Motoristas de aplicativo vivem rotina de medo no DF: dois ataques em duas semanas

Em duas semanas, dois motoristas de aplicativo foram atacados no DF. Na segunda-feira, Elias Alves levou várias facadas e está internado em estado grave. Henrique Venturini foi morto no Riacho Fundo II, no último dia 13

Ser motorista de aplicativo tem se tornado uma profissão de risco no Distrito Federal. Crimes cometidos contra profissionais da categoria têm se tornado frequentes e preocupado autoridades e quem transporta os passageiros. No caso mais recente, uma viagem na madrugada de segunda-feira mudou a vida de Elias Alves, de 37 anos, que se dividia entre o trabalho de mestre de obras e as corridas por aplicativo, fonte de renda extra havia seis anos.

Ao aceitar uma corrida entre Águas Lindas (GO) e Recanto das Emas (DF), ele foi surpreendido pelo passageiro, que o esfaqueou várias vezes no pescoço. Elias conseguiu dirigir até o hospital, mas perdeu o controle do carro e colidiu contra um poste. Ele segue internado em estado grave.

O suspeito do crime, Gerlielson de Jesus, se entregou ontem à 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Norte) e está preso preventivamente, mas o caso reacendeu uma preocupação antiga entre quem vive das corridas: o medo de não voltar para casa. O episódio não é isolado. Há cerca de duas semanas, no último dia 13, o policial penal Henrique André Venturini foi assassinado por dois menores de idade, na QS 08 do Riacho Fundo II, enquanto trabalhava como motorista de aplicativo, também para complementar a renda. 

Os casos ilustram a cruel realidade de precarização vivida pela categoria, que engloba, hoje, 871 mil motoristas, entre taxistas e condutores de aplicativos, segundo o módulo Trabalho por meio de plataformas digitais 2024, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). De acordo como o IBGE, 86,1% dos trabalhadores de plataforma atuam por conta própria e apenas 6,1% são empregadores. A informalidade atinge 71,1% do total, contra 43,8% entre os que trabalham fora das plataformas. 

Medo

O motorista de aplicativo Luiz Henrique, 30, conhece de perto o medo que faz parte da rotina de quem trabalha nas ruas. Ele conta que começou a dirigir em 2017, mas parou após ser vítima de um assalto, em Samambaia. “Tinha acabado de finalizar uma corrida quando o passageiro anunciou o assalto. Levou o carro. Graças a Deus acharam o veículo no outro dia e ele não fez nada comigo, mas ficou o trauma”, relembra. Após alguns anos afastado, Luiz voltou a dirigir.

Com a experiência, ele passou a evitar determinadas regiões e horários. Para ele, as plataformas deixam a desejar quando o assunto é segurança. “Algumas mostram a nota do passageiro, quantas viagens fez, nome do local de embarque e de destino etc. Isso dá uma segurança maior. Outras só mostram a nota e endereço, não dão transparência”, reclama.

A sensação é de que dirigir virou sinônimo de vulnerabilidade, principalmente nas madrugadas e em áreas periféricas. O motorista de aplicativo Marco Aurélio, 47, trabalha há pouco mais de um ano no setor, mas acumula experiências que o fizeram repensar a própria segurança. “O aplicativo precisa fornecer mais proteção aos motoristas e exigir mais dados dos passageiros. Se tivesse uma checagem maior, uma conferência de quem está pedindo a corrida e para onde vai, ajudaria muito”, avalia.

Ele se lembra de um episódio suspeito, durante uma corrida para Ceilândia. “O passageiro queria que eu o levasse a uma área perigosa. Quando percebi a situação, parei o carro e pedi para ele descer. Na hora, ele saiu correndo. Depois, fiquei sabendo que ele estava com drogas e que queria usar meu carro para transportá-las. Chamei a polícia, mas ela não apareceu. A gente se sente desamparado. Não é só comigo: muitos motoristas passam por situações semelhantes e nem registram mais ocorrência, porque acham que não adianta.”

Exposição

O professor de Direito do CEUB e especialista em segurança pública Antônio Suxberger avalia que motoristas de aplicativo estão mais expostos à violência do que outros trabalhadores, pois dependem da checagem feita pelas próprias plataformas para aceitar passageiros. “Eles se apresentam ao serviço para transportar pessoas estranhas e confiam unicamente na checagem de identificação do aplicativo. A possibilidade de burla desse tipo de identificação é fator de risco para os profissionais”, afirma o especialista.

Suxberger ressalta que as plataformas precisam assumir parte da responsabilidade pela segurança dos condutores e adotar medidas mais rigorosas de prevenção. “Há medidas que reduzem o risco a que os motoristas estão expostos, mas a questão consiste em saber se os aplicativos estão dispostos a suportar essas medidas”, observou. Ele defende a restrição do pagamento em dinheiro e o aprimoramento da identificação dos usuários. “O incremento das medidas de identificação pode, sim, representar maior segurança aos motoristas”, completa.

Reivindicações

O presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo e Autônomos do Distrito Federal (Sindmaap-DF), Marcelo Chaves, classifica o atual cenário de segurança para os profissionais da categoria como “extremamente preocupante”. Para tentar reverter esse quadro, o Sindmaap-DF vai apresentar à Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) uma pauta emergencial de reivindicações. “Vamos defender a implantação do reconhecimento facial dos passageiros, um programa semelhante ao ‘Vigia mais Motorista’, do Mato Grosso, e a integração tecnológica entre as plataformas e os sistemas de segurança pública”, enumera Chaves.

Ele também cobra mais responsabilidade das empresas de transporte por aplicativo que, segundo ele, têm oferecido pouco suporte aos trabalhadores. “O atendimento é automatizado, frio e burocrático. As famílias das vítimas ficam desamparadas e os motoristas sobreviventes raramente recebem apoio psicológico ou indenizações. As empresas lucram diariamente com o trabalho desses profissionais e têm o dever de garantir condições mínimas de segurança e amparo”, conclui.

O Correio entrou em contato com a SSP/DF. A pasta informou que, devido ao regime de plantão, por conta do Dia do Servidor, não conseguiria responder à demanda no prazo. Já a Uber disse que iniciou a integração do botão “Ligar para a Polícia” com o Centro de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (190), permitindo que, ao acionar o recurso no aplicativo, a localização em tempo real e as informações da viagem sejam enviadas automaticamente às autoridades. Além disso, a empresa anunciou o início de um novo processo de verificação de usuários no Brasil, com selo de checagem, que será mostrado ao motorista antes da corrida.

Entramos também em contato com a 99 App, que não se manifestou até o momento. O espaço segue aberto.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Bruna Gaston CB/DA Press