Emendas parlamentares, um problema agendado para 2026

Dos R$ 61 bilhões destinados pelo Congresso a essas rubricas, R$ 49,9 bilhões ficarão sob controle dos parlamentares, o que representa um desafio para o governo. Proximidade das eleições eleva a disputa pelas verbas

Sai ano, entra ano, e a liberação de emendas parlamentares volta a ser moeda de troca para que parlamentares apoiem projetos do governo. Neste 2025 — pré-eleitoral —, atrasos na liberação de verbas obrigatórias e diálogo revelado entre deputados mostrou parlamentares reclamando do dinheiro que não chega. E esse seria o motivo para descontentamento da Casa, que durante toda esta temporada pressionou o Palácio do Planalto.

Para 2026, o Congresso Nacional destinou R$ 61 bilhões a emendas parlamentares. Desse total, R$ 49,9 bilhões ficarão sob controle dos parlamentares — entre as individuais, de bancada e de comissão.

Pela legislação vigente, o pagamento de emendas deve ocorrer até, no máximo, três meses antes das eleições, regra estabelecida para evitar o uso eleitoral dos recursos às vésperas do pleito.

As emendas são instrumentos previstos na Constituição que permitem a deputados e senadores indicar a destinação de parte do Orçamento da União para obras, serviços, equipamentos e programas em estados e municípios. Uma parcela dessas emendas é classificada como impositiva, o que significa que sua execução é obrigatória pelo Executivo, desde que cumpridos os requisitos técnicos e legais estabelecidos.

Na prática, a liberação das emendas passa por etapas que costumam alongar o processo, como a apresentação de planos de trabalho pelos parlamentares, a análise técnica dos ministérios e, só depois, o empenho e o pagamento dos recursos.

Em ano eleitoral, esse calendário ganha um peso ainda maior, porque a legislação prevê que a maior parte do dinheiro seja liberada antes do início da campanha, o que reduz o espaço para repasses de última hora e aumenta a disputa política em torno dos prazos.

Há uma percepção comum entre os deputados, por exemplo, de que a proximidade das eleições amplia pressões sobre o governo e transforma o Orçamento em um dos principais instrumentos de negociação no Congresso.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse ser favorável ao atual modelo de execução orçamentária. “Já fiz uma defesa do que representam as emendas nas transformações sociais e estruturantes que o Brasil tem vivido, e continuo defendendo essa atuação”, afirmou. Segundo ele, “o Parlamento foi moldando a questão do Orçamento ao longo do tempo”, e “hoje nós temos esse modelo de emendas”.

Motta sustentou que a execução das emendas está vinculada à representação conferida pelo voto e que o instrumento serve para atender, principalmente, regiões mais distantes. “Eu defendo como importante para as ações, principalmente das pessoas que mais precisam e dos lugares mais distantes do nosso país.”

Para a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), o Congresso passou a concentrar um volume excessivo de recursos e a usar as emendas como instrumento de pressão política. “Há muita verba sob controle do Congresso, mais até do que em muitos ministérios importantes. Eu ouvi, inclusive, a possibilidade de não votar o Orçamento caso as emendas não fossem liberadas. Isso é um absurdo, isso é uma chantagem. Esse modelo transforma o Orçamento em instrumento de chantagem política”, avaliou.

Escândalo

O deputado Henrique Vieira (PSol-RJ) disse que as distorções ocorrem devido a uma combinação de regras frágeis e pressão política. “O que acontece aqui é escandaloso. Se for até às últimas consequências, eu acho que vai ter deputado preso. Tem que ter transparência, tem que ter regra.”

Já o deputado Sargento Fahur (PSD-PR) ressaltou que o uso das emendas como instrumento de negociação política não é uma prática nova no Brasil. “Sempre houve, entre aspas, compra de votos com emendas, com liberação de emendas e valores. Isso sempre foi usado como moeda de troca, e eu acho que não está próximo de acabar”, declarou.

Por sua vez, o deputado Luiz Lima (PL-RJ) chamou a atenção para os impactos práticos do atraso na execução das emendas. “Deputados de oposição sentem atraso significativo no pagamento das emendas. Estamos em dezembro, e ainda não houve liberação integral, o que cria um descompasso relevante”, mencionou.

Na avaliação da deputada Maria do Rosário (PT-RS), o problema ultrapassa a disputa política e atinge a capacidade do Estado de planejar políticas públicas. Segundo ela, o atual modelo enfraquece o Estado como planejador. “Mais de R$ 50 bilhões são pulverizados sem planejamento estratégico, obedecendo a interesses políticos imediatos”, disse.

Fiscalização

O montante movimentado pelas emendas é tão alto que o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de intervir. O ministro Flávio Dino bloqueou recursos e determinou a fiscalização de parlamentares, rastreando o destino da verba pública. Para alguns deputados, a atitude da Corte é necessária, já que busca transparência. Para outros, a medida ultrapassa as prerrogativas do Judiciário.

Na avaliação da maioria dos parlamentares da esquerda, o sistema precisa de mais transparência e rastreabilidade. A deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) entende que a fiscalização do STF se justifica quando mira irregularidades. “O Supremo fiscaliza aquilo que está errado. Aquilo que é incorreto deve ser paralisado. O compromisso do Congresso deve ser o de fazer bom uso dos recursos públicos”, sustentou.

O deputado Henrique Vieira (PSol-RJ) também considera correta uma postura mais dura de fiscalização. “O que acontece aqui é escandaloso. Se for até às últimas consequências, eu acho que vai ter deputado preso.”

Já o deputado Sargento Fahur (PSD-PR) afirmou concordar com o controle reforçado, mas condicionou o apoio à imparcialidade. “Espero, inclusive, que Flávio Dino seja imparcial e que fiscalize todos os deputados que, porventura, tiverem suspeita nas suas emendas, seja de direita, seja de centro ou de esquerda. Quem estiver fazendo coisa errada tem que ser responsabilizado”, declarou.

Por sua vez, o deputado Luiz Lima (PL-RJ) defendeu que “a fiscalização do uso dos recursos deveria ser feita, prioritariamente, pelos próprios ministérios, que têm capacidade técnica para avaliar projetos e obras”.

Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) enquadrou a controvérsia como consequência de um modelo que deslocou poder orçamentário para o Legislativo e fragilizou o planejamento estatal. Ela afirma que “o Legislativo hoje detém um poder muito grande por conta das emendas impositivas”. 

Destino dos recursos

Deputados e especialistas ouvidos pelo Correio apontam que a forma como os recursos são distribuídos influencia as prioridades adotadas nos estados e municípios e dificulta a identificação de responsabilidades quando as emendas não geram o resultado esperado. O deputado Sargento Fahur (PSD-PR) explicou que suas emendas são destinadas para compra de “tangíveis”, ou seja, tudo que é tabelado, evitando a destinação de emendas para obras públicas. “Eu não mexo com questões de obras. Em obra dá superfaturamento. Em obra sempre aparece um aditivo, depois outro, e ninguém sabe onde isso termina”, argumentou. “Gosto de trabalhar com coisas que têm tabela, como viatura e equipamentos”.

Já o deputado Henrique Vieira (PSol-RJ) chamou a atenção para a dificuldade de responsabilização quando as emendas não produzem os resultados prometidos. Para ele, a combinação entre volume elevado de recursos e baixa transparência cria um ambiente propício para irregularidades. “Esse tipo de operação de emenda, do jeito que está, é espaço aberto para corrupção”, declarou.

O deputado Luiz Lima (PL-RJ) destacou que, na prática, a responsabilidade pela execução e fiscalização acaba diluída entre diferentes instâncias. “Não existe estrutura no gabinete para acompanhar tudo isso”, afirmou.

O advogado e professor de direito constitucional Ilmar Muniz sustentou que essa dificuldade de responsabilização decorre da ausência de critérios legais mais objetivos. “Não existe uma legislação clara que determine critérios mínimos e puna todos os envolvidos quando há desvio”, disse.

Pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), Carlos Martins de Freitas ressaltou que as emendas estão diretamente ligadas ao incentivo eleitoral que estrutura o sistema. De acordo com ele, gastos visíveis permitem ao parlamentar associar diretamente a entrega do recurso ao próprio mandato. “É mais fácil dizer ‘eu comprei cinco ambulâncias com os recursos que mandei’ do que explicar uma obra que demora anos e pode nem ser concluída”, explicou.

Lacunas

Os especialistas também apontam que o problema central do uso e destino das emendas está no desenho institucional do modelo brasileiro. Segundo Freitas, o sistema concede poder excessivo ao parlamentar sem exigir contrapartidas proporcionais de justificativa e controle, o que prejudica a transparência”.

Ele frisou que estudos comparativos mostram que outros países adotam limites mais rígidos para a atuação do Legislativo sobre o orçamento. Para ele, a ausência de exigência formal sobre o motivo, o destino e o impacto do gasto cria um ambiente permissivo.

“A grande questão é a transparência e a accountability, saber exatamente para onde o dinheiro está indo e para quê”, disse, acrescentando que, sem mudanças no desenho institucional, o sistema tende a se reproduzir. “Não existe bala de prata. O caminho é reforçar os mecanismos de transparência e fiscalização”, citou.

Já Muniz ressaltou não haver um órgão único responsável por acompanhar todo o ciclo da emenda. Para o especialista, essa dispersão de responsabilidades dificulta a punição quando surgem irregularidades. “A fiscalização acaba sendo do próprio grupo político que está ali. Não existe uma fiscalização externa real em muitos casos”, sustentou, reforçando que é justamente por isso que o STF vem atuando no que ele chamou de “vazio institucional”.

“O STF está, na verdade, cumprindo um papel de falha do Legislativo, porque não temos normas suficientes que determinem transparência e rigor para onde devem ir essas emendas”, disse.

Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Carlos Moura/Agência Senado