“Democracia não se constrói da noite para o dia”, diz Lula

Presidente critica falhas da democracia liberal, pede regulação de plataformas digitais e reforça necessidade de justiça social e ambiental

Em declaração contundente à imprensa nesta segunda-feira (21/7), no Palácio de La Moneda, em Santiago, Chile, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu uma nova agenda democrática internacional que una governos, sociedade civil e instituições na resposta aos ataques antidemocráticos e às desigualdades crescentes no mundo.

O encontro reuniu líderes como os presidentes Gabriel Boric (Chile), Pedro Sánchez (Espanha), Gustavo Petro (Colômbia) e Yamandú Orsi (Uruguai), e marcou, segundo o petista, “um passo concreto na defesa da democracia”, diante de uma nova ofensiva autoritária global.

“A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas. Cumprir o ritual eleitoral a cada quatro ou cinco anos não é mais suficiente”, afirmou o presidente brasileiro, em crítica direta ao esvaziamento da representatividade política.

O petista destacou a simbologia de realizar o encontro no Chile, país onde a democracia sofreu um dos golpes mais violentos da história latino-americana, com o assassinato de Salvador Allende em 1973. Para ele, os horrores das ditaduras do século 20 ainda ecoam nas atuais ameaças que pairam sobre regimes democráticos.

Regulação digital e combate à desinformação

Uma das principais pautas do encontro foi a responsabilização das plataformas digitais. Lula defendeu que a liberdade de expressão não pode servir como escudo para incitação ao ódio, violência e ataques às instituições. “Concordamos sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e do combate à desinformação, para devolver ao Estado a capacidade de proteger seus cidadãos”, declarou.

Segundo ele, a governança digital deve ser global, com transparência e participação pública. O tema voltará à agenda em setembro, durante novo evento em Nova York, paralelo à Assembleia Geral da ONU.

Lula reforçou que não há como dissociar a defesa da democracia da luta contra a desigualdade social. Citou dados alarmantes: 733 milhões de pessoas passam fome todos os dias, enquanto o salário médio de um presidente de multinacional é 56 vezes maior que o de um trabalhador comum. “Políticas de austeridade obrigam o mundo em desenvolvimento a conviver com o intolerável. Não há justiça em um sistema que amplia benefícios para o grande capital e corta direitos sociais”, criticou.

O chefe do Planalto também reiterou o compromisso com a Aliança contra a Fome e a Pobreza, lançada pelo Brasil no G20, e voltou a defender que os super-ricos arquem com sua parte, por meio de uma reforma tributária global justa.

Crise ambiental e integração regional

A crise climática foi apontada por Lula como um novo vetor de exclusão social, especialmente para os mais vulneráveis. Para ele, sem um novo modelo de desenvolvimento, a democracia continuará em risco.

O presidente aproveitou o encontro para reforçar a importância da integração latino-americana e da parceria entre América Latina, Caribe e Europa na construção de uma ordem internacional multipolar. “Neste momento em que o extremismo tenta reeditar práticas intervencionistas, precisamos atuar juntos”, disse Lula, ao defender o papel da América Latina como promotora da paz, do diálogo e dos direitos humanos.

Ao final, sublinhou que a democracia não pode ser tarefa exclusiva dos governos. Requer, segundo ele, envolvimento da academia, dos parlamentos, da mídia, do setor privado e da sociedade civil organizada.

A programação do dia ainda incluiu um encontro com representantes da sociedade civil chilena e, nas palavras do presidente, será sucedido por novas etapas internacionais de articulação democrática. “Democracias não se constroem da noite para o dia. Zelar pelos interesses coletivos é uma tarefa permanente”, concluiu Lula.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense      

Foto: Ricardo Stuckert/PR