Cuidado redobrado: acidentes de trabalho disparam no DF

Dados dos últimos cinco anos apontam que os casos apurados passaram de 1.147 registros em 2020 para 8.168 em 2024, um crescimento de 612%, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus)

O número de investigações de acidentes de trabalho no Distrito Federal registrou um salto expressivo nos últimos anos. Dados de 2020 a 2025 apontam que os casos em apuração passaram de 1.147 registros em 2020 para 8.168 em 2024, um crescimento de 612%, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Apenas nos seis primeiros meses de 2025, foram contabilizadas 2.137 investigações, indicando que a tendência de alta pode se manter até o fim do ano.

No total, entre 2020 e 2025, foram 22.443 ocorrências investigadas. Entre as causas mais frequentes, destacam-se os impactos provocados por objetos lançados ou projetados em queda (classificação W20, da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que somaram 2.775 registros no período — com pico em 2024, quando 1.168 casos desse tipo foram investigados.

Outro fator de destaque foi o aumento de investigações relacionadas a circunstâncias associadas às condições de trabalho (Y96), que saltaram de 142 em 2020 para 818 em 2024, totalizando 1.726 casos no período. Situações envolvendo quedas sem especificação (W19), quedas no mesmo nível causadas por escorregões, tropeços ou passo em falso (W01) e quedas de escadas ou degraus (W10) também se mantiveram entre as principais causas de investigação.

Casos de contato com objetos cortantes ou penetrantes (Y28) e exposição a fatores não especificados (X59) igualmente registraram números elevados. A classificação W22, que trata de impactos acidentais provocados por outros objetos, somou 1.693 investigações no período, enquanto acidentes envolvendo máquinas e equipamentos (W31) atingiram 976 ocorrências.

Para além de números nas estatísticas, acidentes de trabalho representam também prejuízo econômico. De acordo com o Bruno Vinícius Ramos Fernandes, professor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB), o impacto econômico anual dessas ocorrências no Brasil ultrapassa R$ 100 milhões, considerando perda de produtividade, aumento de custos e redução do consumo por parte dos afastados. 

No Distrito Federal, onde a economia é fortemente baseada no setor de serviços — cerca de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) local, acima da média nacional, de 70% — a alta frequência desse tipo de sinistro pode ter efeitos ainda mais avassaladores. “O impacto maior é em relação à mão de obra. Num cenário de desemprego baixo, com a menor taxa histórica de 5,8%, fica difícil repor, principalmente em setores como manutenção e construção civil, em que a demanda por profissionais técnicos é maior que a oferta”, afirma.

grafico acidente de trabalho
Para além de números nas estatísticas, acidentes de trabalho representam também prejuízo econômico(foto: Pacífico)

Vida após a queda

Esses números também se traduzem em vidas que podem mudar radicalmente. Ao 55 anos, Alfredo (nome fictício) caiu de um andaime, enquanto trocava a fachada de um prédio em Águas Claras. Na queda, de cerca de dois metros e meio de altura, fraturou o braço em dois lugares, entre eles, o punho. “Isso faz três anos. Nunca mais fui o mesmo”, conta. 

No dia do acidente, o pedreiro usava cinto de segurança e capacete. “Até hoje não entendo como aconteceu. Na hora desmaiei e fiquei desacordado por uns 10 minutos, segundo me falaram. Lembro-me dos bombeiros e depois, de acordar no hospital”. 

Alfredo, que é autônomo, ficou afastado do trabalho por seis meses. Passou por cirurgia e, depois, várias sessões de fisioterapia. Sem renda, o orçamento de casa pesou, e quem segurou as pontas foi a mulher dele. “O que recebi do INSS não cobria o que eu ganhava no mês. Foi muito difícil”, relata.

Desafios da segurança

De acordo com Beatriz Barcelos, engenheira de segurança do trabalho e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), é justamente na área de construção civil que se concentra grande parte da atenção das autoridades. A subnotificação de casos é um problema sério no setor, pois muitos acidentes considerados “simples” não são comunicados por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).

Para a engenheira, a prevenção ainda esbarra em três pontos críticos: fiscalização insuficiente, cultura organizacional, que não prioriza a segurança, e percepção de que investir em prevenção é custo e não benefício. “A reincidência de acidentes é um indicativo claro de falhas na gestão de riscos e na cultura de segurança”, avalia.

A especialista lembra que as empresas têm obrigações previstas em norma, como manter Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmt), criar comissões internas de prevenção de acidentes (Cipa) quando exigido, fornecer EPIs, realizar treinamentos e elaborar programas de gerenciamento de risco e controle médico. No entanto, o cumprimento integral dessas exigências ainda varia muito conforme o porte e o setor da empresa. “A informalidade e a terceirização dificultam a implementação efetiva dessas medidas”, ressalta.

Avanços

Segundo José Antonio Bueno Magalhães Júnior, diretor de Políticas e Relações Trabalhistas do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), a alta nos números se traduziu em respostas de diversos setores da economia para lidar com esse fenômeno. O setor formal da construção civil no Distrito Federal tem conseguido reduzir a incidência de acidentes de trabalho nos últimos anos. “Fomos os primeiros no ranking de acidentes, hoje ocupamos a terceira posição. Essa redução é fruto de um trabalho conjunto. Hoje, de 7% a 8% do valor de cada obra em segurança do trabalho”.

O dirigente explica que a segurança nos canteiros é sustentada por um “tripé”: equipamentos de proteção individual (EPI), equipamentos de proteção coletiva (EPC) e medidas administrativas. “O EPI é a última linha de defesa. Antes dele, vem a proteção coletiva, que previne o acidente na origem, e as medidas administrativas, como treinamento, limpeza do canteiro e alocação correta dos funcionários. Não adianta só investir em EPI, é preciso conscientizar e capacitar continuamente”, afirma.

Apesar dos avanços, o  José Antonio Bueno alerta que o maior número de ocorrências está no setor informal. “É o nosso maior gargalo. Muitas obras ilegais não têm documentação, não registram os trabalhadores, não sofrem fiscalização e, muitas vezes, nem têm um responsável identificado. Quando você olha um canteiro ilegal, a diferença salta aos olhos: não há garantia de segurança nem de qualidade”, lamenta.

Entre as principais frentes de prevenção, ele destaca o combate a acidentes em altura, soterramentos e choques elétricos, com uso de linha de vida, cintos de segurança, ferramentas adaptadas e treinamento para agir em situações de risco. O Sinduscon mantém convênios para oferecer cursos de capacitação, acompanhamento psicológico, programas contra o alcoolismo e até alfabetização. “A segurança do trabalho não se limita a treinar para evitar acidentes. Passa por saúde, alimentação e até educação financeira para o trabalhador”, ressalta.

Fiscalização

Em nota, o Ministério do Trabalho informou que a fiscalização das condições de trabalho no Brasil é planejada com base em diagnósticos que analisam a ocorrência de acidentes e adoecimentos relacionados à atividade laboral. Segundo a pasta, a inspeção do trabalho atua de forma contínua, seguindo um planejamento estratégico que prioriza “os estabelecimentos com maior registro de irregularidades trabalhistas, com maior ocorrência de acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho”.

Além dos estudos e levantamentos técnicos, as ações fiscais também se baseiam em denúncias recebidas pelo canal oficial da Inspeção do Trabalho (https://denuncia.sit.trabalho.gov.br/) e em informações coletadas diretamente pelas unidades descentralizadas do órgão. Essas fiscalizações podem ser presenciais, com visita ao local, ou realizadas de forma indireta ou eletrônica, por meio da análise de documentos.

As empresas que descumprem as normas de segurança e saúde no trabalho estão sujeitas às penalidades previstas na Norma Regulamentadora 28 (NR-28). Conforme o Ministério, “após o decurso do devido processo administrativo, com possibilidade de defesa por parte das empresas, mantida a autuação, será aplicada uma multa pecuniária conforme cada caso específico”. A reincidência, dentro do prazo de dois anos, pode elevar a multa ao valor máximo previsto.

O valor final da multa é calculado com base no número de empregados e no grau de irregularidade encontrado, que varia conforme o item da norma descumprida. A tabela completa de valores e critérios está disponível no anexo I da NR-28.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense      

Foto: Minervino Júnior/CB