O Distrito Federal atravessa dias de calor sufocante e ar cada vez mais seco. A capital registrou nessa quarta-feira (10/9) a temperatura mais alta do ano, batendo os 34,7 graus, e pode bater novos recordes com o início da primavera, no dia 22. O alerta vermelho combina altas temperaturas, baixa umidade, queimadas que avançam sobre o cerrado e impactos diretos na saúde da população.
Nesta quinta-feira (11/9), é comemorado o Dia do Cerrado, e esse alerta ganha mais relevância: a Floresta Nacional de Brasília (Flona) enfrenta focos de incêndio, e hospitais recebem cada vez mais pacientes com problemas respiratórios. Os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) reforçam esse cenário: a umidade relativa do ar segue em queda, com risco de despencar abaixo de 30% nos próximos dias.
Apesar de 2025 ter registrado temperaturas menores que 2024, a chuva foi bem mais escassa. De janeiro a agosto, o DF teve apenas 608,9 mm de precipitação, contra 861,6 mm no mesmo período do ano passado. O resultado foi um ano de céu sem nuvens, e somente em 2025, foram registrados mais de 180 dias sem chuva.
O grande problema é que a seca abre caminho para mais queimadas. Em 2024, o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) registrou durante o ano, o total de 9.445 ocorrências de incêndio, que consumiram 22.250 hectares. Neste ano, até agosto, foram 5.696 ocorrências, com uma área queimada de 8.797,7 hectares, conforme os dados que incluem a Operação Verde Vivo do CBMDF.
Enfrentamento
Na Flona, foram 443 hectares atingidos até agora. Em 2024, foram quase 3 mil e o ICMBio credita a queda às medidas preventivas, como queimas controladas, manejo de trilhas e blitz educativas. Ainda assim, o órgão reforça que o cuidado deve ser redobrado. “São feitas queimas prescritas, manejo de trilhas para facilitar o acesso, queimas controladas com moradores do entorno da unidade e, neste ano, realizamos, no âmbito do PPCIF, blitz educativas para conscientização”, informou o órgão.
Para enfrentar a estiagem, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema-DF), em parceria com órgãos como o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), o Corpo de Bombeiros, o ICMBio, o Ibama e a Emater, coordena anualmente o Plano de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais.
Nesta edição, o plano prevê uma série de ações voltadas à prevenção e ao combate às queimadas, incluindo educação ambiental em escolas, monitoramento em tempo real com câmeras de inteligência artificial, implantação de aceiros mecânicos e queima prescrita em áreas de risco, além de cursos de capacitação para brigadistas. O Ibram acrescenta que, como parte dessas medidas, 150 brigadistas florestais foram contratados e estão em atividade desde o início de agosto.
“O ideal é sempre a prevenção. Mas, em caso de emergência, ligue para o 193. Nossos militares estão prontos”, orienta o comandante-geral do CBMDF, coronel Moisés Alves Barcelos.
No entanto, em alguns pontos da cidade, a fumaça não deixa de afetar a rotina da população. Na terça-feira, a direção da Escola Classe 26 de Setembro, em Taguatinga, chegou a recomendar que os pais buscassem as crianças devido à forte névoa. “Como a escola permaneceu fechada durante a noite, a fumaça acabou se infiltrando, inclusive por pequenas frestas. Por isso, quando os servidores chegaram ao local, constataram a presença de fumaça em algumas salas”, afirma a Secretaria de Educação. A pasta esclareceu que as unidades têm autonomia para suspender aulas em casos de risco à saúde, todavia, medidas foram tomadas para a ventilação dos ambientes e houve aula normalmente.
Sol escaldante
Há 14 anos, Gerson Santana, guardador de carros, vive a rotina de sol e calor nas ruas próximas ao Hospital dos Olhos, na L2 Sul. Ele contou que chega cedo, organiza o estacionamento, lava um carro ou outro e, no fim do dia, leva para casa o que conseguiu do trabalho. “Na maioria dos dias é fraco. Quando ganho R$ 50 ou R$ 100, já me ajuda. Mas esse ramo já foi melhor”, contou ao Correio. Segundo o idoso de 67 anos, a renda é o que mantém o sustento dele e da esposa.
Para enfrentar o calor, Gerson se abriga na sombra de uma mangueira que ele mesmo plantou, há oito anos, no local. “Quando está muito quente, eu fico debaixo dessa árvore e ela me ajuda a resistir. Também bebo de 3 a 4 litros de água por dia. Só assim para aguentar o calorão. Não tem como aguentar sem água. Mesmo assim, sigo firme, porque tenho família para cuidar”, ressaltou Santana.
A rotina de José Carlos Ferreira Santos, 39, ajudante de obras, é outro exemplo da luta dos trabalhadores contra o sol do DF. Morador de Ceilândia, ele acorda cedo todos os dias para enfrentar a jornada que vai das 7h às 18h, de segunda a sábado, em meio à poeira, cimento e concreto das obras da Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig). “É cansativo. Um calorzão desse aqui, com essa roupa pesada, é complicado”, descreveu. Para amenizar o calor, ele revela se hidratar constantemente e usar equipamentos de proteção. “Bebo muita água, passo protetor solar e coloco proteção por causa do sol e da poeira”, declarou.
O trabalhador ainda enfatizou que esforço diário é o que garante os recursos de sua casa. “É daqui que eu tiro o meu sustento. Cuido da minha esposa e das nossas contas. É puxado, mas temos que enfrentar com todas as forças”, afirmou. José Carlos confessa que, em alguns momentos, pensa em parar. “Tem que ter força, porque dá vontade de desistir. Mas aí lembro que tem conta para pagar e tenho que seguir”, disse.
Crises alérgicas
A seca tem provocado um aumento nos casos de doenças respiratórias e agravado quadros de quem convive com problemas alérgicos. Somente neste ano, a Secretaria de Saúde registrou o crescimento nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Até agora, foram quase 6 mil atendimentos, superando os números de 2024 e 2023. A baixa umidade, típica desta época do ano, também contribui para o ressecamento das vias aéreas, agravando quadros de alergias, rinite e asma.
A estagiária bilíngue Sarah Carneiro Machado, 21, é um desses exemplos. Ela convive com rinite alérgica há mais de 5 anos e relata que, neste período do ano, as crises se intensificam a ponto de afetar diretamente sua rotina.
“Geralmente sinto dor de cabeça, nariz congestionado e tosse. Dessa vez, atingiu minha garganta e estou completamente sem voz”, contou. A perda da fala foi tão severa que, para responder às perguntas da reportagem, Sarah precisou digitar suas respostas. Com as crises, Sarah explicou que a vida cotidiana é diretamente impactada. “Nesta época do ano, costuma piorar e afeta muito minha rotina, como não conseguir comparecer ao trabalho nem ir à faculdade”, disse.
O pneumologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Ricardo Martins explica que a fumaça das queimadas, misturada à poeira e à poluição veicular, aumenta a concentração do chamado material particulado, que são partículas microscópicas que penetram profundamente nos pulmões e que provocam inflamação e irritação. “Quando inaladas, elas provocam inflamação e irritação nas vias respiratórias, agravando quadros de alergia, asma e bronquite. Em longo prazo, a exposição constante aumenta o risco de doenças crônicas, como câncer de pulmão”, alertou o especialista.
Segundo ele, a baixa umidade típica do cerrado também prejudica o sistema respiratório: “O organismo depende da água presente no ambiente para manter a mucosa nasal, a garganta e os pulmões hidratados. Quando ressecada, essa barreira de proteção fica mais vulnerável a inflamações e infecções. E quando o ar está carregado de poluentes, a troca gasosa no pulmão sofre uma agressão direta”, ressaltou.
E para isso, o pneumologista relembra a importância de manter a vacinação em dia. “Ainda temos índices baixos de imunização contra a gripe, e isso preocupa. A vacina é uma das medidas mais eficazes para prevenir complicações respiratórias durante esse período”, avaliou.
Dicas
Para reduzir os efeitos da seca, a pneumologista do Hospital Einstein de Goiânia Daniela Campos recomenda aumentar o consumo de água, manter os ambientes limpos e ventilados, hidratar a pele, evitar atividades físicas nos horários mais quentes e redobrar a atenção com crianças e idosos.
“Uso de colírio, roupas com proteção UVA, higienização nasal com soro fisiológico, evitar fumaça de cigarro e poeira, e usar umidificador. São cuidados simples, mas que ajudam muito a minimizar os efeitos do ar seco e poluído”, acrescentou.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Guilherme Felix CB/DA Press.