pode, sim, voltar atrás e exigir o dinheiro. Mas, se houver um acordo documentado e consciente, a troca pode ser considerada válida”, explica. O importante é avaliar se houve liberdade de escolha no momento da decisão.
Segundo o Procon-DF, esse tipo de queixa tem se tornado mais comum, especialmente entre clientes de plataformas digitais e marketplaces. Só em 2024, o órgão recebeu mais de 3 mil reclamações relacionadas a estornos negados ou substituídos por créditos. Em muitos casos, consumidores acabam aceitando o vale por falta de informação ou acreditando que não há outra saída. Mas há, sim, como resolver: o primeiro passo é exigir, por escrito, a devolução em dinheiro. Se a empresa negar, o cliente pode registrar uma reclamação no site do Procon-DF, que tem conseguido resolver a maioria dos casos administrativamente.
Mesmo plataformas intermediárias, como marketplaces e aplicativos de delivery, são obrigadas a seguir as regras do CDC. Embora atuem como ponte entre o consumidor e o fornecedor, elas são consideradas responsáveis solidárias nas relações de consumo. Assim, se o restaurante ou loja não cumprir sua parte e o consumidor for prejudicado, o aplicativo ou site também pode ser responsabilizado.
No Distrito Federal, leis locais também reforçam a proteção ao consumidor. A Lei nº 6.075/2018, por exemplo, proíbe a renovação automática de serviços sem autorização expressa. Já a Lei nº 6.259/2019 obriga as empresas a informar claramente a forma e os prazos de devolução de valores pagos. Ambas ampliam a base legal do consumidor brasiliense e permitem a aplicação de multas em caso de descumprimento.
Além das normas, decisões recentes da Justiça no DF também fortalecem o entendimento de que o crédito não pode ser imposto. Em julho de 2024, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinou que uma escola devolvesse em parcela única os valores pagos por aulas canceladas, após tentar impor ao pai do aluno um crédito sem prazo definido. Em outra decisão, uma loja de eletrônicos foi obrigada a estornar imediatamente uma compra de R$ 2.500, mesmo tendo alegado que o cliente só teria direito a vale-compras. A juíza considerou a prática “uma tentativa de retenção indevida de valor” e ainda aplicou multa por dano moral.
Em casos como esses, o consumidor também pode ter direito à devolução em dobro, se houver cobrança indevida, conforme prevê o artigo 42 do CDC. É o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa cobra por um serviço cancelado, mesmo depois de confirmada a desistência.
Apesar de todos os direitos garantidos em lei, o problema, muitas vezes, começa na comunicação das empresas. Informações vagas sobre política de cancelamento, letras miúdas nos contratos e resistência no atendimento ao cliente dificultam o acesso à solução. Por isso, especialistas orientam: sempre que possível, registre a solicitação de cancelamento por escrito, guarde comprovantes de compra e prints de conversas e, se o problema persistir, procure os canais oficiais de defesa do consumidor.
Casos como os vividos por Paloma Guedes, 31 anos, publicitária do Plano Piloto, e Júlio Ferreira, 45, empresário em Ceilândia, ilustram o desafio. Paloma comprou produtos em uma loja on-line, mas ao devolver parte do pedido, recebeu a promessa de estorno em 12 parcelas, como no pagamento original. Já Júlio contratou um curso de idiomas on-line cancelado pela própria plataforma e foi informado de que receberia apenas crédito para outro curso. Ambos recorreram ao Procon-DF para garantir o reembolso em dinheiro.
Para o advogado Watson Silva, empresas também precisam melhorar a forma como comunicam suas políticas e respeitar a legislação vigente. “É importante que o consumidor saiba que, em muitos casos, aceitar o crédito não é obrigatório. O direito ao reembolso está protegido por lei, e o desrespeito a isso pode gerar punições, inclusive por danos morais”, afirma.
O caminho é claro: se a empresa ofereceu apenas crédito ou vale-compra contra a vontade do consumidor, o Procon deve ser acionado. Em último caso, é possível procurar o Juizado Especial Cível, onde não há necessidade de advogado para causas de até 20 salários mínimos. Informação é o primeiro passo para garantir um direito básico: o de receber seu dinheiro de volta quando algo não saiu como o esperado.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Caio Gomez