População sofre com o barulho do trânsito nas ruas do DF

À medida que Brasília cresce, o barulho se coloca como um problema cada vez mais presente. Apesar de estudos antigos indicarem impactos à saúde, há escassez de pesquisas governamentais recentes

O excesso de barulho pode provocar danos à saúde física e mental. Apesar da gravidade das consequências, o último Mapa de Ruído de Brasília, feito pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), é de 2013.

Ainda que, à época, o panorama geral para capital fosse positivo, o documento descreveu que 7,3% das pessoas relataram incômodo com o barulho do tráfego e 3,2% apresentaram sintomas, como distúrbios do sono. Atualmente, o órgão não faz estudos nesse sentido.

O dado mais recente que a reportagem encontrou sobre o tema, da Câmara Legislativa, é de 2015, e apontou que 70% das reclamações recebidas pelo Ibram eram sobre barulho. Segundo o relatório, no Eixão, o ruído dos veículos chegava a 75 decibéis em horários de pico, número considerado prejudicial ao sistema auditivo e à mente, caso a exposição seja prolongada, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). A mesma pesquisa alertava que, acima de 65 decibéis, podem ser observados sintomas como estresse, irritação, prejuízos na comunicação e complicações do sono.

O Correio conversou com Gustavo Souto Maior — um dos autores do estudo do Ibram, ex-presidente do instituto e professor de gestão ambiental da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, a poluição sonora no trânsito reflete um cenário mais abrangente. De acordo com dados levantados pelo pesquisador, as reclamações recebidas pela autarquia que dizem respeito ao excesso de barulho ainda correspondem a 70% do total de registros. “Somente no primeiro semestre de 2024, foram 6.745 queixas relacionadas ao ruído, o que dá uma média de 37 por dia. É um cenário constante no cotidiano do cidadão brasiliense”, afirma.

Ele destaca que o Plano Piloto lidera o ranking de ocorrências que chegam ao órgão, enquanto Ceilândia, Samambaia e Taguatinga concentram os chamados à Polícia Militar (PMDF). Apesar das normas estabelecidas por legislações como a Lei Distrital nº 4.092/2008, Brasília ainda convive com índices elevados de ruído. “Em áreas mistas, predominantemente residenciais, o limite legal é de 55 decibéis durante o dia e de 50, à noite, mas esses patamares são frequentemente ultrapassados”, explica.

Para mitigar os impactos da poluição sonora, o especialista defende a adoção de medidas técnicas e de planejamento urbano. Brasília também pode se inspirar em soluções adotadas por outras cidades do mundo. “Paris instalou radares de ruído para multar veículos barulhentos. Londres aposta em barreiras verdes, enquanto outras cidades europeias criam zonas de baixas emissões. Tudo isso é perfeitamente aplicável aqui, desde que haja vontade política e fiscalização eficaz”, opina Souto Maior.

Transtorno constante

Enquanto a solução não chega, resta lidar com as diversas fontes de ruído nas pistas. A aposentada Cleide da Mata, 65 anos, moradora da 502 Sul há mais de 40 anos, vive em uma das áreas mais afetadas pelo barulho do trânsito. O quarto dela fica voltado para a W3 — uma das avenidas mais movimentadas da capital. “Quem mora aqui sente muito estresse e até insônia por causa disso”, desabafa.

Ela acredita que mudanças estruturais, como o incentivo a veículos elétricos e a ampliação do metrô, poderiam amenizar o problema. “Nunca vi ninguém do governo apresentar solução para o barulho. Violência, até tentam. Mas para ruído? Nada. Quem quiser, que compre tampão de ouvido”, lamenta.

Quem encara o trânsito diariamente também reclama. A produtora de eventos Lorraine Meirelles, 28, aponta as motos como as grandes vilãs. “O trânsito de Brasília tem muito a melhorar. Perto da casa da minha avó, no Guará, por exemplo, as motos com escapamento barulhento incomodam muito. É algo que afeta até a saúde das pessoas”, queixa-se.

Combate

Em resposta aos questionamentos sobre o combate à poluição sonora no DF, o Ibram afirmou que segue a metodologia prevista na norma técnica ABNT NBR 10.151 para medir os níveis de ruído. As regiões com maior índice de barulho são, nesta ordem, o Plano Piloto, Ceilândia, Planaltina e Taguatinga. O instituto pontua que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) é responsável por definir critérios que conciliem proteção ambiental e desenvolvimento econômico.

A fiscalização das vias, por sua vez, cabe ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) e ao Departamento de Trânsito (Detran-DF). A população pode registrar denúncias de ruído excessivo por meio do telefone 162 ou pelo site Participa DF, canais oficiais de ouvidoria do GDF.

Para lidar com ocorrências de barulho no trânsito, o Detran-DF realiza a Operação Sossego, que tem como objetivo tirar de circulação as motocicletas com descarga livre ou silenciador de motor de explosão defeituoso, deficiente ou inoperante.

As estatísticas revelam um aumento significativo: de janeiro a junho de 2024, foram 4.117 autuações. No mesmo período em 2025, o número saltou para 5.482 — um crescimento de 33%. Vale lembrar que, conforme o Artigo 230, inciso XI do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), essa é uma infração como grave, com multa e retenção do veículo para regularização. 

Palavra de especialista

Quando a poluição sonora diminui a qualidade de vida

Roberto Carlos Batista, promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural 

Ouvir música, celebrar em festa, apreciar um espetáculo, divertir-se — em local público ou em estabelecimento comercial — ou se deslocar em um veículo são atividades cotidianas que integram a vida em sociedade contemporânea e o meio urbano. Podem representar, no entanto, uma perturbação que afeta a vida dos cidadãos e coloca em risco sua própria saúde. A OMS inclusive alerta para doenças oriundas de poluição sonora como a perda auditiva, transtornos de sono e mentais, alterações cardiovasculares, entre outras.

A OMS/Europa aliás celebra no terceiro dia de março de cada ano a jornada mundial da audição para despertar para os riscos sanitários da poluição sonora. Esta compromete a qualidade de vida principalmente de crianças, idosos, doentes e portadores de transtornos, como pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), muito sensíveis a ruídos.

No âmbito do DF, as reclamações são muito frequentes, em razão da expansão urbana desordenada e da inobservância dos limites legais para diferentes áreas. O Ministério Público (MP) e o Judiciário são acionados regularmente para apuração de excessos e penalização dos responsáveis. Vetado o abuso tanto no âmbito administrativo (com a expedição de multas, interdições e autos de infração pelo Instituto Brasília Ambiental), quanto na seara cível (pedidos judiciais de cessação ou proibição de atividades) ou criminal (crime de poluição do art. 54, caput, da Lei 9.605/98, que exige apenas o risco à saúde humana).

O MP, que nos anos 2000 ensejou a criação de um grupo de trabalho nomeado pelo governador para elaborar a minuta da “lei do silêncio” do DF, busca acautelar incômodos em grandes eventos, como o carnaval, com recomendações aos órgãos envolvidos. Também propõe ações penais ou medidas alternativas a elas previstas em lei.

No âmbito administrativo, após larga discussão de projeto de lei distrital, em 2018, sobre o aumento dos decibéis permitidos, foram criadas, pelo executivo, as Câmaras Central e Regionais de Conciliação para Convivência Urbana do Distrito Federal, hoje em funcionamento, embora nem sempre exitosas.

Consciência, respeito e legalidade garantem o bem comum, inclusive dos animais silvestres e domésticos (os pets), gravemente impactados com o barulho e a poluição sonora da cidade. O dever legal e moral de colaborar se atribui a todos.

Estatísticas

Panorama geral considerando todos os tipos de poluição sonora

Total de ocorrências: 2.633

Respondida: 2.149 (81,6%)

Não resolvida: 305 (11,6%)

Evolução mensal

Mês com menos ocorrências: Janeiro: 385

Mês com mais ocorrências: Abril: 472

Regiões administrativas

Plano Piloto: 691

Ceilândia: 296

Planaltina: 278

Taguatinga: 225

Águas Claras: 144

Fonte: Painel da Ouvidoria do GDF

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense           

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press