Primeiro hotel social permanente do DF completa dois meses de funcionamento

Foram 3,9 mil acolhimentos em setembro, com pernoite, jantar e café da manhã. Apesar disso, população em situação de rua no DF ultrapassa as 3,5 mil pessoas, de acordo com o 2º Censo PopRua, o que exige políticas públicas permanentes

Em meio ao aumento da população em situação de rua no Distrito Federal, que é de 3.521 pessoas, de acordo com o 2º Censo PopRua, o primeiro hotel social permanente da capital completou dois meses de funcionamento, com 3,9 mil acolhimentos em setembro.

Inaugurado em 23 de julho, no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN), o espaço oferece pernoite, alimentação e higiene, mas especialistas alertam que a iniciativa, embora pioneira na estrutura voltada, inclusive, para animais de estimação dos usuários, deve ser acompanhada por políticas habitacionais mais amplas.

Com 200 vagas diárias, preenchidas por ordem de chegada, o Social Hostel abre às 19h e funciona até as 8h do dia seguinte. No local, os hóspedes recebem kit de banho com toalha, sabonete, escova e pasta de dente, além de roupa de cama, travesseiro e cobertor. A estadia inclui jantar e café da manhã, que variam entre pratos como arroz com frango e sopas.

Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), a maior parte dos acolhidos é composta por homens adultos. Porém, o espaço também recebe mulheres, idosos, pessoas com deficiência, famílias e usuários em trânsito, como candidatos que vieram prestar concurso público ou pessoas em busca de tratamento de saúde em Brasília. Do total de atendidos, 970 são idosos e pessoas com deficiência.

Os números do censo revelam a gravidade do problema. Mais da metade (51,9%) das pessoas em situação de rua vive nessa realidade há pelo menos cinco anos e 30,7% permanecem nas ruas há mais de 10 anos, o que escancara a dificuldade de reinserção e a necessidade de políticas de longo prazo.

Dignidade

Para o subsecretário de Assistência Social, Coracy Chavante, a iniciativa representa uma virada de chave no atendimento à população em situação de rua do DF. “Era uma angústia muito grande não conseguir direcionar essas pessoas após o atendimento no Centro Pop, que recebe mais de 400 pessoas por dia. Agora, conseguimos dar um passo além: oferecer uma alternativa de acolhimento com dignidade”, afirmou.

Chavante destacou que o hotel social é resultado da articulação entre diferentes órgãos do governo. “O trabalho envolve várias áreas, entre elas o Ministério Público do DF. Temos parceria com a Secretaria de Trabalho, no RenovaDF, que já formou de 200 a 300 pessoas em situação de rua. Nosso intuito é que o hotel seja uma porta de entrada para que a pessoa consiga retomar a vida”, ressaltou.

O espaço abriga histórias de famílias que, antes, viravam o dia na Rodoviária do Plano Piloto, mas que encontraram a chance de reconstruir seus vínculos, bem como de pessoas que, após perderem a moradia, passaram temporariamente pelo local e conseguiram se recolocar no mercado de trabalho. 

“Tivemos o exemplo de um usuário que ficou apenas uma semana conosco. Ele conseguiu um emprego em um comércio e agora planeja alugar sua própria casa. É isso que nos motiva: ver as pessoas retomando a vida”, relatou o subsecretário.

Desafios

Apesar dos avanços, ainda há desafios. Parte do público em situação de rua resiste ao acolhimento formal, preferindo usar o espaço apenas para pernoite. “É complexo. Tem pessoas que estão buscando apenas um espaço para descansar antes de retornar à rotina das ruas”, avaliou Chavante.

A assistente social e doutora em antropologia Izis Lopes dos Reis afirma que o hotel social ajuda, mas é insuficiente diante da complexidade do fenômeno da situação de rua.

“Ele foi implementado para cobrir uma lacuna: oferecer àquelas pessoas que não foram abrigadas (por diferentes motivos) um local para pernoite. Entretanto, a demanda do movimento social — e de todos que trabalham para consolidar o direito à dignidade humana — é amplo acesso às políticas sociais mais diversas, como assistência social, saúde, educação, transporte e, em especial, a moradia”, ressaltou a especialista.

Izis chama atenção para o deficit de políticas habitacionais voltadas à população de nenhuma ou baixíssima renda. “A política de habitação no DF, assim como no Brasil, é voltada para a compra de imóveis próprios, fortalecendo o setor privado e o crédito imobiliário.”

Ela avalia que, embora exista previsão legal para o acesso a esses imóveis por pessoas em situação de rua, essa faixa da população ainda não foi contemplada. “O aluguel social poderia ser um programa intermediário entre a saída das ruas e o acesso à casa própria, mas a linha prevista na política habitacional não foi concretizada”, explicou.

Para Izis, é preciso um conjunto integrado de serviços para que o hotel social cumpra seu potencial. “Um equipamento como esse é importante, mas não resolve sozinho. É fundamental articular políticas habitacionais, de saúde e de assistência para garantir o direito à dignidade e oferecer uma saída real das ruas”, concluiu.

Política permanente

A política do hotel social é permanente, com prazo inicial de cinco anos, prorrogável por igual período. A Sedes estuda a expansão do modelo para outras regiões, como Taguatinga, a fim de aproximar o serviço das áreas mais populosas. “O objetivo é manter os hotéis em áreas centrais. Estamos atentos a essa demanda e já temos perspectivas de novas unidades”, adiantou Chavante.

Além do atendimento espontâneo, a secretaria mantém transporte gratuito a partir do Centro Pop, na Asa Sul, às 17h, para levar os usuários ao hotel. Outra alternativa é o ônibus da linha 143.3, que sai da Rodoviária do Plano Piloto e para em frente à unidade.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.