Shows, partidas de futebol e grandes eventos costumam atrair multidões em busca de momentos de lazer com seus ídolos, sejam eles artistas, sejam do time do coração. No entanto, esses espetáculos também chamam a atenção de cambistas, pessoas que compram ingressos em grande quantidade para revendê-los, muitas vezes, por preços abusivos, ou até falsificados. Aproveitando-se da alta demanda, eles dificultam o acesso do público aos ingressos, esgotando rapidamente as vendas oficiais e prejudicando quem tenta comprar de forma legítima. Em muitos casos, esses revendedores adquirem mais de 100 ingressos, comprometendo a distribuição justa.
Há alguns anos, a busca do advogado Francisco Flores, de 47 anos, morador da Asa Norte, por um ingresso para a final de um campeonato de futebol, transformou-se em uma saga frustrante. Ao lado do pai e do irmão, ele queria assistir de perto ao jogo histórico entre Internacional e São Paulo, em Porto Alegre, mas acabou caindo em dois golpes consecutivos de cambistas antes de, finalmente, conseguir entrar no estádio.
“Passamos por uma situação bastante peculiar, num jogo cuja demanda e procura eram imensas”, relembra Francisco. O primeiro jogo da final ocorreu em São Paulo, e o segundo, no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Como reside em Brasília, o advogado recorreu à mãe, que mora na capital gaúcha, para tentar garantir os ingressos presencialmente.
Disposta a ajudar, ela enfrentou uma longa fila na bilheteria. Mas, durante a espera, foi abordada por um homem que alegou ter desistido de ir ao jogo e ofereceu um ingresso já em mãos. “Ela acabou comprando o ingresso na tentativa de evitar mais horas na fila, mas, ao me enviar a foto, percebi que era falso, dava direito apenas ao primeiro jogo, que já tinha acontecido, em São Paulo”, conta ele.
A frustração não parou por aí. Em uma segunda tentativa, um amigo próximo, também em Porto Alegre, ofereceu-se para comprar o ingresso. Porém, ao conseguir a entrada, percebeu que se tratava de um bilhete destinado a menores de idade. “Mas, felizmente, aproveitei para levar meu filho mais velho, que tinha 10 anos à época”, completa.
Somente na terceira tentativa Francisco conseguiu comprar um ingresso verdadeiro, diretamente na bilheteria oficial, e pôde assistir à partida ao lado da família.
Riscos
Muitos consumidores se deparam com revendedores nas imediações dos locais de evento ou em plataformas digitais oferecendo ingressos por até três vezes o valor original. Além disso, a compra fora dos canais oficiais carrega riscos legais e financeiros, que podem terminar em prejuízo total.
“A revenda de ingressos por valores inflacionados é crime”, afirma a advogada Thaís Barbosa, especialista em direito processual civil e direito civil. “O cambismo é punido com reclusão de um a dois anos e multa, conforme previsto no artigo 41-F do Estatuto do Torcedor. Além disso, pode haver responsabilização civil se o consumidor adquirir um ingresso falsificado e sofrer prejuízo financeiro.”
Embora o Estatuto do Torcedor ofereça proteção nos casos de eventos esportivos, como jogos de futebol, ele não é extensivo a shows, festivais e outras apresentações culturais. Essa lacuna legal acaba favorecendo a atuação dos cambistas. “A ausência de regulamentação específica para eventos culturais, somada à dificuldade de fiscalização nas plataformas on-line, facilita a ação dos cambistas em larga escala”, explica Thaís.
O problema se intensifica com a digitalização dos ingressos, que abre espaço para fraudes, falsificações e revendas ilegítimas em redes sociais e em sites não autorizados. Compradores, muitas vezes movidos pela pressa ou pelo medo de ficar de fora do evento, acabam ignorando os riscos.
Thaís reforça que o consumidor que opta pela compra ilegal assume total responsabilidade pelas consequências. “Não há direito de reembolso, já que a compra é feita sem qualquer garantia contratual. Se houver problemas, o consumidor fica sem acesso ao evento e sem qualquer respaldo legal.”
O advogado criminalista Tiago Oliveira alerta que o ingresso comprado de cambista “é nulo de origem”. “Como a compra não ocorreu pelo canal oficial, o consumidor perde o direito de reclamar contra o fornecedor. O prejuízo fica com ele”, adverte.
A recomendação dos especialistas é sempre adquirir ingressos por meios oficiais e autorizados, evitando, assim, cair em golpes ou contribuir para a prática criminosa do cambismo.
Taylor Swift
O estudante Marcos Macedo, 18, caiu em um golpe ao comprar, de um cambista que vendia pelo Instagram, um ingresso para o show da cantora Taylor Swift. “Eu estava desesperado, porque os ingressos oficiais tinham se esgotado em minutos e todo mundo só falava disso. Comecei a procurar em grupos do X (antigo Twitter) e no Instagram e achei um cara vendendo. O perfil dele parecia superconfiável, cheio de seguidores, com prints de vendas anteriores e até gente comentando, como se tivesse dado certo. Acabei fazendo um Pix de alto valor, pois não queria perder a chance de ver a Taylor ao vivo. Ele me mandou um QR Code e parecia tudo certo. Só que no dia do show, na catraca, o código deu inválido. Descobri, na porta do estádio, que tinha sido enganado”, relatou.
A passagem da cantora pelo Brasil foi marcada por turbulências, entre elas, fãs enfrentando preços abusivos, com bilhetes vendidos até 12 vezes mais caros do que ingressos oficiais. Essa situação deu início ao Projeto de Lei n° 3.115/2023, que está parado no Congresso desde maio de 2024, conhecido popularmente como “Lei Taylor Swift”.
“A proposta reforça dispositivos existentes na Lei nº 1.521/1951, de Crimes contra a Economia Popular, e no Código de Defesa do Consumidor, criando punições específicas para quem revende ingressos acima do preço, facilita a ação de cambistas ou falsifica entradas”, esclarece a especialista Thaís Barbosa.
A proposta prevê penas que variam de um a três anos de detenção e multas que podem chegar a 100 vezes o valor do ingresso. Além disso, os ingressos apreendidos devem ser devolvidos à bilheteria oficial, com os valores revertidos ao Fundo de Defesa do Consumidor.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Machado
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Caio Gomez