“Vivo a base de medicamentos por causa das sequelas da covid-19”. O depoimento da técnica de enfermagem Maria Lúcia Vieira de Pádua, 54 anos, que desenvolveu um problema cardiovascular por conta da doença, retrata a realidade de milhares de pessoas no Distrito Federal. Apesar de a pandemia da covid-19 ter passado, as dores causadas por sequelas e mortes ainda perduram. Além disso, somente em 2025, 35 pessoas morreram da doença no DF, segundo dados da Secretaria de Saúde (SES). Especialistas ouvidos pelo Correio alertam para os riscos da doença e para a importância de manter a vacinação em dia, especialmente no caso de idosos e pessoas com comorbidades, que têm mais chances de desenvolver sequelas.
Maria Lúcia teve covid-19 três vezes, sendo a última em julho deste ano, quando já estava vacinada. “Fiquei com pressão alta e com uma alteração no coração, sequelas para o resto da vida. Além de viver à base de medicamentos, adquiri ansiedade por conta de todos esses problemas de saúde”, relata. A realidade da técnica de enfermagem é uma prova de que a doença ainda afeta, de forma significativa, os moradores do DF.Play Video
Dentre as 35 pessoas que morreram de covid-19 no DF em 20205, 80% eram idosos com mais de 70 anos. Além disso, foram registrados 444 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no DF, que é a forma grave da covid-19, onde há mais chances de gerar sequelas. Dos 35 óbitos registrados em 2025, 33 pessoas estavam vacinadas. Desses, 16 haviam recebido até o 2º reforço (quatro doses), 10 até o 1º reforço (três doses), seis com duas doses e um paciente com apenas uma dose.
A maior quantidade de óbitos foi registrada em Planaltina e Plano Piloto (cinco casos cada). Em seguida, Ceilândia e Taguatinga (quatro casos cada) e Guará (três casos). Águas Claras e Sudoeste/Octogonal registraram dois casos cada. Brazlândia, Cruzeiro, Gama, Jardim Botânico, Lago Norte, Samambaia, Santa Maria e Vicente Pires tiveram um caso cada.
Segundo especialistas, a melhor forma de prevenção ainda é a vacinação. “O tratamento que a gente tem disponível na rede pública é mais do que suficiente e está de acordo com a melhor prática internacional. A gente tem vacinas atualizadas e disponibilidade de medicações para tratamento específico da doença. O que temos é suficiente para se conter um novo surto”, diz o coordenador da Infectologia do Hospital Brasília, da Rede Américas, André Bon. A vacina foi incorporada ao Calendário Nacional de Vacinação de rotina para crianças de 6 meses a menores de 5 anos, gestantes e idosos, além de ser indicada anualmente para outros grupos prioritários.
Infectologista do Hospital de Base do DF (HBDF), Julival Ribeiro reforça a importância de pessoas que fazem parte do grupo de risco tomarem as doses de reforço da vacina todos os anos. “Idosos, pacientes imunossuprimidos, gestantes, puérperas, entre outras, precisam estar atentos a isso. Com o passar do tempo, essa imunogenicidade gerada pela vacina vai diminuindo e as pessoas vão ficando mais suscetíveis a uma nova infecção”, alerta.
O médico afirma que entre 10% e 20% das pessoas que tiveram covid-19, apresentam covid longa, que é a persistência ou aparecimento de sintomas por pelo menos 12 semanas após a infecção inicial, sem explicações por outras condições médicas. “As principais manifestações clínicas em relação à covid longa são fadiga crônica, exaustão, alterações neurológicas, sintomas respiratórios, disfunções cardiovasculares, impacto psicológico, entre outras”, informa Julival.
O infectologista André Bon ressalta que pacientes que apresentaram forma grave da doença e sintomas persistentes pós-covid também podem desenvolver sequelas como alterações na função pulmonar. “Pacientes com formas leves e moderadas da doença também não estão livres de sequelas, como brain fog, que é a lentidão do pensamento. Para as formas pulmonares graves, é preciso fazer fisioterapia e, na questão do brain fog, buscar atendimento médico para tratamento adequado”, informa.
Vacinação
Recentemente, no Distrito Federal, foi realizada a Campanha de Multivacinação, encerrada em 31 de outubro, com o objetivo de atualizar a situação vacinal de crianças e adolescentes de 0 a 15 anos. Durante a ação, foi avaliada a completude dos esquemas vacinais de todas as vacinas do calendário nacional, incluindo a vacina contra a covid-19.
Para os grupos especiais, pessoas de 5 anos ou mais com maior vulnerabilidade ou condição que aumenta o risco para as formas graves da doença, é indicada uma dose anual ou a cada seis meses, dependendo do grupo pertencente. São considerados grupos especiais para vacina contra a covid-19 pessoas vivendo em instituições de longa permanência, pessoas imunocomprometidas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, puérperas, trabalhadores da saúde, pessoas com deficiência permanente, pessoas com comorbidades, pessoas privadas de liberdade, funcionários do sistema de privação de liberdade, adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas e pessoas em situação de rua.
A Secretaria de Saúde mantém estratégias permanentes de busca ativa para atualização vacinal da população, por meio de ações extramuros (em escolas, por exemplo) e do uso do Carro da Vacina, que visam facilitar o acesso aos imunizantes e ampliar as coberturas vacinais, além de identificar esquemas vacinais incompletos. De 2020 até o momento, um total de 968.417 pessoas tiveram covid-19 no DF e 12.047 pessoas morreram da doença.
Vírus merece atenção
Por Anamelia Lorenzetti Bocca, professora titular da Universidade de Brasilia (UnB) e pesquisadora visitante da Fiocruz/SP
Apesar da redução da publicização dos números de pacientes infectados pelo vírus Sars-CoV-2, esta é uma virose que ainda merece a nossa atenção, uma vez que parte dos indivíduos acometidos pela covid-19 está sendo diagnosticada com a condição pós-covid-19 ou a síndrome pós-covid, popularmente conhecida como covid longa. Trata-se de uma patologia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), decorrente da infecção prévia pelo Sars-CoV-2. Estes pacientes precisam ser acompanhados pelos serviços de saúde, por apresentarem sintomatologia ampla cujos mecanismos desencadeantes ainda não foram totalmente compreendidos. Os principais sintomas são dores articulares, fadiga, mal-estar após exercícios físicos, alterações no sono, dificuldades de concentração e memória.
Outro ponto importante que merece a atenção de todos é o surgimento de novas variantes. Desde os primeiros relatos da doença, inúmeras variantes foram identificadas, sendo que parte delas foi denominada “variantes de interesse”. Atualmente, a ômicron e suas subvariantes JN.1, LP.8.1, XEC e XFG são as que apresentam maior escape do sistema imunológico dos indivíduos e maior transmissibilidade, quando comparadas à variante que deu origem à pandemia, o que explica os casos diagnosticados no momento, apesar de parte da população estar vacinada.
É importante ressaltar que a vacinação em massa, realizada entre os anos de 2021 e 2022, reduziu drasticamente o número de casos mas é uma virose que merece nossa atenção, uma vez que dados do Ministério da Saúde mostram que o número de casos desta virose é de 18.709,9 por mil habitantes, com uma mortalidade de 341 por mil habitantes e uma letalidade de 1,8%, A mortalidade está relacionada aos pacientes idosos, aqueles que apresentam comorbidades ou em estado de imunossupressão. Para reduzir estes números, é fundamental que a população mais vulnerável seja vacinada. As vacinas disponíveis atualmente nos serviços de saúde são eficazes em induzir memória imunológica contra a variante ômicron.
Os sintomas observados pelos pacientes nos dias atuais diferem do início da pandemia, mas isso não implica que sejam mais brandos, uma vez que o curso da doença depende da resposta imunológica do indivíduo infectado. Indivíduos vacinados quando são infectados pelas variantes circulantes podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas leves. Diferentemente de outras doenças, a vacina contra a covid-19 não induz uma memória imunológica de longa duração, sendo necessário o reforço da vacinação, especialmente para aqueles que se enquadram no grupo de risco.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil











