Respeito e afeto até o fim: o valor de cada segundo na despedida

Em um espaço dedicado a cuidados paliativos, pacientes sem chances de cura e voluntários aprendem sobre a vida, a despedida e o valor de cada segundo. Conheça histórias emocionantes sobre um momento delicado da vida

Na ala silenciosa do Hospital de Apoio de Brasília, ocorre uma delicada missão de acolher quem está próximo do fim da vida, onde a prioridade não é a cura, mas o cuidado. A rotina dos pacientes em cuidados paliativos exige apoio médico e também de voluntários para garantir atenção e, acima de tudo, dignidade até o último instante.

À frente da Associação dos Voluntários do Hospital de Apoio (AVHAP), Socorro Martins Lima coordena um trabalho que vai além de fazer companhia. Ela e sua equipe entregam produtos de higiene, fazem a barba dos pacientes, aulas de artesanato, bazar, tardes musicais, visitas de grupos religiosos, lanche noturno e visitas de cães de assistência. “O voluntariado aqui é um grande aprendizado. E, por incrível que pareça, quem mais se beneficia somos nós, os voluntários”, conta Socorro Martins.

Segundo ela, o voluntariado nos cuidados paliativos é uma escola da vida, em que se aprende a respeitar a brevidade da existência e a enxergar valor nos pequenos gestos. “Aqui, a gente não fala ‘morrer’. Falamos partir. Tudo é para anteontem, pois amanhã eu não sei se aquela pessoa ainda estará aqui”.

O hospital carrega histórias de quem vive e cuida até o último instante. Existem muitas formas de trazer conforto aos pacientes, como casamentos realizados no hospital para reafirmar laços de amor antes da despedida, batizados, missas e o que o paciente precisar, a equipe vai atrás. “É um compromisso de alma. Às vezes, você chega, senta, ouve. Se a pessoa não quiser conversar naquele dia, você volta no outro. Isso é compromisso”.

Os cuidados paliativos, explica Socorro Martins, vão muito além de aliviar dores físicas. “É dar consciência plena à pessoa, permitir que ela viva plenamente até o último momento. Não é como em uma UTI fria, onde a pessoa fica isolada. Aqui, ela tem acesso à família, aos amigos, à se despedir com calma”. Ela também lembra da importância de oferecer assistência emocional aos familiares. “É muito difícil ver quem você ama indo embora. O voluntariado está ali também para amparar, sem julgamentos, porque a dor do outro não é a minha”.

“No Brasil, ainda existe o tabu de achar que cuidados paliativos é ‘deixar morrer’. Não é isso! É saber que não existe mais a possibilidade de cura, mas há, sim, a possibilidade de criar momentos significativos, mitigar a dor e dar plenitude até a hora da partida”, completa Socorro Martins.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), não há dados sobre o total de pacientes atendidos em cuidados paliativos no DF. No entanto, em 2024, o Hospital de Apoio registrou 605 internações e 7.028 atendimentos ambulatoriais. Em 2025, até o mês de abril, foram contabilizadas 240 internações e 1.627 atendimentos na unidade.

Entre as histórias vividas no hospital, está a de Fernando de Freitas, 47 anos, caminhoneiro diagnosticado com um tumor cerebral. Ao lado da esposa, a assessora Janaína de Freitas, 47, ele enfrentou a doença com fé, aceitação e, acima de tudo, gratidão pelo tempo vivido.

“O mais importante para ele foi aprender o significado do perdão”, conta Janaína. Ela relembra como Fernando reuniu os três filhos no Dia dos Pais, logo após o diagnóstico, para dizer que não queria ver ninguém sofrendo ou lamentando. “Ele sempre teve muita fé. Nunca criticou a doença, nunca se revoltou. Ele dizia que faria tudo que estivesse ao alcance dele”.

Reencontro

Fernando, que passou 25 anos na estrada como caminhoneiro, encontrou na doença algo inesperado: um reencontro com a família. “Ele disse que, nos cinco anos que viveu doente, foi mais feliz do que nos 25 anos anteriores, porque finalmente pôde viver em família, passear, estar presente nos momentos importantes. Essa doença não veio para desgraçar a nossa vida. Ela veio para unir a nossa família”, relata Janaína.

Fernando resumiu, com voz fraca, sua única preocupação dos últimos momentos. “Viver sem dar trabalho”. Janaína completa: “Ele nunca gostou de incomodar ninguém. Ele sabia que não tinha mais volta, e tivemos liberdade para conversar sobre tudo. Ele se preocupava que eu ficasse perdida, então eu dizia: ‘Fica tranquilo, estou resolvendo o funeral’. Não foi fácil, mas me aliviou ter tudo pronto para ele”.

Vale lembrar que, no Brasil, não existe a possibilidade legal de eutanásia. Os cuidados paliativos não têm o objetivo de apressar nem de retardar a morte, apenas de garantir que cada pessoa tenha qualidade de vida até o fim. Cada um com o seu tempo de vida. 

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense         

Foto: Vitória Torres/CB