Um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) está prestes a revolucionar o tratamento do chamado “pé diabético” no Brasil — essa complicação do diabetes se manifesta como feridas ou úlceras nos pés. Coordenado pela professora de engenharia biomédica Suélia Rodrigues, o projeto Rapha resultou em um equipamento inovador, capaz de acelerar a regeneração de tecidos e evitar amputações em pacientes com feridas crônicas causadas pelo diabetes — problema que leva a cerca de 50 mil amputações anualmente no país. A expectativa é que o dispositivo seja disponibilizado no mercado ainda neste semestre, após a conclusão do processo de registro junto à Anvisa. O Correio conversou com os pesquisadores com exclusividade.
O equipamento combina lâminas de látex com emissores de luz LED, permitindo que a ferida seja tratada tanto em hospitais quanto em casa, de forma simples e segura. A produção será realizada pela Life Care Medical, empresa parceira do projeto, que obteve a certificação do Inmetro e prepara a submissão final à Anvisa.
A história do Rapha teve início em 2005, quando a professora Suélia Rodrigues desenvolveu sua tese de doutorado. “O projeto nasceu da minha pesquisa com biomateriais para regeneração de tecidos. Inicialmente, estudava a recuperação de esôfagos em cães e humanos, e descobri que o látex tinha propriedades que estimulavam a regeneração tecidual”, conta.
A partir dessa descoberta, Suélia começou a estudar a aplicação do material no tratamento de feridas crônicas. Em 2009, o projeto ganhou o nome de Rapha, em homenagem ao anjo da cura, São Rafael. “O nome vem do hebraico, que significa ‘cura’. Assim, queríamos associar a tecnologia ao conceito de regeneração e proteção”, explica a professora.
Acessível
O impacto do Rapha vai além do aspecto clínico. Segundo Suélia, o equipamento foi pensado para ser acessível a qualquer pessoa, independentemente de escolaridade, e pode ser utilizado tanto em hospitais quanto em residências. “Além disso, ele incentiva a economia nacional: utiliza componentes eletrônicos encontrados facilmente no Brasil e bioativos extraídos da seringueira brasileira, apoiando a agricultura familiar”, afirma.
Para a médica Camille Rodrigues da Silva, que atuou na consultoria regulatória do projeto, o diferencial do Rapha é justamente a combinação entre acessibilidade e alta efetividade. “A úlcera do pé diabético é a principal causa de amputação de membros nessa população. O que temos atualmente, como o curativo de nitrato de prata, é menos eficiente. Muitas soluções, como a oxigenoterapia hiperbárica, são caras ou inacessíveis. O Rapha chega para democratizar o acesso a um tratamento inovador”, destaca.
O desenvolvimento do equipamento envolveu mais de 15 anos de pesquisa, testes clínicos e aprimoramentos contínuos. O pesquisador na área Mário Rosa detalha o processo: “Desde a ideia inicial, transformamos a pesquisa acadêmica em produto. Foram realizados testes em bancada, estudos clínicos em humanos, registro de patentes e diversas revisões para garantir a segurança e a eficácia do dispositivo. Hoje, estamos na fase final de submissão para registro na Anvisa.”
O projeto Rapha contou com apoio financeiro e institucional de diversas entidades, incluindo o Ministério da Saúde, a Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP-DF), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) e emendas parlamentares da deputada Erika Kokay (PT) e da senadora Leila do Vôlei (PDT). Esse suporte foi crucial para que a pesquisa científica pudesse ser transformada em produto comercial.
Além do impacto clínico, o equipamento também apresenta vantagens práticas. Ele é portátil, funciona com bateria recarregável, não depende de energia elétrica constante e é adequado para uso domiciliar. “O paciente aplica a lâmina de látex sobre a ferida e coloca o emissor de luz por 30 minutos. O curativo permanece no local durante todo o dia, promovendo regeneração tecidual sem comprometer a função do membro afetado”, detalha Suélia Rodrigues.
O próximo passo do projeto será a solicitação de incorporação do Rapha no SUS, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), após o registro final na Anvisa. Para os pesquisadores, será a consagração de uma trajetória de inovação científica. “O Rapha é um exemplo de como a pesquisa universitária pode gerar soluções reais para problemas de saúde, fortalecendo a indústria nacional e melhorando a qualidade de vida dos pacientes”, conclui Mário Rosa.
Com a expectativa de produzir cerca de 5 mil unidades iniciais, o Rapha deve atender tanto hospitais privados quanto públicos, oferecendo uma alternativa nacional, acessível e eficiente para o tratamento de feridas diabéticas crônicas — um avanço significativo para a saúde brasileira e latino-americana.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
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