De narcotraficantes a caciques das facções: a cúpula do crime isolada em Brasília

DF tem 76 detentos na Penitenciária Federal de Brasília, entre eles Marcola, líder do PCC condenado a mais de 330 anos. Presos seguem rigoroso esquema de vigilância, com monitoramento de visitas, vistorias frequentes e fiscalização das celas

Válvula de contenção contra o avanço do crime organizado, o Sistema Penitenciário Federal (SPF) é peça central da estratégia governamental adotada desde 2006 no país — e, desde outubro de 2018, em Brasília. O modelo voltou ao centro das atenções com a transferência de sete chefes do Comando Vermelho (CV) após a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortos, em 28 de outubro. Eles foram enviados para o Presídio Federal de Catanduvas (PR), um dos cinco em funcionamento no Brasil.

Embora nenhum deles tenha vindo para a unidade instalada em Brasília, a capital permanece como ponto estratégico do tabuleiro federal. O DF abriga — ou já abrigou —, alguns nomes conhecidos do crime organizado no país. Entre eles, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do Primeiro Comando da Capital (PCC) e condenado a mais de 330 anos por formação de quadrilha, tráfico de drogas e homicídio. Ele chegou a Brasília em 2019.

Além de Marcola, 75 presos estão sob rigoroso esquema de segurança na capital, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Jarvis Chimenes Pavão está nessa lista. Processos judiciais obtidos pela reportagem revelam que um relatório da Polícia Federal classificou Jarvis, conhecido como “Pavão”, como um “notório narcotraficante brasileiro”, que comandou o tráfico de drogas na região fronteiriça de Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

Nos documentos judiciais, ele é citado como “rei da fronteira” e responsável por controlar grande parte do fornecimento de drogas e armas para as grandes organizações e facções criminosas do Brasil, sendo a Europa o principal destino dos entorpecentes.

Desde 2009, o traficante esteva preso na penitenciária Tacumbu, em Assunção, no Paraguai, onde cumpria pena por lavagem de dinheiro e porte ilegal de arma de fogo. A transferência para a Penitenciária Federal de Brasília ocorreu em 2017, quando foi extraditado para o Brasil depois de liderar, de dentro da cadeia paraguaia, um esquema de transporte de cocaína proveniente da Bolívia, do Peru e da Colômbia para a região serrana do Rio Grande do Sul.

Presos

Em outra cela da mesma unidade, numa distância não informada, está o rival de “Pavão”: Sérgio de Arruda Quintiliano, vulgo “Minotauro”. Em decisão de 2023, que renovou a permanência do criminoso na penitenciária federal de Brasília por mais três anos, a Justiça afirmou que, mesmo preso, ele praticou diversos crimes, “entre os quais o planejamento de cinematográfico plano de fuga do detento Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo ‘Marcola’ […], e outros integrantes, podendo-se colher dos elementos de prova o grande poderio financeiro e bélico do grupo”.

Também está preso em Brasília Luiz Carlos da Rocha, o “Cabeça Branca”, acusado de comandar, por mais de três décadas, um esquema de tráfico internacional de drogas que abastecia, mensalmente, com pelo menos cinco toneladas de cocaína, países da Europa, da África e os Estados Unidos. A operação Sem Saída, da Polícia Federal, deflagrada para desarticular a organização criminosa do narcotraficante, foi considerada a maior da história da corporação contra o tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro.

A capital recebeu, ainda, Rocco Morabito, líder da máfia calabresa Ndrangheta, do sul da Itália. Rocco foi detido pela PF em 24 de maio de 2021, em um hotel em João Pessoa, e desembarcou na capital federal no dia seguinte. Segundo a polícia, Morabito viveu por cerca de 15 anos em Punta del Este, no Uruguai. Lá, vivia com a identidade de Francisco Capeletto, brasileiro. Em setembro de 2017, foi preso em Montevidéu, onde permaneceu na cadeia até o fim de junho de 2019, quando fugiu com outros três presos. Depois de passar pela Penitenciária Federal de Brasília, foi extraditado para a Itália, em 2022.

Repressão

No primeiro semestre de 2025, oito novos presos deram entrada na Penitenciária Federal de Brasília e quatro deixaram a unidade, de acordo com a Senappen. O órgão não detalha nomes nem destinos por questões de segurança.

O rigor no sistema ultrapassa os informes oficiais. Cercados por extensos muros, os presos da penitenciária federal enfrentam procedimentos padronizados, rigidamente seguidos nas cinco unidades do país, a começar pela comunicação com familiares, amigos e advogados. Qualquer contato é via parlatório ou videoconferência. As revistas são constantes: o detento passa por vistoria todas as vezes em que deixa o dormitório, e as celas são fiscalizadas sempre que ele sai.

A Senappen informa que os agentes de inteligência da penitenciária federal monitoram o circuito de câmeras e que as imagens capturadas são transmitidas, ao vivo, para a sede do órgão, onde outra equipe acompanha a rotina das cinco cadeias.

Transferências de presos dependem de autorização judicial, baseada em critérios técnicos, de segurança e de inteligência penitenciária. Portanto, não há prazo fixo de permanência nas unidades federais, e as decisões sobre a manutenção ou deslocamento são de competência do Poder Judiciário, com base em pareceres técnicos.

Estratégia

Esses mecanismos, embora burocráticos, integram as ações de combate ao poder de comando das facções. No artigo científico O impacto das organizações criminosas na sociedade catarinense, a pesquisadora Larissa Melnik menciona, em um dos trechos, que, entre as estratégias mais relevantes, destaca-se, inicialmente, a separação de lideranças. O escritor Medina Osório menciona que o isolamento de líderes de facções criminosas pode ser uma medida eficaz para enfraquecer a capacidade de comando deles dentro das unidades prisionais e dificultar a articulação de crimes do lado de fora.

“Apesar de parecer uma solução simples, essa medida requer aplicação criteriosa, devendo ser considerada apenas como último recurso, diante dos possíveis efeitos colaterais”, destaca o estudo acadêmico.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) esclareceu que o combate e o monitoramento rigoroso de facções criminosas são pilares centrais do programa Segurança Integral. A pasta afirmou que a atuação é integrada, planejada e baseada em inteligência e dados estatísticos, além do monitoramento constante de eventuais movimentações de grupos criminosos por parte das forças de segurança.

A SSP-DF listou de que formas essa estratégia de inteligência é alimentada. Uma delas são os relatórios semanais compartilhados com as forças. Eles apontam dias, horários e locais de maior incidência criminal e subsidiam a elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo (PMDF) e a identificação e desarticulação de grupos especializados (PCDF). Segundo a pasta, há o investimento contínuo na capacitação especializada dos agentes, na modernização dos equipamentos e na adoção de tecnologias avançadas para otimizar o trabalho policial e fortalecer os processos de gestão.

“O trabalho integrado contempla medidas de policiamento preventivo e ostensivo, atendimento de emergência, controle de tráfego, fiscalização e ordenamento urbano, visando à segurança da população em todas as esferas.”

Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: DANIEL DUARTE/CB/D.A Press