Operação obriga Lula a acelerar tramitação de leis contra o crime

Planalto escolheu o Legislativo como caminho para mostrar serviço na segurança, apostando na aprovação de propostas para reforçar o combate às facções criminosas

Pressionado após a operação mais letal da história brasileira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca formas de mostrar serviço no combate ao crime organizado, mas evitando associar sua gestão com a crise de segurança no Rio de Janeiro.

Surpreendido pela ação enquanto estava em voo internacional, Lula decidiu, após reunião com seus ministros, criar um canal direto para auxiliar o governador fluminense, Cláudio Castro. Porém, para entregar resultados em escala nacional, o caminho escolhido foi o legislativo.

O petista decidiu evitar críticas públicas ao governo do Rio e à operação policial, temendo repercussão negativa às vésperas das eleições de 2026, e descartou intervenções diretas no estado, por ora.

O Planalto aproveitou o cenário para pressionar pela aprovação da sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que tramita na Câmara e aumenta as competências da União para atuar na segurança — que, atualmente, é de responsabilidade principal dos estados.

O texto sofre resistência, especialmente, de governadores da oposição, que acusam perda de autonomia com as mudanças, mas a base governista acredita que a crise atual pode destravar a legislação.

Outra iniciativa é o Projeto de Lei (PL) Antifacção, de autoria do Ministério da Justiça, que prevê o  endurecimento das penas para integrantes de organizações criminosas, entre outras disposições. A matéria foi enviada na tarde de sexta-feira para o Congresso.

Em entrevista ao canal Globonews na sexta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), confirmou que dará prioridade para os dois textos. A PEC da Segurança será votada em comissão especial na próxima terça, e seguirá direto para o Plenário. A expecativa é que o PL Antifacção também já comece a andar nesta semana.

“Falei ontem (quinta) com o ministro (da Justiça, Ricardo) Lewandowski. Nós não vamos recuar. Temos que ser firmes nesse enfrentamento, e isso requer coragem e desprendimento político”, disse Motta.

Os textos, porém, concorrem com iniciativas bancadas pela oposição. A principal delas é o projeto que classifica organizações como o PCC e o Comando Vermelho como terroristas, que será relatado pelo Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite — que vai se licenciar do cargo e reassumir temporariamente a cadeira de deputado federal.

A iniciativa é fortemente rejeitada pelo governo federal, mas tem amplo apoio na direita e entre governadores de oposição. O principal temor no Executivo é que os Estados Unidos usem essa classificação para justificar ações militares na costa brasileira, como ocorre na Venezuela.

“Ao invés de somar forças no combate ao crime organizado, como propõe a PEC da Segurança enviada pelo presidente Lula ao Congresso, os governadores da direita, vocalizados por Ronaldo Caiado (Goiás), investem na divisão política e querem colocar o Brasil no radar do intervencionismo militar de Donald Trump na América Latina”, disse a ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann.

Questionado, Motta ressaltou a mesma preocupação, mas sinalizou que vai colaborar com a tramitação de quaisquer medidas contra o crime organizado. “No que equipara as facções ao terrorismo, é preciso discutir soberania. Mas não dá para achar que vamos enfrentar o crime organizado sem radicalizar”, disse, na entrevista.

No campo político, Lula decidiu não se envolver diretamente nas críticas a Claudio Castro nem à operação. Publicamente, o presidente não mencionou o número de mortes na operação, que passou de 120, e se ateve a  defender ações mais contundentes contra as facções.

A segurança pública é um ponto sensível para a esquerda, especialmente nas proximidades da eleição de 2026. Além disso, pesquisas às quais o Planalto teve acesso apontam que há grande apoio da população à operação policial, apesar da letalidade. A ministros, a orientação do presidente foi para evitar as críticas diretas ao governo fluminense e à operação, e os ataques se concentraram na classificação de terrorismo.

No momento, portanto, o governo concentra suas principais ações no Legislativo. Não há sinalizações sobre possíveis operações federais contra o crime. Também está descartada, no momento, uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro, já que não houve um pedido formal por parte de Castro.

A medida, que autoriza o uso das Forças Armadas para reforçar a segurança pública de forma pontual, só é utilizada quando a gestão local reconhece a incapacidade de lidar com uma crise na segurança, ou em eventos internacionais de grande porte.

Soluções no Executivo

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o governador Claudio Castro anunciaram, na quarta-feira, a criação de um escritório emergencial conjunto para enfrentar o crime organizado no estado. O anúncio foi feito no Palácio Guanabara, após primeira reunião da comitiva federal enviada por Lula.

O novo escritório terá coordenação compartilhada entre o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, e o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos. O objetivo é melhorar a integração entre as esferas federal e estadual, agilizando decisões e eliminando entraves burocráticos. Não se trata de um espaço físico, mas principalmente de um canal direto de comunicação.

“É um fórum onde as forças vão conversar entre si, tomar decisões rapidamente até que a crise seja superada. Este é o embrião daquilo que nós queremos criar com a PEC da Segurança Pública, que está sendo discutida no Congresso Nacional”, afirmou Lewandowski. Segundo o ministro, a intenção é consolidar um modelo de cooperação permanente entre as forças de segurança do país.

Já Cláudio Castro destacou que as ações devem ser “100% integradas”, preservando as competências de cada órgão. “Tentar eliminar barreiras para que nós possamos de fato fazer uma segurança pública que atenda o nosso verdadeiro e único cliente, que é o cidadão”, disse. Dentre as medidas concretas que o escritório já produziu está o envio de 20 peritos federais para ajudar na identificação dos mortos.

Porém, de acordo com interlocutores ligados ao governo Lula, a ideia do escritório emergencial não agradou ao Partido dos Trabalhadores (PT), pois foi vista como uma chancela à ação autoritária do governador do Rio de Janeiro.

Para o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Leonardo Ostronoff, o que acontece é que não há uma integração entre as políticas estaduais e federais. Isso, em geral, no Brasil, depende de uma orientação partidária.

“Se o partido de um estado tem relação com o governo federal, é do mesmo partido ou está na base de sustentação desse governo, tudo funciona bem. Se não, eles não dialogam”, afirmou. 

“Então, tem uma cultura política que não é republicana nesse sentido, o que é um problema, porque se ocupa ali um papel do Estado. Com isso, tem que articular essas políticas e essas esferas governamentais, seja municipal, estadual, federal, nacional, e isso não ocorre”, acrescentou.

Segundo Leonardo, essa ação entre Lewandowski, enquanto ministro da Justiça, e Cláudio Castro, enquanto governador, deveria ser normal, e não um ato excepcional. “Acontece que a ação do Rio de Janeiro, de terça-feira, mostrou que não houve integração nenhuma.

Nem com as forças nacionais, nem com as instituições, nem com o Ministério Público. Enfim, mais do que a burocracia, o entrave é a disputa de elites políticas”, explicou.

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Rafael Alcadipani, o governo federal acerta ao reforçar a tramitação da PEC da Segurança e do PL Antifacção, que trazem definições importantes para o combate à criminalidade.

“Mas isso está longe de ser a bala de prata, não acho que isso vá resolver de vez o problema”, ressalva. “O que tem que ser feito é criar uma autoridade nacional antimáfia para que haja uma coordenação maior dos esforços, para que possa coordenar os  esforços das polícias, dos Gaecos (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e das demais forças de segurança, para a gente poder ter um enfrentamento mais incisivo ao crime organizado”, acrescenta.

Alcadipani frisa que, desde 2023, a atuação do governo “deixa muito a desejar” no combate ao crime, mas que a gestão vem sendo pressionada a agir e entregar resultados nos últimos meses.

Ele aponta ainda a importância  da participação da PF e da Receita Federal em ações que mirem o financiamento das facções, como demonstrado na Operação Carbono Oculto, que atingiu, inclusive, criminosos no sistema financeiro.

Já sobre os impactos da megaoperação deflagrada no Rio de Janeiro, o professor aponta que o governo federal, bem como outros órgãos, devem atuar no apoio às comunidades afetadas e apurar possíveis irregularidades.

“A questão das comunidades é um problema grave, que essa operação mais uma vez deixa claro. A gente precisa que o governo, que os órgãos funcionem, que o Ministério Público funcione, na medida em que ele veja a possibilidade de haver abusos. E que a gente, sim, se organize para evitar que a barbárie tome conta do país”, frisou Alcadipani.

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: MAURO PIMENTEL / AFP