Mais de 14 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais no DF

A porta de entrada para os atendimentos é a Atenção Primária, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)

O Distrito Federal registrou, em 2024, 14.771 afastamentos do trabalho por transtornos mentais, segundo o Ministério da Previdência Social. A maioria das licenças foi motivada por ansiedade, com 5.380 casos, e episódios depressivos, que somaram 3.354 registros. O atendimento especializado está disponível nos 18 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), voltados a pessoas em sofrimento psíquico grave e persistente, atuando na prevenção do suicídio e em situações de crise.

A Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) organiza a atenção à saúde mental por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que integra serviços em todos os níveis do SUS, da Atenção Primária às estratégias de reabilitação psicossocial, garantindo acesso oportuno, cuidado contínuo e territorializado. Segundo a pasta, em 4 de julho deste ano, foi lançada a Política e o Programa de Bem-Estar e Saúde Mental no Trabalho para Servidores Públicos, que define diretrizes de acolhimento psicológico, prevenção de riscos psicossociais, promoção do bem-estar e monitoramento por indicadores. “Executamos um plano de expansão da rede, com meta de alcançar 23 CAPS até 2027. Estão em andamento as obras de novas unidades no Gama e no Recanto das Emas, ambas com funcionamento 24 horas, além de outros projetos em fase de contratação”, informou a SES-DF.

A porta de entrada preferencial para os atendimentos é a Atenção Primária à Saúde, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), responsáveis pela avaliação inicial, manejo dos casos e encaminhamentos quando necessários. “É possível procurar diretamente um dos 18 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem cuidado especializado a pessoas em sofrimento psíquico grave e persistente, atuando tanto na prevenção do suicídio quanto na intervenção em situações de crise”, destacou a secretaria. Nesses serviços, equipes multiprofissionais realizam atendimentos individuais, grupos terapêuticos, acompanhamento psicossocial e ações de inclusão social, em articulação com políticas intersetoriais. Apenas de janeiro a junho de 2025, os CAPS realizaram mais de 199 mil atendimentos. A SES-DF reforçou que, em situações de risco agudo, como ideação suicida com planejamento, tentativas em curso ou alteração grave do juízo crítico, o acesso deve ocorrer pelas portas de Urgência e Emergência do SUS ou pelo SAMU 192, que conta com o Núcleo de Saúde Mental (NUSAM), equipe especializada para esses atendimentos. Há pronto-socorro psiquiátrico de referência no Hospital São Vicente de Paulo (24h), além de suporte no pronto-socorro do Hospital de Base, em UPAs e hospitais gerais, conforme a gravidade. “Um projeto piloto em andamento incluiu psiquiatras em algumas UPAs, fortalecendo a resposta às situações de crise”, acrescentou a secretária.

Prevenção

O número elevado de afastamentos não se limita a estatísticas. Para Luiz Bezerra, 42 anos, assistente de Recursos Humanos, a pressão no ambiente de trabalho se tornou insustentável. Ele atua na mesma empresa há quase quatro anos e relata sintomas compatíveis com síndrome de Burnout, embora ainda não tenha sido afastado do trabalho. “Sinto cansaço excessivo, tanto físico quanto mental, que não melhora com o descanso. Tenho falta de interesse, desmotivação e tristeza profunda. Já cheguei a chorar no trabalho de tanta tristeza. Tenho uma sensação de derrota, irritabilidade e dificuldade para focar nas tarefas. Às vezes esqueço sobre o que estava falando em uma conversa e preciso pedir para que me atualizem”, relata Luiz. Segundo Luiz, o ambiente de trabalho contribuiu de forma decisiva para o seu adoecimento. Ele relatou que lida com cobranças conflitantes de diferentes gerentes e precisa executar ordens que muitas vezes se contradizem. Além disso, enfrenta dificuldades com funcionários que não compreendem sua função, já recebeu ameaças e convive com um clima de tensão e cobranças excessivas. “Deveria ter percebido antes que o ambiente era tóxico e saído antes de chegar ao ponto de adoecimento. No final das contas, o único prejudicado sou eu. Sinto-me exausto psicologicamente. Acredito que a decisão mais acertada será pedir demissão e buscar uma nova oportunidade”, diz.

Para Jardel Melo Bonfim, psicólogo e professor universitário, o adoecimento mental no trabalho é resultado de pressões constantes e da ausência de limites entre vida pessoal e profissional. “O problema não é a pressão ou o estresse em si, mas quando essa condição se torna permanente. O ser humano já é naturalmente resiliente, mas ser sempre flexível, disponível e adaptável é algo impossível de sustentar fisicamente e psiquicamente”, afirma. Ele destaca que o avanço tecnológico e a exigência de estar disponível o tempo todo borram ainda mais esses limites. “O trabalho ocupa um lugar central em nossas vidas, mas viver quase exclusivamente em função dele não é humano. Até as máquinas têm limites, o mesmo, de forma ainda mais evidente, vale para nós”, comenta. Bonfim explica que a falta de reconhecimento desses limites é um dos principais fatores de risco para o adoecimento mental. “Vivemos em um sistema que nos cobra incessantemente a ultrapassá-los. Essa lógica tem produzido uma crise alarmante de saúde mental, ao sermos pressionados a ‘quebrar’ nossos limites todos os dias, acabamos nós mesmos quebrados”, alerta. Para perceber quando a pressão diária ultrapassa o limite, ele recomenda observar sinais como inquietação, irritabilidade, angústia e até a própria negação do sofrimento. Em relação à prevenção, Bonfim reforça que a terapia é importante, mas não transforma sozinha as condições laborais. “Cuidar da saúde mental passa por construir coletividade. Participar de grupos e espaços de pertencimento, nos quais possamos ser acolhidos em momentos de vulnerabilidade, é um caminho essencial”, orienta.

Por Resenha de Brasília

Fonte Jornal de Brasília

Foto: Jornal de Brasília