Com 15,5% das famílias do DF, faltam políticas públicas para mães solo

Especialista destaca a importância de uma atuação articulada do Estado para dar suporte a estas mulheres de forma que os filhos cresçam com dignidade. É preciso um maior alinhamento de ações para atender esse público

“Minha filha é criada por mim e por Deus”, afirma a auxiliar do lar Clemilda Alves, 48 anos. A frase da moradora do Guará reproduz a realidade de pelo menos 122.215 mulheres, que vivem em arranjos familiares monoparentais no Distrito Federal, isto é, sem cônjuge e com filhos. O número representa 15,5% do total de famílias do DF, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022. A nível nacional, o percentual de mulheres com filhos, e sem cônjuge, é de 13,5% — 7,8 milhões. Especialistas ouvidas pelo Correio destacam que são necessárias políticas públicas mais articuladas e menos fragmentadas, para que as mães solo possam criar os filhos com dignidade e oportunidades. 

Clemilda relata que o pai de sua única filha não paga pensão. “Quando minha filha tinha 1 ano, eu fiquei desempregada, aí tudo piorou. Eu precisei recorrer a alguns benefícios sociais do Estado, mas foram insuficientes. Foi o período mais difícil da minha vida, eu não tinha apoio de ninguém”, relembra. “Minha filha estuda em escola pública e eu uso o SUS, mas ainda assim, sinto que me falta mais amparo do Estado”, acrescenta. 

“Quando falamos de mãe solo, não estamos falando apenas de falta de cônjuge ou falta de rede de apoio. Estamos falando, também, de uma ausência institucional que inclui o Estado”, ressalta a doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e professora do curso de serviço social, Hayesca Barroso. “O desamparo de mães solo no Brasil se dá por uma combinação de fatores, culturais, institucionais, estruturais e que são atravessados por determinações de classe, raça e gênero. A reprodução de desigualdades sociais históricas, aliada a uma fragilidade do papel do Estado na proteção à infância e à família, dificultam a vida de quem é mãe solo”, critica.

Atuação do Estado

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes), reduzir desigualdades sociais passa, fundamentalmente, pela estratégia de alcançar e atender mães solo com serviços públicos da assistência social e demais benefícios. Somente no DF, hoje, existem 263 mil famílias vulneráveis no cadastro único chefiadas por mães solo — muito maior do que os número do IBGE do último Censo. 

A secretaria informa que seus três maiores benefícios (Cartão Gás, DF Social e Cartão Prato Cheio) priorizam famílias chefiadas por mães solo com crianças de até 6 anos de idade. Os benefícios contribuem não somente com o apoio financeiro no dia a dia e na compra e preparo dos alimentos, como também dão mais autonomia a essas mulheres.

A pasta destaca, também, que concede a Bolsa Maternidade, uma mochila entregue às mães em vulnerabilidade social quando nasce um bebê e que contém itens essenciais para os cuidados do recém-nascido, como fraldas, pomada, roupinhas e manta. O kit é solicitado e entregue na hora em uma das 32 unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do DF. Para esse serviço, basta ir até o Cras, sem a necessidade de agendamento. De acordo com a Sedes, nos últimos quatro anos, houve um crescimento de 474% no número de mochilas entregues. As mães, dentro do Auxílio Natalidade, também recebem o dinheiro do benefício, no valor de R$ 200, por filho nascido ou natimorto.

Análise

Doutora em sociologia, Hayesca Barroso ressalta que, além das políticas públicas atenderem às mães desde o momento da gravidez, é necessário que estas sejam articuladas. “É preciso haver uma combinação de políticas de saúde com assistência social, para assegurar proteção à mulher, não só durante a gestação, mas depois que o filho nascer. É necessário um trabalho articulado e em rede. Muitas vezes, as políticas chegam de maneira fracionada e não articulada. Há uma fragilidade na consolidação desta rede. O apoio à mãe na gravidez deve estar articulado com políticas de saúde mental, de apoio à primeira infância, de educação, etc”, avalia a especialista.

Rozângela Barbosa de Souza, 38, é outro exemplo de mãe solo que enfrenta o desafio de sobreviver por meio de políticas públicas. “Sou mãe de três filhos e, no início, tive apoio dos meus pais. Hoje, vivo com Bolsa Família, e meus filhos já estão maiores, portanto estão estudando. Mas tive uma fase da vida em que não tinha com quem deixá-los para ir trabalhar”, relembra ela, que tem três filhos, de 18, 13 e 7 anos. “Na época em que meus dois primeiros filhos eram bem pequenos, eu não fui atrás de creche pública, porque não tinha entendimento e não sabia o que fazer para conseguir. Quando o meu terceiro filho nasceu, eu estava recebendo Bolsa Família e, quando fui avisar que eu tinha tido mais um filho, me orientaram a procurar uma creche pública e eu consegui”, diz Rozângela, que também mora no Guará. 

“Falar de maternidade solo não é só falar do pai ausente. É uma sobrecarga mental desumana. A mulher precisa ser gestora de todas as tarefas de cuidado. Se não tiver apoio do Estado durante todo o percurso da maternidade, não haverá garantia plena dos direitos humanos”, diz a professora Hayesca Barroso. 

Juventude

A especialista reforça que o Estado precisa garantir os direitos básicos e o acesso a uma educação de qualidade, à cultura e à dignidade não só aos jovens, mas também às mães. “A mãe solo é uma peça sobre a qual recai o peso de uma sociedade que falha na garantia dos direitos humanos”, afirma Hayesca. “Muitas vezes, elas acabam aceitando condições de trabalho precarizadas ou até o trabalho informal, porque precisam sustentar os filhos. A ausência de rede de apoio dificulta, além de tudo, a progressão da carreira das mulheres”, enfatiza. 

Responsabilização do pai

Por Erci Ribeiro, especialista em política social pela Universidade de Brasília (UnB)

A função do Estado é fortalecer redes de apoio institucionais e fortalecer equipamentos de saúde mental para acolher as mães solo. É preciso um suporte completo no acesso a creches, escolas integrais que correspondam às diferentes jornadas de trabalho, especialmente em territórios vulneráveis. 

Por décadas, a análise sobre a maternidade solo estava centrada na mãe e na criança, deixando de lado e reforçando negativamente a ausência paterna, tentando subsidiar, suprir a ausência paterna no que se refere aos cuidados materiais, mas deixando de lado as questões emocionais.

O exercício da maternidade solo é algo extremamente perverso, porque vai de encontro ao direito das mulheres, o quanto isso atinge a saúde mental das mulheres, por se sentirem sobrecarregadas, tanto no cuidado, quanto também das necessidades materiais e emocionais em relação à prole.

A falha está tanto na articulação para a busca ativa desses pais, desses genitores, que abandonam tanto material quanto emocional. O cuidado é via de mão dupla. A ausência de uma das partes implica exatamente nessa sobrecarga. Então, a presença do Estado deve ser tanto na cobrança em relação ao abandono paterno como também da rede de apoio, equipamentos, políticas públicas efetivas para dar suporte a essas mulheres que são mãe solo, como também equipamentos estruturados para atender as crianças que garantam, que vislumbrem a qualidade de vida, o bem-estar, a proteção integral dessa criança e desse adolescente.

Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: kleber sales