No livro Da Janela, da fotógrafa brasiliense Izaura Cruz, os galhos de apenas uma árvore revelam 55 espécies de pássaros diferentes. Tudo começou como um passatempo durante a pandemia de Covid-19, quando, diante das limitações de pautas no isolamento social, a autora decidiu registrar a fatia de natureza que aparecia na vista de seu apartamento, na Asa Norte. “Aprendi a ser paciente e atenciosa observando pássaros pela janela”, diz a autora.
Até o dia 5 de dezembro, a obra passa por um circuito de lançamento que percorre os centros de ensino do Distrito Federal, começando no IFB Planaltina, e passando pelo CEF 11 de Ceilândia, Escola Bilíngue de Taguatinga e Escola Classe 2 do Guará. As apresentações contam com fotos e vídeos das aves, jogos de adivinha dos cantos e conversa sobre biologia, fotografia e saúde mental, com a própria autora e o biólogo Rubens Matsushita, colaborador do livro e responsável por descrever as diferentes espécies de pássaros.
Um dos eventos foi na Escola Bilíngue de Taguatinga, na última sexta-feira (28/11), quando as fotografias foram apresentadas de forma inclusiva para os alunos surdos ou filhos de pais surdos. A ação inclusiva contou com explicações sobre os pássaros fotografados e reprodução de barulhos das aves por uma caixa de som, permitindo que os estudantes sentissem as vibrações dos cantos. “Tomei um susto com o barulho do pica-pau batendo na árvore, nunca tinha visto um”, comentou a aluna Sophya Pontes, 16 anos.
O livro foi possível por meio do Fundo de Apoio à Cultura e conta com recursos de acessibilidade, como audiodescrição e tradução em Libras. A produção cultural foi realizada pela filha de Izaura, Beatriz Cruz, que possui deficiência auditiva. Durante o projeto, ela escolheu a Escola Bilíngue como um dos locais de apresentação, permitindo que o livro chegasse a diversos públicos.
Lançamento acessível
Na apresentação da obra, os alunos da Escola Bilíngue de Taguatinga se conectaram pessoalmente com o tema da observação de aves e relataram que, poucas semanas antes da visita da fotógrafa, haviam avistado um pássaro urutau no pátio da escola. Um dos estudantes, Miguel Valentim, 17 anos, mostrou para todos a foto da ave, conhecida popularmente como mãe-da-lua, que tirou com o seu celular. “Eles estavam muito atentos e curiosos durante a nossa explicação”, afirmou Rubens Matsushita.
Os estudantes viram fotos e vídeos de pássaros como periquito, tucano, bem-te-vi, pica-pau, carcará e urubu, e aprenderam sobre as características de cada uma das aves. Para Sophya, a melhor fotografia foi a do carcará, e o registro mais interessante foi o vídeo de dois periquitos, no que parecia um momento de carinho.
“O movimento dos passarinhos era muito expressivo, parecia que um deles estava meio curioso e desconfiado. Depois, eles trocaram de lugar, e fiquei com a impressão de que era a mãe chamando e se comunicando com o filhote”, comentou.
A resposta à atividade foi positiva, e os alunos saíram da sala de aula com vontade de pesquisar mais sobre os pássaros que veem no dia a dia. “Quando não estiver fazendo nada e estiver no tédio em casa, quero olhar para cima e ficar vendo os pássaros. Me deu interesse e vontade de olhar as diferenças e variedades deles. Me deu alegria de observar, fiquei até mais tranquilo depois da apresentação”, afirmou Miguel, que adora registrar momentos de seu dia a dia e pretende tirar mais fotos dos pássaros que encontra.
Segundo o coordenador pedagógico da Escola Bilíngue, Antônio Fleury, trazer atividades como essa para dentro da escola é essencial para expandir os horizontes dos estudantes. “Os alunos surdos têm muita dificuldade de ter contato com o mundo. Geralmente, a vida deles é apenas escola e casa. Então, esse tipo de evento é importante para dar a eles contato com outras realidades e outras pessoas”, afirmou.
Natureza e saúde mental
“No início, eu não pensei em fazer um livro. Comecei porque eu gosto de fotografar”, disse Izaura. No total, foram cinco anos de registro e catálogo de milhares de imagens dos pássaros que pousavam no Carvalho-australiano, árvore cuja copa ficava a menos de quatro metros da sacada do apartamento e que se tornou um mirante ideal para o projeto. As fotos são diversas e exibem a passagem do tempo ao longo dos anos, com alterações de clima, iluminação e folhagem da árvore.
No início do projeto, em 2020, Beatriz Cruz morava com a mãe e lembra que observou o processo criativo em uma perspectiva não usual: “A minha experiência foi muito diferente, porque minha mãe escutava os cantos dos pássaros, às vezes tomando café, e ia correndo fotografar. Mas para mim, o que mais chama atenção são os recursos visuais, como os vídeos que passamos durante a apresentação”, conta a produtora, que incorporou ao lançamento recursos que aumentam o interesse do público de pessoas surdas, comunidade da qual está inserida.
Para Izaura, a obra é um exemplo de que, com paciência, todos podem observar a beleza nas mudanças do meio ambiente. Ela diz que possui grande carinho por todas as fotografias, mas lembra de forma especial a época em que pássaros da espécie balança-rabo-de-máscara construíram um ninho em frente à sua janela, e pôde acompanhar a ninhada: “Achei inusitado eles construírem um ninho bem na minha frente, tenho um carinho por essas fotos”, contou.
Na interpretação da autora, o contato com a natureza e sua relação com a saúde mental é o principal tema presente em Da Janela: “Tirar as fotos me ajudou muito na pandemia. Acho que muitos problemas de saúde mental ocorrem por focarmos demais nos problemas, e essa atividade me ajudou a perceber que o mundo era mais que só essas dificuldades”, diz a fotógrafa, que, desde o início do projeto, adquiriu o hábito de relaxar em casa de frente ao batente da janela, na esperança de avistar uma espécie nova para a coleção.
A autora explica, ainda, que a beleza da natureza é algo que desperta boas emoções em todos, e mostrar os registros para os alunos, apesar de serem apenas fotos, trouxe serenidade e faz bem. “Existem várias pesquisas que mostram os benefícios desse contato e como ele auxilia na recuperação da saúde física e mental”, afirmou.
*Estagiário sob supervisão de Tharsila Prates
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto:material cedido ao Correio











