Assim como escreveu Tom Jobim: “é impossível ser feliz sozinho”. Na vida, a parceria se faz necessária. Embora a autossuficiência seja bem vista, somos seres sociais e a solidão prolongada não é saudável. No Distrito Federal, repleto de apartamentos que tendem a gerar certo isolamento, as pessoas ainda conseguem construir, no dia a dia, momentos preciosos em convivência. Captando esses abraços, sorrisos e conversas, o Correio percorreu pontos da cidade para contar boas histórias e mostrar a importância daquele famoso calor humano.
Para a aposentada Ana Maria da Rocha, 71, o sábado é o dia mais esperado da semana. Ao acordar, ela vai até a Feira da Ponta Norte, na SQN 216, onde encontra o coletivo Linhas da Resistência para bordar com seus amigos e amigas. “É algo que me faz bem, desde que começou o projeto. A gente se ajuda, cria vínculos e conhece pessoas novas, de todas as idades”, conta Ana Maria. O coletivo começou em 2022 quando, após meses de isolamento social, os vínculos humanos fizeram falta. “Eu sempre gostei de frequentar grupos de pessoas, sempre fui de muitas tribos, mas, aqui, achei ainda mais meu lugar. A gente senta em uma roda, trazemos lanches, conversamos sobre o artesanato. É um encontro que traz paz”, completa a aposentada, que passa horas bordando e conversando.
O psicólogo clínico Caio Fontenelle explica que a importância do convívio entre indivíduos é clara pela forma que o ser humano é constituído, como um ser ‘biopsicossocial’, segundo a psicologia. “Seres humanos são animais que têm necessidades sociais fortes e que devem ser cuidados. Nós temos partes específicas do cérebro que foram desenvolvidas a fim de que facilitem essas interações sociais”, ressalta. “Temos formas de reconhecer emoções, temos empatia, que é uma função desenvolvida para as interações sociais. Então, não só isso, mas o desenvolvimento dessas necessidades básicas e a sua satisfação, dependem de interações sociais, que aprendemos como suprir desde cedo a partir de outras pessoas”, completa o especialista.
Para Fontenelle, ao pensar em saúde mental, não se deve apenas focar em uma satisfação das necessidades básicas, mas no convívio do indivíduo junto a outros. “Somos constantemente atravessados pelo social, psicológico e pelo biológico. Essas coisas não estão isoladas. Temos que ver como é que esse indivíduo está conseguindo se portar socialmente, porque isso é de imprescindível importância para o seu bem-estar psicológico e para o seu bem-estar físico”, finaliza.
Pensando no desenvolvimento do filho, Michelle Machado, 47, busca sempre trazê-lo para brincar com outras crianças no Parque da Cidade. Junto de sua tia, Maria Angélica Machado, 63, ela aproveitou o dia de Sol para fazer do passeio um momento em família. “Acho que é importante para as crianças conviver com outras crianças. Fazer amizade com quem nunca viram antes e criar vínculos”, contou Michelle. Seu filho nasceu durante a pandemia e, por isso, não teve o convívio com novas pessoas durante os primeiros anos de vida. “Ele fica um pouco tímido mas, com o tempo, vai se soltando. Quando percebemos, já está em meio a amigos. Isso é muito valioso para o desenvolvimento dele”, celebra a mãe, que tenta garantir que o filho aproveite a infância da melhor forma possível.
Construindo vínculos
A pandemia realmente tornou a interação social uma saudade diária. Foi com essa percepção que a professora Margarete Lima, 52, criou, ao lado da filha, Maria Fernanda, o coletivo Aquarelas Botânicas. As oficinas, feitas em grupo misturam amigos e desconhecidos, auxiliando na criação de vínculos entre as pessoas e na manutenção de laços já existentes. “É um momento em que os participantes estão juntos, de interação e de sair um pouco das telas dos celulares. A gente foi percebendo que as pessoas vão às oficinas buscando muito além de só aprender sobre aquarela: é sobre priorizar esse momento de estar junto”, comentou a professora, formada em artes plásticas.
Entre os pincéis e as tintas, novas amizades florescem em tempos nos quais a sociedade está, cada vez mais, fechada para novos vínculos. “Acredito que o coletivo ajuda nessa questão social. Eles estão ali, juntos, um do lado do outro, e passam a interagir. É muito natural”, contou Margarete. “Eles compartilham o mesmo espaço e a mesma paleta de tintas. Então, daqui a pouco, um está perguntando para o outro sobre determinada cor, se ficou boa a composição. É nesses detalhes que a gente percebe que vai surgir uma amizade”, completou.
Margarete acompanha de perto essa movimentação e se encanta com o vai e vem de gente nova no coletivo. A cada semana, rostos diferentes aparecem em busca de respiro e conexão. Um deles é o de Jéssica Neiva, 35, gestora de saúde que decidiu participar das oficinas ao lado de uma amiga como forma de escapar da rotina e se desconectar um pouco do celular. “Ninguém aqui é artista, viemos mesmo para desopilar. É ótimo para aliviar o estresse. Se der errado, apago o desenho da taça e começo de novo”, brinca.
Camila Freire, 28, enfermeira; e o engenheiro Igor Villar, 31, encontraram uma forma criativa de manter o encanto da relação. Uma vez por mês, um deles organiza um date misterioso. O destino é surpresa, revelado apenas na hora. “Hoje foi minha vez de escolher. Ele só soube onde vinha quando já estávamos a caminho”, conta Camila. Para o casal, o ritual virou um jeito de fortalecer os laços e criar novas memórias juntos, mesmo em meio à rotina.
O grupo Ladie também constrói vínculos, ao reunir mulheres com diversos perfis para atividades de todos os tipos. A fundadora do grupo, Rafysa Assunção, 31, contou que a ideia surgiu da necessidade de aumentar seu ciclo social. “A amizade pode facilitar o nosso dia a dia, é sempre bom contar com os nossos amigos, ter alguém com quem dividir momentos de alegria, de tristeza”, comentou a empreendedora.
Ela compartilha que os encontros oferecem uma união entre as participantes. “É um momento de união de propósitos, projetos, trocas afetivas, de amizade, de escuta no dia a dia, considerando, principalmente, as questões emocionais. É importante ter pessoas com quem possamos contar”, disse.
Rafysa também fala que o grupo proporciona que as pessoas compartilhem sua solitude e ajuda a lidar com a solidão. “Ter trocas é sempre significativo. Você ouvir o outro, você ser ouvido. Fazer coisas que você claro pode fazer sozinho, mas por que não fazer com uma boa companhia de qualidade, então acho que vale a pena a gente ter esses momentos”, comentou.
Por Resenha de Brasília
Fonte Agência Brasília
Foto: Bruna Pauxis/ C.B. Press