A cada 10 dias, três motociclistas morrem no DF; imprudência é uma das causas

Em apenas oito meses, 68 motociclistas perderam a vida no trânsito do DF, um a menos do que todos os casos registrados em 2023. Especialistas apontam imprudência e falta de políticas com a visão zero de sinistros de trânsito

Pilotar uma moto no Distrito Federal produz em quem circula pelas ruas e rodovias da capital o sentimento de não saber se volta para casa vivo. O medo se justifica. De janeiro a agosto deste ano, 68 pessoas perderam a vida em sinistros de trânsito envolvendo motos. O número de vítimas neste período se aproxima de todos os registros de 2024 (74) e já é praticamente o mesmo de 2023 (69), apontam os dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF).

Graziela Piloni, chefe do Núcleo de Campanha Educativa do órgão, esclarece que as principais causas de fatalidades com motociclistas são a alta velocidade, a proximidade excessiva de outros veículos, o consumo de álcool, tráfego na contramão, a falta de visibilidade, o uso incorreto do capacete, a perda de controle da direção e a pilotagem em pontos cegos para outros condutores.

Para a especialista, os motociclistas estão entre os usuários de trânsito mais vulneráveis do DF. Por isso, ela destaca que o uso adequado de equipamentos de proteção é essencial para reduzir o risco de lesões. “Capacete ajustado e com viseira, luvas, jaqueta resistente, calças compridas e botas ajudam a proteger o corpo do motociclista em caso de queda. Roupas claras ou com faixas refletivas aumentam ainda mais a visibilidade”, ressalta.

Maria Rita Souza, de 20 anos, ainda tenta lidar com a dor de perder o primo Kaio Souza, 19. O jovem, que trabalhava como auxiliar em uma hamburgueria, morreu em fevereiro deste ano, após colidir com uma árvore em Samambaia, quando voltava de um passeio de motocicleta com os amigos.

“Ele era mais do que um primo, era meu irmão. Passamos por muitas coisas juntos”, conta Maria Rita. Ao se lembrar do familiar, ela se emociona. “Sinto muita falta do Kaio. Toda vez que falo dele, tenho vontade de chorar”. Ela conta que o sonho do primo era ter uma moto zero quilômetro. “Fiquei feliz em vê-lo conquistar. Mas, infelizmente, morreu em cima do sonho dele”, lamentou.

Para prevenir sinistros de trânsito como o que vitimou Kaio, a Diretoria de Educação de Trânsito do Detran-DF desenvolve campanhas direcionadas aos motociclistas, inclusive, entregadores de aplicativos, com orientações sobre manutenção adequada, direção defensiva e comportamentos seguros no trânsito. Entre as iniciativas, estão as blitz educativas, que reforçam medidas preventivas e de conscientização.

Na área de fiscalização, o órgão realiza a Operação Sossego, que coíbe infrações e reduz o ruído excessivo, especialmente durante a noite e nos fins de semana. O Detran enfatiza que prudência, atenção e cumprimento das normas de trânsito são atitudes indispensáveis para preservar vidas.

O engenheiro civil Eduardo Alcântara, de 26 anos, sofreu um sinistro de moto no ano passado que o impossibilitou de trabalhar por quase um mês. “Era uma sexta-feira, por volta das 7h. Estava a caminho do trabalho, na BR-040. Conduzia pelo corredor, quando um motorista mudou de faixa repentinamente e me acertou. O homem viu como eu estava, mas, antes mesmo de a ambulância chegar, foi embora”, relata. “Tive os ossos da mão e do dedo do pé trincados. Ainda hoje sinto dores por causa acidente”, lamenta Alcântara.

Visão zero

Casos como o do engenheiro reforçam o alerta de especialistas sobre os riscos que os motociclistas enfrentam no dia a dia. Wender Morais Vicente, consultor e especialista em gestão, educação e segurança no trânsito, destaca que os riscos existem, independentemente das condições climáticas, e reforça a filosofia “visão zero”, onde nenhuma morte no trânsito é aceitável.

“Essa filosofia estabelece uma nova linha de atuação, na qual a responsabilidade é compartilhada. Além do condutor, do veículo e da via, passam a ser incluídos o projetista, a tecnologia embarcada, os veículos semiautônomos e autônomos, o gestor público e a inteligência artificial. Todos esses elementos formam um conjunto de esforços que devem ser aplicados para aumentar a segurança viária da população”, explica.

O especialista detalha que o aumento da frota motos, aliado à pressa de condutores e à falta de atenção de motociclistas que usam smartphones enquanto pilotam, exige atenção constante. “A uma velocidade relativamente segura, de 40 km/h, a moto percorre 11 metros por segundo, com espaço muito curto para perceber o perigo, reagir e evitar acidentes. Tudo isso gera alto custo social: atendimento emergencial, internação, cirurgias, reabilitação e perda de produtividade, além do impacto sobre familiares”, assinala.

Ele reforça o pedido de atenção aos motociclistas que atuam em plataformas de delivery. “Condutores que trabalham nessas plataformas, por vezes, acabam desatentos no trânsito devido à visualização constante da tela dos smartphones sobre o painel das motocicletas, o que pode fazer toda a diferença entre a vida e a morte”, alerta Wender.

Insegurança

Para quem vive diariamente nas ruas do DF, o risco é constante. Guilherme Vasconcelos, 23, é motociclista profissional de uma confeitaria no DF e já sofreu alguns acidentes. Ele afirma que sua maior insegurança no trânsito é a imprudência alheia. “Uma vez, um motorista saiu da tesourinha e foi direto para a faixa da esquerda, onde eu estava. Ele me fechou, bati no carro dele e caí. Esse é só um exemplo. Acontece comigo o tempo todo”, desabafa o profissional.

O número de sinistros graves, principalmente fatais, envolvendo motociclistas, preocupa autoridades e profissionais da categoria. O presidente do Sindicato do Motociclista (Sindmoto), Luiz Carlos Garcia Galvão, acredita que a falta de registro e de profissionalização é um dos fatores que aumenta os riscos nas ruas. “Para ser profissional, é necessário ter pelo menos 21 anos, dois anos de habilitação e ser aprovado em curso especializado. Se não tem registro, não tem nada”, adverte.

Segundo Luiz Carlos, a falta de fiscalização e de implementação da Lei nº 12.009, de 2009, que alterou o Código de Trânsito, aumenta o número de acidentes e deixa muitas famílias desamparadas. A lei criou o artigo 139-A, que estabelece que motocicletas e motonetas utilizadas para transporte remunerado de mercadorias precisam de autorização do órgão de trânsito estadual ou distrital, condicionada, entre outros requisitos, ao registro do veículo como categoria de aluguel e à inspeção semestral dos equipamentos.

Luiz Carlos cita casos de motociclistas que se acidentaram enquanto faziam entregas para empresas, mas atuavam na informalidade. Sem registro profissional, eles não tinham acesso a seguros que poderiam protegê-los. Para reduzir os sinistros, o presidente do Sindmoto destaca a necessidade de cumprimento da legislação e maior fiscalização. “Somos profissionais que vão para a rua e não sabemos se voltamos”, reclama.

Faixa Azul

Entre as medidas apontadas pelo consultor Wender Morais para reduzir acidentes, estão a reformulação do exame prático de direção para veículos de duas rodas, maior rigor na formação de condutores e a implementação de políticas de segurança, como a Faixa Azul, em discussão no DF. De acordo com a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), o projeto-piloto deve começar pelo Eixo Monumental e aguarda apenas autorização da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).

“A implantação da Faixa Azul para veículos de duas rodas será útil, mas precisará ser fortalecida com ações educativas e de fiscalização do excesso de velocidade, que tem sido uma fragilidade desse tipo de solução. Em São Paulo, por exemplo, a medida já reduziu cerca de 20% os números de sinistros de trânsito envolvendo motociclistas”, diz Wender.

Novas regras para ciclomotores

A partir de 2026, os ciclomotores com até 50 cilindradas e 50km/h de velocidade máxima — incluindo bicicletas elétricas que ultrapassem 32km/h, possuam acelerador, motor à combustão ou qualquer outro dispositivo de variação manual de potência — precisarão de registro específico para circular pelas ruas,  a chamada  Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC)

Segundo resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), para obter o documento, o candidato deverá cumprir os mesmos requisitos da categoria A, como aprovação nos exames médicos, psicotécnico, teórico e prático, mas com carga horária prática mínima de cinco horas.

Por sua vez, o Manual de obtenção da CNH, disponibilizado pelo Departamento de Trânsito (Detran-DF), define que os ciclomotores devem usar capacete com viseira ou óculos de proteção, vestuário adequado e cumprir as normas de segurança, circulação e sinalização.

Atenção redrobrada na chuva

Com a chegada do período chuvoso, as condições das vias se tornam mais perigosas para quem anda sobre duas rodas. A pista molhada reduz a aderência dos pneus e aumenta a chance de derrapagens. Segundo o Detran-DF, a visibilidade também fica comprometida e dificulta a percepção de obstáculos e de outros veículos.

O órgão orienta os motociclistas a reduzirem a velocidade, aumentarem a distância dos demais veículos e evitarem manobras bruscas. Durante uma chuva forte, a orientação é de que se espere em algum local seguro até que ela passe. É indispensável o uso de equipamentos de proteção adequados, como capacete com viseira limpa, luvas, jaqueta impermeável e botas antiderrapantes.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press