Trânsito de Brasília está mais violento: mortes aumentaram 10%

Fim de semana é marcado por mortes em acidentes nas vias que cruzam a capital. Somente nas últimas 48 horas, três moradores do DF perderam a vida em colisões e atropelamento e, ao menos, sete pessoas ficaram feridas

Nas últimas 48 horas, três moradores do Distrito Federal morreram e ao menos sete ficaram feridos em nove acidentes de trânsito na capital do país. O quantitativo supera a tendência dos últimos 10 fins de semana, que registraram, em média, uma morte a cada dois dias. Dados do Departamento de Trânsito (Detran/DF), restritos ao período de janeiro a julho deste ano, revelam um aumento de 10% na quantidade de vítimas (142 mortes), em relação ao mesmo período de 2024 (129)

Ontem, uma colisão frontal entre uma moto e um carro de passeio resultou na morte do motociclista Sérgio Luís de Lima, 62 anos, na DF-290, no Gama. Ele voltava de Valparaíso acompanhado do filho, que pilotava outra moto, quando foi surpreendido pelo impacto e arremessado a cerca de 20 metros do local da batida, ocorrida em uma curva.

Horas antes, uma mulher de 78 anos, não identificada, foi atropelada por uma caminhonete na via da Fundação Bradesco, em Ceilândia. A idosa atravessava a rua em uma faixa de pedestres apagada quando foi atingida pelo veículo. 

Já na última sexta-feira, a protetora de animais Danielle Mansur Guimarães, 50, morreu após seu carro colidir frontalmente contra uma carreta na BR-040, em Luziânia. A motorista, que estava a caminho do sepultamento do sogro, em Minas Gerais, ficou presa às ferragens e morreu no local do acidente junto de seus três cães, Ziggy, Leo e Peppa. Após a colisão, o caminhão, que transportava querosene, pegou fogo. As mortes chocaram grupos de ativistas da causa e geraram comoção na cidade.

Legado de amor e proteção

Mineira com espírito brasiliense, Danielle Mansur tinha sorriso largo e alegrava todos que a conheciam. Moradora de Águas Claras, era fã de maratonas, carnaval, viagens e boas leituras. O cuidado e amor pelos bichos permeava o trabalho e a vida pessoal. Tornou-se sua sina. Isso porque a advogada especialista em direito animal foi cofundadora e ativista da organização não governamental de proteção animal Toca Segura. Lá, passou a ser conhecida como tia Dani. 

Entre as tantas postagens em seu perfil no Instagram, muitas reforçavam esse carinho. “Se tiverem oportunidade, viajem com seus cães”, recomenda em um post, no qual está com Ziggy, Leo e Peppa na praia. Nos demais, o pedido era claro: “não comprem animais de estimação, adotem”. Noutra postagem antiga, que celebrava o aniversário da protetora, o Toca Segura a definiu como uma pessoa com jeito único e especial.

“Você não passa pela vida em silêncio, você chega, gira tudo, fala alto, pensa fundo, corre (às vezes, literalmente), e ama com força. Você é daquelas pessoas raras, que não se copia, não se mede, não se segura. Foi com esse jeito único, doido e inteiro que você ajudou a dar vida ao Toca”, descrevia o texto, publicado em 19 de abril deste ano.

Recém-ingressa no mestrado acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília (UnB), a advogada propunha uma análise bioética da luta pelo direito animal a partir da escuta sensível e atenta da cultura e formas populares de se relacionar com os animais.

O objetivo era apontar uma desconexão entre os discursos jurídicos sobre direitos dos animais e a vida cotidiana das pessoas que representam, segundo ela avaliava, uma exclusão simbólica, que ajuda a explicar por que tantas estratégias de proteção continuam ineficazes.

Além das ONGs de proteção animal do DF, outras instituições se manifestaram a respeito do falecimento de Danielle. A Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Animais da OAB/DF destacou a dedicação, o afeto e a coragem da ativista na defesa da causa animal, cuja atuação foi “generosa e firme”.

“Sua vida foi marcada pela sensibilidade, pela ética e pelo amor incondicional aos animais, valores que permanecerão como legado para todos que tiveram o privilégio de conviver com ela”, disse a nota de pesar.

A Secretaria de Proteção Animal do DF (Sepan/DF) expressou solidariedade a todos que conviveram com Dani. Vanessa Negrini, diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente, lamentou a tragédia e disse que a protetora deixa um legado de coragem e amor ao próximo.

“Dani foi uma voz incansável na defesa dos animais, deixando um legado de coragem, intensidade e amor traduzido em cada vida salva e em cada gesto de compaixão. Sua atuação na proteção animal inspirou e continuará inspirando todos que acreditam em um mundo mais justo para os animais”, escreveu Vanessa.

O motorista da carreta envolvido na colisão testou negativo para álcool e as causas do sinistro ainda são investigadas pela Polícia Civil. Danielle foi velada e sepultada no Memorial Jardim dos Ipês, em Patrocínio (MG). Ela deixa o esposo, Luciano Ramos Porto; os pais, Hebe e Gilberto; e os irmãos, Rodrigo e Diego. 

Tragédias

Em uma curva próxima à quadra 7, na DF-290 (Gama), os destroços de uma moto Honda Hornet 600cc davam conta da força da colisão que tirou a vida de Sérgio Luís de Lima. O filho do aposentado, Victor César Lima, 30, que pilotava outra moto, presenciou toda a cena.

“Estou custando a acreditar que ele (Sérgio) morreu na minha frente, que o corpo dele estava estirado no chão. É um sentimento muito ruim”, contou o filho da vítima, com a voz trêmula, ao Correio. 

A irmã de Sérgio, também moradora do Gama, correu para o local do sinistro assim que soube da colisão. “Quando cheguei, ele já estava sem vida. Era uma pessoa maravilhosa, sempre disposta a ajudar o próximo, tanto que participava de vários trabalhos sociais”, disse Alba Maria de Lima, 57. O motociclista era aposentado, viúvo e deixa um filho e um neto.

O veículo era conduzido por Jesonita Alves de Sousa, 63 anos. Segundo Michele Estefane, 40, amiga da condutora, a suspeita é de que ela não tenha visto Sérgio passar e, por isso, não freou o suficiente. “Ela já fez alguns exames e está sendo medicada”, comentou. Jesonita foi encaminhada ao Hospital Regional de Santa Maria. Um rapaz, 23, que também estava no GM Corsa, foi socorrido com ferimentos na cabeça e sangramento no nariz, e encaminhado ao Hospital Regional do Gama. 

Cerca de três horas antes, em Ceilândia, militares do Corpo de Bombeiros (CBMDF) tentavam reanimar uma idosa vítima de atropelamento. Sem sucesso, o óbito foi declarado ainda no local do acidente. “Eu estava a caminho do trabalho quando vi a senhora já caída no chão. Foi tudo muito rápido. Ela atravessava pela faixa de pedestre quando a caminhonete a atingiu”, contou Vinicius Queiroz, 30, que presenciou o atropelamento.

Segundo Vinícius, o motorista desceu do veículo imediatamente para tentar ajudar. “O rapaz que bateu ficou desesperado. Ele a socorreu até a chegada da ambulância”. Equipes da Polícia Militar (PMDF) e da Polícia Civil (PCDF) informaram que o condutor estava habilitado e não apresentava sinais de ingestão de álcool.

Para os moradores, o trecho da via é considerado perigoso. “Esse acidente tem direto aqui. A faixa de pedestre existe, mas os carros raramente param”, afirmou Lucas Rodrigues, 23, lavador em uma oficina do outro lado da rua onde ocorreu o acidente. Já Vinícius lamentou a ausência de posicionamento oficial sobre medidas de segurança viária. “Até agora a administração local não falou nada, mas a gente vê que é uma área que precisa de mais atenção”.

Ações educativas

A gerente de Ação Educativa do Detran-DF, Magda Brandão, destacou que o órgão realiza constantemente ações voltadas para o respeito às faixas de pedestres, buscando promover a harmonia entre motoristas e pedestres.

Segundo ela, o foco principal é orientar os cidadãos sobre como atravessar de forma segura. É fundamental que o pedestre sinalize a intenção de atravessar, fazendo o chamado ‘sinal de vida’. Para os motoristas, a orientação é clara: redobrar a atenção ao se aproximar de uma faixa de pedestre.

A gerente lembrou ainda que o trabalho do Detran envolve não apenas a educação, mas também a fiscalização e a engenharia de tráfego. “As equipes de fiscalização estão nas ruas para monitorar o fluxo e garantir o cumprimento da lei, enquanto os engenheiros atuam de forma constante na revitalização da sinalização horizontal e vertical”, disse.

Magda também orienta os cidadãos a colaborarem com a melhoria da mobilidade. “Caso alguém identifique uma faixa de pedestre apagada ou que precise de reparos, basta acionar a ouvidoria pelos canais do Participa.DF ou pelo telefone 162. A partir disso, nossas equipes avaliam a situação e estudam a possibilidade de revitalização ou até mesmo de implantação de novos mecanismos de segurança”, concluiu.

Três perguntas para

Paulo César Marques, especialista em engenharia de tráfego e professor da Universidade de Brasília (UnB)

O que fazer para evitar acidentes de trânsito, especialmente aqueles mais graves que possam resultar em óbitos?

Não há um remédio único capaz de evitar todo e qualquer sinistro de trânsito. É preciso analisar as ocorrências, entender quais fatores estão presentes em cada uma delas, quais circunstâncias podem ter contribuído e, aí sim, atuar no que precisa ser corrigido, seja, no comportamento dos envolvidos ou na fiscalização.

Raramente, será identificado um só fator, então deve-se analisar fatores e circunstâncias predominantes e suas combinações, para desenhar programas de prevenção de sinistros que sejam efetivos. Além disso, a presença de agentes de trânsito é fundamental, não só pelo papel óbvio de fiscalização, mas também porque a percepção da possibilidade de presença física do Poder Público operando o ambiente de circulação ajuda a inibir comportamentos inapropriados

O governo diz que faz campanhas educativas. O senhor considera que estão sendo suficientes?

É verdade que os órgãos de trânsito promovem campanhas educativas, mas a missão de combater a sinistralidade no trânsito tem que ser estendida a outras áreas de atuação do governo. Aliás, a segurança no trânsito tem que ser uma questão não só do governo, mas de toda a sociedade.

De todo modo, o papel do Poder Público como líder dessa mobilização é inquestionável, como vimos aqui mesmo no DF durante os anos 1990 com o programa Paz no Trânsito.

Grande parte da cidade está em obras para a construção de viadutos e ampliação de pistas. Considera que isso tem refletido na prevenção de sinistros? 

A ampliação da infraestrutura do tráfego veicular motorizado não é resposta adequada para a questão da segurança. Em alguns casos, pode até ser um agravante. Não só pela falta de cuidados durante a execução das obras (temos visto, por exemplo, diversas denúncias de pouca preocupação com pedestres e passageiros de transporte coletivo nas intervenções recentes do GDF), mas também porque, sem outras medidas, o governo acaba passando a mensagem de que é preciso priorizar a circulação de automóveis e aumentar velocidades nas vias, estimulando na prática atitudes pouco responsáveis dos condutores.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Ed Alves CB/DA Press