A novela do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) está perto de uma solução. Representantes do governo Lula (PT) e do Congresso vão se reunir, amanhã, no Supremo Tribunal Federal para tentar um consenso. Nenhum dos lados, no entanto, pretende abrir mão da posição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse que seguirá defendendo a manutenção do aumento do IOF. O argumento é o de que é prerrogativa do Poder Executivo editar decretos e aumentar as alíquotas do imposto, se achar necessário.
“Eu vou manter o IOF. Se tiver um item no IOF que esteja errado, a gente tira aquele item. Mas o IOF vai continuar. E mais ainda: fazer decreto é responsabilidade do presidente da República. E os parlamentares podem fazer um decreto legislativo se eu tiver cometido algum erro constitucional, coisa que eu não cometi. É importante eles saberem que haverá uma decisão, que o IOF vai ser aprovado, 99% do que nós queremos e que vai ficar definido que quem faz decreto é o presidente da República”, disse Lula em uma entrevista à Record TV na quinta-feira.
Lula reforçou o recado que já havia sido passado semanas antes pela ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann — e que foi visto como ameaça pela cúpula do Congresso —, de que se precisar cortar despesas discricionárias (não obrigatórias) para compensar a derrubada do IOF (o que significaria R$ 10 bilhões a menos nos cofres este ano), vai tirar parte do dinheiro das emendas parlamentares. “Os deputados sabem que se eu tiver que cortar R$ 10 bilhões, eu vou cortar das emendas deles também. Eles sabem disso. Então, como eles sabem e eu sei, é importante a gente chegar num ponto de acordo”, disse o presidente.
O Congresso, por sua vez, também não quer ceder. Quando os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), se reuniram com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e com os líderes do governo na semana passada, reforçaram que o Legislativo não vai aceitar aumento de impostos. No dia seguinte, Motta disse que a reunião foi inconclusiva e pediu a colaboração do governo para uma solução. Também fez um apelo para que o Executivo não anunciasse novas medidas alternativas ao IOF sem dialogar.
“Eu gostaria, até por uma posição de cautela que esse momento exige de todos, de não avançar objetivando quais seriam essas medidas. Porque isso deverá ser discutido ao longo da semana, com a equipe econômica, com o Senado, com os líderes da Casa”, disse o presidente Hugo Motta na quarta-feira.
Outro argumento defendido pelos congressistas é o de que houve desvirtuação do IOF. Na sexta-feira, o Congresso pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, que reconsiderasse a decisão que suspendeu o Projeto de Decreto Legislativo que derrubou o IOF. Em um pedido assinado pelos advogados da Câmara e do Senado, as Casas alegam que o sistema de freios e contrapesos — que garante os limites entre os Três Poderes — garantiria ao Legislativo a prerrogativa de conter “excessos” do Executivo.
O excesso seria a utilização do IOF, um tributo de natureza extrafiscal, para fins arrecadatórios, como deseja fazer o governo. Quando convocou a sessão de conciliação sobre o assunto, em 4 de julho, o ministro Alexandre de Moraes observou em sua decisão haver indícios de desvio de finalidade.
“A existência de séria e fundada dúvida sobre o uso do decreto para calibrar o IOF para fins puramente fiscais, em juízo de cognição sumária, é suficiente para analisar eventual desvio de finalidade, (…) pois a modificabilidade deste tributo, sem a certeza de servir a propósitos extrafiscais, como os da política monetária, indicando — em tese — objetivos meramente arrecadatórios, ainda que a alíquota do imposto venha a ser elevada dentro do patamar previsto em lei, poderia indicar desvirtuamento da previsão constitucional”, escreveu Moraes.
Cortina de fumaça
A discussão também deixa em lados distintos oposição, Centrão e a base do governo no Congresso. Deputados do Centrão ouvidos pela reportagem veem o movimento do Executivo como uma afronta à soberania do Legislativo. Já deputados do PT enxergam na discussão uma tentativa de desviar o foco da taxação dos mais ricos. Parte dessa avaliação se dá porque a alta do IOF envolve serviços financeiros tipicamente utilizados mais pela classe média alta e pelos mais ricos, como envio de remessas ao exterior e utilização de cartão de crédito para compras fora do país.
Em 9 de junho, em uma reunião que durou mais de cinco horas, os presidentes do Legislativo costuraram um acordo com o governo para que o Executivo recuasse de parte do decreto e apresentasse medidas alternativas para compensar a frustração da arrecadação prevista. Parte dessas medidas — que depois entraram em uma medida provisória — envolvia aumentar impostos para bets, fintechs e taxar investimentos no Congresso.
Embora a cúpula do Legislativo tenha vindo a público sinalizar apoio às medidas do governo, a repercussão do anúncio ligou o alerta nos lobbies dos respectivos setores, que passaram a pressionar os congressistas. Diversas entidades do setor produtivo e ligadas ao mercado financeiro também emitiram notas de desaprovação. Esse movimento levou o presidente da Câmara, Hugo Motta, a dizer apenas dois dias depois que as alternativas do governo não teriam vida fácil no Congresso. Davi Alcolumbre foi mais discreto, mas também recuou.
Com o pagamento de emendas parlamentares em atraso e sinais trocados por parte da articulação do Planalto, a crise escalou e acabou com a derrubada do decreto do IOF em 25 de junho na Câmara e no Senado. “É, sim, uma derrota para o governo, mas foi costurada a várias mãos”, disse Alcolumbre na sessão que derrubou o decreto no Senado. Depois disso, o que se viu foi uma organização de setores da esquerda e também do próprio governo para pressionar o Congresso nas redes sociais a taxar os mais ricos, em uma escalada que pode ir além da conciliação sobre o IOF no Supremo.
INSERT
Nova etapa do PAC Seleções
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar nas próximas semanas uma nova etapa do PAC Seleções, programa do governo federal voltado à destinação de recursos para obras estruturantes nos municípios. A declaração foi dada durante visita a Francisco Morato (SP), na inauguração de um viaduto viabilizado com participação de verbas federais. “Disse ao prefeito (Ildo Gusmão, do Republicanos) que o presidente Lula deve lançar nas próximas semanas o PAC de Seleções deste ano, para ajudar o município a se desenvolver”, afirmou Alckmin. Segundo ele, a primeira rodada do programa já contemplou Francisco Morato com obras como a construção de um centro esportivo comunitário, duas intervenções de contenção de encostas e ações de prevenção de desastres relacionados a enchentes.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Gil Ferreira/SRI