Em menos de 48 horas, quatro pessoas perderam a vida nas vias do Distrito Federal, duas na BR-080, conhecida como “rodovia da morte”; uma na BR-070, em Ceilândia; e outra na DF 150, em Sobradinho. De sexta-feira até ontem, foram mais de 10 acidentes de trânsito, que incluíram, entre outras características, colisão seguida de incêndio, capotagem, atropelamento e embriaguez ao volante. Para especialistas em trânsito, fatores como uso de álcool, velocidade excessiva e condições da via impactam na continuidade dessas tragédias.
Entre as BRs 080 e 070, a segunda é a que registra mais sinistros. Até 31 de maio de 2025, a BR-070 registrou 112 acidentes, dos quais cinco resultaram em mortes, conforme dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Trata-se de um aumento de 400% na quantidade de óbitos, em relação ao mesmo período do ano anterior, que registrou uma morte. Dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF) indicam que, de janeiro a 15 de abril, 51 pessoas perderam a vida no trânsito da capital.
Na tarde de ontem, um motociclista morreu após colidir com outra moto no quilômetro 10 da DF-150, na região de Sobradinho. O homem, de 37 anos, foi atendido pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) no local, onde foi constatado o quadro de traumatismo cranioencefálico grave. Ele foi levado com prioridade para o Hospital Regional de Sobradinho (HRS), porém, no caminho, entrou em parada cardiorrespiratória.
Imediatamente, os militares iniciaram manobras de reanimação cardiopulmonar, que prosseguiram dentro do hospital, junto da equipe médica. O homem, porém, não resistiu e foi declarado morto. O condutor da outra moto envolvida no acidente, um homem de 25 anos, também foi transportado ao Hospital de Base de Brasília (HBB), apresentando fraturas expostas na perna e braço esquerdos.
Na madrugada, um homem de 25 anos morreu após seu veículo envolver-se em uma colisão lateral com um caminhão guincho na BR-070, próximo ao Núcleo Rural Alexandre Gusmão, sentido Taguatinga. Imagens do acidente mostram a parte direita do carro completamente destruída. A passageira do automóvel, 22, foi transportada consciente, mas desorientada, ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC). O condutor do caminhão não se feriu.
Possíveis causas
Para o especialista e consultor de trânsito e de transporte Wellington Matos, o aumento da velocidade e o risco de dirigir cansado são duas das razões por trás do aumento de acidentes aos fins de semana. “Além do motorista conduzir o veículo com mais tranquilidade, porque não tem a pressão de chegar ao serviço no horário, ele usa caminhos alternativos e dirige em uma velocidade maior, porque são menos carros nas ruas”, aponta.
Matos explica que, quanto melhor o estado da via, maior a chance de o motorista dirigir em velocidades altas e se envolver em um sinistro de trânsito. “O Estado se preocupa em melhorar as condições da pista para que as pessoas possam conduzir melhor, o que é perfeito durante a semana, devido ao fluxo maior de veículos. Mas, aos sábados e domingos, o número de carros reduz, o que acaba fazendo com que seja possível alcançar uma velocidade maior”, explica.
Outro perigo destacado pelo especialista é o motorista que opta por dirigir cansado. “Durante a semana, as pessoas têm um foco. Elas acordam, pegam o carro, vão para o serviço e voltam para casa. Já no final de semana, os motoristas vão para locais diferentes, como um bar ou uma festa, por exemplo. E, nessas ocasiões, acabam virando a noite”, diz o consultor, alertando para que o fato de ficar em um evento até 4 ou 5 horas da manhã é capaz de tirar a condição de dirigir plenamente.
Paulo César Marques, especialista em engenharia de tráfego e professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta ainda mais fatores que costumam estar presentes em ocorrências de fins de semana: o uso de álcool e o “motorista de fim de semana”. Ontem, um motorista alcoolizado, 39, invadiu a calçada de uma drogaria após colidir contra a traseira de um veículo Fiat Uno preto, em Ceilândia Sul. Ele foi preso em flagrante por embriaguez ao volante e conduzido à 15ª Delegacia de Polícia. Não houve feridos.
“Esta última situação inclui casos de pessoas que não costumam dirigir no dia a dia, mas saem de carro aos sábados e domingos a passeio, por exemplo. Trata-se de uma possível falta de familiaridade com o local”, aponta. “No entanto, é preciso reconhecer que a falta de familiaridade não deve ser um fator de insegurança, se a via estiver adequadamente sinalizada e se os usuários locais tiverem um comportamento compatível. É importante destacar o papel do Poder Público na gestão da circulação. Não podemos colocar tudo na conta dos condutores”, reforça o professor.
Dados do Detran, referentes ao período de janeiro a junho deste ano, revelam que as seis infrações de trânsito mais cometidas no DF, conforme a quantidade de multas aplicadas, são: excesso de velocidade (com 943.757 multas), estacionamento irregular (105.909), faixa exclusiva (97.010), avanço de sinal (53.636), uso do celular ao volante (42.491) e falta do cinto de segurança (39.486).
Despedida
Foi sepultado no cemitério Campo da Esperança de Brazlândia, na manhã de ontem, uma das vítimas do trágico acidente ocorrido no sábado na DF-080, o gesseiro Eduardo Rodrigues, 26, conhecido e querido na cidade. O momento de despedida reuniu mais de 600 pessoas, segundo um parente de Eduardo. “A ficha ainda não caiu”, lamentou o familiar. Eduardo deixa uma filha de apenas cinco anos.
O acidente que vitimou Eduardo aconteceu entre as localidades de Vendinha e Brazlândia. Dois veículos colidiram frontalmente, resultando também na morte de outro rapaz, identificado como Wanderson Sousa. A violência do impacto foi tamanha que os carros pegaram fogo. Um levantamento exclusivo do Correio revelou que, entre 2017 e 1º de julho deste ano, a cada 54 dias, em média, uma pessoa morreu na BR-080, e a cada quatro dias, uma pessoa ficou ferida no trânsito.
Quando o Corpo de Bombeiros (CBMDF) chegou ao sinistro, Wanderson, que trabalhava como operador de máquinas pesadas, já estava sem vida, caído ao lado do veículo. No fim da tarde, um primo de Wanderson observava desolado os veículos incendiados às margens da rodovia, optando por não comentar o ocorrido com a reportagem. A dinâmica e as causas exatas do sinistro serão reveladas somente após a conclusão da perícia da Polícia Civil, que geralmente leva cerca de 30 dias.
Mais ocorrências
Na manhã do sábado, um veículo capotou na DF-480, sentido Gama, logo após o viaduto que cruza com a DF-001. A motorista, 24, ficou presa às ferragens do carro, mas foi retirada com segurança pelo CBMDF, pelo vidro traseiro do automóvel. Ela foi transportada ao Hospital de Santa Maria consciente, porém desorientada e com sinais de uma provável fratura no braço direito.
No período da noite, três pessoas ficaram feridas em uma colisão entre dois veículos, na BR-251, após o balão da Papuda, sentido Unaí. Devido à gravidade da colisão, foi necessário o uso de ferramentas especiais para possibilitar a retirada em segurança da motorista de um dos carros envolvidos. A mulher de 37 anos apresentava dores no pescoço, costas e tórax.
No outro veículo, o condutor, 37, estava consciente e orientado, mas relatava dores nas costas e apresentava um corte superficial no pé esquerdo. A passageira do carro, por sua vez, sofreu escoriações no rosto e queixava-se de dores no pescoço. Ambos foram encaminhados ao Hospital Regional do Paranoá.
Ontem, um homem de 22 anos tombou o carro que conduzia na QN 12C, no Recanto das Emas. Ao chegar no local, a equipe da CBMDF encontrou o veículo no canteiro central da via e o motorista do lado de fora do automóvel. Consciente e orientado, ele foi encaminhado ao Hospital Regional de Ceilândia, com escoriações pelo corpo.
Também foram registrados os atropelamentos de dois idosos durante o dia de ontem. Na QNN 25, na Ceilândia, um homem de 85 anos foi encontrado pelo CBMDF caído no chão após ser atingido por um veículo. Ele teve parte do couro cabeludo arrancado, além de apresentar intenso sangramento, e foi encaminhado, consciente e orientado, para o Hospital Regional da Ceilândia (HRC). Os militares não souberam informar a dinâmica do acidente.
No Paranoá, uma idosa foi atropelada na calçada de uma avenida comercial da região. Acompanhada do marido, a mulher foi atingida por uma bicicleta e bateu com a cabeça no chão durante a queda. Ela também foi encaminhada ao hospital.
Contribuíram Mariana Saraiva e Carlos Silva
Tragédia em números
2024 2024 (até 31/5/2025) 2025 (até 31/5/2025)
BR-080 BR-070 BR-080 BR-070 BR-080 BR-070
– Sinistros: 66 291 22 112 24 112
– Mortes: 6 6 0 1 6 5
Fonte: Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Três perguntas para
Pastor Willy Gonzáles, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental e do programa de pós-graduação em transportes da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em transportes
1. Por que, mesmo com reformas, como duplicações de vias e melhorias na iluminação, os acidentes de trânsito continuam ocorrendo de forma significativa?
Apesar das várias ações que estão sendo realizadas, continuamos vendo uma grande ocorrência de sinistros. Isso porque não bastam apenas melhorias nas vias, é preciso termos um processo contínuo de alerta e prevenção em relação aos perigos do trânsito. Não acaba com a construção de novas infraestruturas — é um problema bem mais cultural e comportamental dos indivíduos. Se não trabalharmos com campanhas de trânsito, as pessoas não refletirão sobre os riscos que estão assumindo com comportamentos como, por exemplo, dirigir em alta velocidade ou em estado de embriaguez. Elas (as campanhas) são fundamentais, porque nos ajudam a pensar melhor sobre nossas atitudes. Se não as temos, os motoristas não desenvolvem consciência das suas atitudes.
2. Como a fiscalização ajuda a prevenir os sinistros?
Se há vias onde acontecem sinistros de trânsito, muitos deles derivados de um comportamento inadequado dos motoristas, como tráfego em alta velocidade ou realização de manobras que atentam contra a segurança dos demais, é a fiscalização que resolve. Ela vem para trazer elementos que conduzem novamente as pessoas a um comportamento adequado.
3. Por que há vias que registram acidentes recorrentes?
A recorrência de sinistros em uma via implica que os problemas dela não tenham sido resolvidos. Às vezes, é a sinalização inadequada ou a falta de marcação dos limites das faixas ou das áreas de ultrapassagem, por exemplo. A ausência desses elementos torna a pista favorável ao sinistro. Se isso não for trabalhado, evidentemente há um maior risco.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: CBMDF/Divulgação