Saiba como é a rotina de quem convive próximo aos presídios do DF

Vizinhos do Complexo Penitenciário da Papuda e da Penitenciária Federal em Brasília, moradores de São Sebastião e Jardins Mangueiral vivem em constante atenção, enquanto autoridades de segurança seguem no combate às organizações criminosas

Sem sirenes, correria ou tensão, autoridades de segurança monitoram discretamente qualquer sinal de fumaça vindo do Complexo da Papuda, área que abriga tanto os presídios distritais, quanto a Penitenciária Federal em Brasília (PFBRA) — onde está Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC). A pouco mais de 4km de distância das unidades prisionais, moradores de São Sebastião e Jardins Mangueiral convivem em terra minada e em estado de alerta.

Além de Brasília, há outros quatro presídios de segurança máxima distribuídos pelo país — em Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte e Rondônia. Diferentemente de prisões comuns, os federais adotam rígidos procedimentos e têm um só objetivo: combater o crime organizado, isolando as lideranças e presos de alta periculosidade. Das cinco, a PFBRA é a unidade com o menor número de detentos: são 72 e 208 vagas, segundo o relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

O baixo quantitativo faz parte da estratégia implementada pelo Ministério da Justiça para reforçar a segurança ativa. Por trás dos muros, no dia a dia do preso, o sistema também é severo. Visitas e banho de sol são regrados. O Depen estabelece a visita aos custodiados de duas formas: parlatório ou virtual. Sem qualquer contato físico e separados por vidro, o familiar pode se comunicar com o interno por interfone por três horas. Na modalidade virtual, a conversa dura 30 minutos e é feita por videoconferência. Nesse caso, o visitante precisa ir à Defensoria Pública da União (DPU).

Rodízio de presos

Periodicamente, o Sistema Penitenciário Federal faz remanejamento de presos de um presídio para o outro. A finalidade é garantir o enfraquecimento das lideranças do crime organizado. O secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, explicou que esse rodízio integra o protocolo do Sistema Penitenciário Federal. “Não é desejável que nem aqui em Brasília e em nenhum dos outros quatro presídios federais um preso fique por muito tempo sem que seja feito o rodízio, porque a presença dele ali, muitas vezes, traz aquela chamada célula que o rodeia, que envolve, às vezes, familiares, amigos ou comparsas.

Ao Correio, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) informou que as transferências no Sistema Penitenciário Federal ocorrem mediante autorização judicial e seguem critérios técnicos, de segurança e de inteligência penitenciária. “Não há um tempo limite fixo de permanência nas unidades federais. As decisões sobre a manutenção ou transferência dos custodiados são de competência do Poder Judiciário, com base em pareceres técnicos da Senappen”, esclareceu.

Cada operação de transferência é conduzida com elevados padrões de segurança, executada por policiais penais federais treinados e com o apoio de recursos operacionais avançados. De acordo com a secretaria, as ações contam, quando necessário, com o apoio de outras forças de segurança, como as polícias militares, civis, rodoviárias, Força Nacional e órgãos de inteligência estaduais e federais. O órgão assegura que o modelo é um controle rigoroso da custódia e movimentação dos presos sob responsabilidade da União, dentro das diretrizes legais e operacionais do sistema.

Marcelle Gomes Figueira, professora de segurança pública do Instituto de Direito Público (IDP) e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), explica que a migração de familiares e amigos de presos é um procedimento natural e histórico. Segundo a especialista, essa mudança não significa aumento das taxas de criminalidade e explica que a sensação de insegurança está ligada a outros fatores. “As forças de segurança do DF, em relação ao combate ao crime organizado, têm tido um relativo êxito. Um dos principais problemas na capital ainda é o roubo a transeuntes, uma criminalidade diária, mas que não vai atingir a população de forma geral. Os mais afetados e vítimas desse tipo de crime, por exemplo, são aquelas pessoas mais expostas, como as que saem cedo para trabalhar e vão ao ponto de ônibus”, destaca.

A professora acredita que o sentimento de vulnerabilidade não está associado diretamente às taxas de criminalidade, mas a outros fatores sociais e ambientais. “A gente entra numa questão de preservação de espaço público, falta de iluminação ou incremento de políticas públicas para maior circulação de pessoas em áreas comerciais. Para isso, deve-se pensar num plano conjunto e colaborativo entre outros órgãos do governo. O ideal é a integração entre as secretarias para a revitalização e melhor circulação de pessoas. Isso, consequentemente, vai ter reflexo na segurança”, frisou.

Segurança

O Correio questionou o Depen sobre o impacto da presença desses presos para a comunidade próxima e as medidas adotadas para proteger a vizinhança. Em resposta, o órgão afirmou que a presença de uma penitenciária federal em uma região não representa risco, mas sim maior segurança para a população local e elencou os fatores justificáveis.

Segundo o Depen, as unidades do Sistema Penitenciário Federal foram estrategicamente construídas em áreas com distanciamento da malha urbana e contam com áreas de segurança externa, sistemas tecnológicos de monitoramento, controle rígido de acesso e vigilância reforçada pela atuação integrada das forças de segurança pública municipais, estaduais e federais. “Não há qualquer evidência de que a presença de uma penitenciária federal aumente a violência nas regiões onde está instalada. Ao contrário, a atuação articulada e permanente do Estado nesses territórios tende a reforçar a segurança, ampliar o monitoramento e reduzir riscos para a população.”

Hélio Gomes, 33 anos, mora em São Sebastião há seis anos, em um ponto próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda. O técnico de ar-condicionado relata ter presenciado uma situação de fuga do presídio em que o criminoso escondeu-se numa casa vizinha. Desde então, o morador teme por algo semelhante. “Comigo nunca aconteceu nada. É claro que sentimos receio por morar bem perto (do presídio), mas acreditamos no trabalho da polícia. Tem um monitoramento intenso na região”, disse.

O pedreiro Eguinaldo Jesus, 41, vive em uma casa colada à cerca que divide São Sebastião do imponente Complexo da Papuda. Apesar de morar no local há 20 anos e em um ponto sensível, considera-se protegido. “Estamos sujeitos a perigo a qualquer lugar. Aqui, eu durmo até de porta aberta, mas é claro que temos que ter cuidado”, finalizou.

Palavra de especialista

Welliton Caixeta, doutor em direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (GCCrim/FD/UnB) e do Laboratório de Gestão de Políticas Penais

É bastante comum que a rede de apoio de determinados presos resida, ainda que provisoriamente, nas proximidades dos estabelecimentos penitenciários durante o tempo que aquele esteja cumprindo pena. Essa rede é composta por familiares, pessoas próximas e até companheiros/comparsas no crime.

Desde a geografia carcerária, as dinâmicas/rotinas até a configuração sociodemográfica e a economia local dessas áreas são influenciadas pela circulação de pessoas e coisas dentro e fora das unidades prisionais.

A transferência de um preso de um presídio para outro tem impacto social na realidade local. Quando um líder de alguma organização criminosa com elevado capital social no mundo do crime é transferido, mobiliza-se toda uma estrutura material e simbólica aqui fora, para que esse continue a liderar, mesmo estando preso. Esses movimentos são discretos, velados, silenciosos e muito bem planejados.

A presença de um líder de facção é percebida pela população interna e externa ao presídio, repercutindo, inclusive, na sensação de segurança da população local. Identificar, mapear e interferir nas movimentações e nos vínculos desse tipo de preso e sua rede externa de apoio coloca-se enquanto desafio para a política penal, para a gestão penitenciária, para as instituições do sistema de justiça criminal e para as polícias.

É preciso muito trabalho da área de inteligência para desarticular tais redes. O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ao contrário do que se propunha no começo (desarticular as facções), têm contribuído para o fortalecimento de tais organizações, sua capilaridade e interiorização pelo país, fazendo com que essas redes e a economia do crime circulem.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press