Mobilidade sustentável é a saída para o trânsito no Distrito Federal

Está em fase de elaboração no governo do DF um plano que trará diretrizes para uma nova plataforma com menos emissão de poluentes. Especialistas destacam investimentos em veículos sobre trilhos como uma das soluções

Com quase 3 milhões de habitantes, o Distrito Federal conta com uma frota em circulação de 2,1 milhões de veículos. O excesso de automóveis circulando nas vias do DF tem contribuído para o crescimento dos engarrafamentos e, com a dificuldade estrutural de uma mobilidade mais ativa, acende um alerta para um possível colapso do sistema viário da capital do país nos próximos anos. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam o investimento em transporte sobre trilhos, em ciclovias e em infraestrutura para pedestres como caminhos para a diminuição da quantidade de veículos circulando pelas ruas e da emissão de gases poluentes.

A Secretaria de Mobilidade do DF (Semob) está em fase de estudos para a atualização do Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade (PDTU), que foi revisado pela última vez em 2012. A atualização vai contemplar um Plano de Mobilidade Sustentável, que inclui ampliação e conexão entre ciclovias, construção de bicicletários, expansão de patinetes, entre outras medidas que vão incentivar as pessoas a deixarem o carro e terem opções de modais mais sustentáveis. 

“Lá em 2012, quando o PDTU foi atualizado, previa-se o cenário que temos hoje. O fato é que os governos anteriores não avançaram como deveriam no controle viário”, disse o secretário de Mobilidade, Zeno Gonçalves. “O plano vai contemplar soluções para evitar um colapso no sistema viário do DF”, acrescentou.

Rotina

Correio foi às ruas e conversou com pessoas que priorizam o uso de automóveis e de motocicletas em detrimento do transporte público ou modais sustentáveis. A cuidadora social Lúcia Abreu, 39 anos, utiliza carro há 10 anos e, mesmo morando e trabalhando na Ceilândia, ela passa cerca de duas horas por dia dentro do veículo. “Hoje, por exemplo, precisei ir até a Asa Sul e só para chegar lá, gastei duas horas no trânsito”, contou. “Acho que algo precisa ser feito, se andar de ônibus não fosse tão caótico, eu andaria mais”, disse.

Para o promotor de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística Dênio Augusto Moura, mobilidade só será sustentável quando pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência forem ser levados em conta quando o governo for fazer obras rodoviárias. “As obras sempre procuram garantir ou ampliar o espaço do carro. É preciso considerar os pedestres, inclusive, durante as obras”, afirmou. “Estamos tentando mostrar que essa mudança de paradigma precisa ser implementada”, complementou. 

Moradora de Vicente Pires, a administradora Vitória Lima, 64, usa três modais por dia para se locomover. “Pego o carro todos os dias, venho até a estação concessionária, vou de metrô até a Rodoviária do Plano Piloto e depois pego um ônibus até a Asa Norte, onde faço um curso”, detalhou. “Isso me ajuda a fugir do engarrafamento que eu pegava. Mas, para mim, o ideal seria pegar só metrô nas proximidades da minha casa até o meu destino diário. Queria muito não precisar pegar o carro, mas aqui, no DF, não tem como”, acrescentou. 

Sobre duas rodas

O professor Nicolau Costa Queiroz, 32, diz que só não usa a bicicleta modo modal único para se locomover devido à falta de ciclovias para chegar aonde precisa. “Eu moro no fim da Asa Norte e trabalho no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), então acabo usando ônibus para ir trabalhar. Mas, nos fins de semana, só uso bicicleta. Durante a semana, para funções corriqueiras como academia e compras diárias, também utilizo a bike”, disse.

Sobre as vantagens deste modal, Nicolau destacou uma percepção diferente do espaço da cidade. “Dentro de um carro a gente fica numa cápsula. Temos até dificuldade de enxergar fora da pista. Além disso, a locomoção por bicicleta ajuda na saúde e permite uma socialização muito grande com outras pessoas que utilizam este modal”, elencou.

O promotor Dênio enfatizou que a lei que criou a Política Nacional da Mobilidade Urbana (PNMU) garante a prioridade de pedestres, ciclistas e transporte coletivo, além da restrição gradativa do uso do carro. “Temos um arcabouço legislativo enorme que só precisa ser cumprido. Sabemos que, do jeito que está não pode ficar, e o debate precisa envolver a sociedade”, destacou.

Técnico em manutenção de filtros, Arley Alves, 38, locomove-se de moto para realizar os serviços diariamente e, somente no trânsito entre um atendimento e outro, ele passa cerca de três horas. “Se eu fizesse esse trabalho de carro, passaria muito mais tempo no trânsito, de moto eu ainda consigo andar mais rápido”, disse. “Mesmo assim, pego muito engarrafamento por dia. Principalmente nas obras da Epig”, completou.

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Diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam ressalta que a aprovação do Marco Legal do Transporte Público Coletivo Urbano terá impacto positivo na redução de automóveis pelas ruas. “O caminho para a sustentabilidade passa por fortalecer o transporte coletivo em detrimento do individual. A mobilidade sustentável também precisa ser incentivada, porque ela é fundamental para reduzir congestionamentos, acidentes de trânsito, emissões de poluentes e desigualdades sociais”, defendeu. 

Sobre trilhos

Segundo a análise do pesquisador em mobilidade urbana, professor da Universidade de Brasília (UnB) e mestre em políticas públicas, Carlos Penna Breschianini, no DF, assim como no Brasil, o uso do automóvel é incentivado em detrimento do transporte público e sobre trilhos. “Se investe mais em estruturas que priorizam a circulação de carros, como viadutos, estradas, etc. Duplicações de vias e construção de faixas exclusivas não são a solução para o problema da mobilidade no DF”, disse o especialista, que também foi coordenador do Metrô-DF por 10 anos. 

Breschianini deu o exemplo de países da Europa, onde se estimula o uso de transportes sobre trilhos e onde as linhas de metrô cruzam as cidades. “Com isso, as pessoas conseguem se deslocar mais a pé ou até mesmo de bicicleta. Ou se investe em transporte sobre trilhos ou vamos continuar enxugando gelo”, completou. 

De acordo com o secretário Zeno Gonçalves, a expectativa é que, até o fim deste ano, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) autorize a licitação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) da W3. Segundo ele, espera-se que o edital seja lançado no primeiro semestre de 2026. Além disso, está em andamento o estudo de viabilidade técnica e socioambiental da linha 2 do metrô, que ligará o Plano Piloto até Santa Maria. “Essa conexão é importante, ela muda o perfil do trânsito, principalmente para o transporte público no Plano Piloto. A linha 2 do VLT inclui uma extensão até o aeroporto e também a implantação do VLT da Rodoferroviária até a Esplanada dos Ministérios”, especificou.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Bruna Gaston CB/DA Press