Fundamental para o meio ambiente, o aproveitamento de resíduos recicláveis chegou a 55% em 2024, contra 37% em 2020. A melhoria reduz a pressão sobre o meio ambiente, diminui a necessidade de extrair novas matérias-primas e prolonga a vida útil do aterro sanitário da capital.
Por trás dos números, no entanto, há o esforço de mais de 1,3 mil catadores e catadoras, organizados em cooperativas, que garantem destino sustentável ao papel, plástico, metal e outros materiais descartados pela população.
Com 69 anos e mais de três décadas de experiência com reciclagem, Marizete Pereira conhece como poucos o ofício da coleta seletiva no Distrito Federal. Mineira radicada em Brasília desde 1975, ela começou a trabalhar no antigo Lixão da Estrutural em 1990 para manter a filha Léia, que hoje tem 46 anos. “Eu digo com orgulho que eu paguei a faculdade de administração de empresas para a minha filha com o dinheiro do meu trabalho”, conta.
Para ela, trabalhar com reciclagem foi mais que sustento: foi transformação. “Esse serviço me ensinou a ser uma pessoa melhor. A gente aprende a ser humilde, a dar valor nas pequenas coisas. Lixo é dinheiro, sim. Fico feliz de ter conseguido manter minha família com dignidade”, narra, emocionada.
Entre os desafios diários, ela destaca até hoje os riscos à saúde causados pela separação incorreta dos resíduos. “Tem que ter cuidado. Às vezes vem agulha, vidro quebrado, lixo de gente doente. Isso machuca, é perigoso. E tudo porque a pessoa não separou certo o que era lixo comum do que era reciclável”, alerta.
Cooperativas
Segundo o SLU, o número de cooperativas apoiadas passou de 20 para 31 em 2024. Juntas, recolheram mais de 58 mil toneladas de recicláveis — mais que o triplo do total registrado em 2020, onde foram 18 mil resíduos recolhidos.
O diretor administrativo da Coopere, João Marcos Souza explica que a cooperativa surgiu como alternativa para regularizar a situação de catadores que antes atuavam de forma informal. “Ela funciona como uma associação de pessoas. Quem entra se torna sócio, não empregado. Todos têm direito a voto nas assembleias e ajudam a decidir os rumos do trabalho”, explica.
O modelo é baseado em produção individual, o que significa que cada trabalhador recebe de acordo com o que consegue separar e preparar para comercialização. “Antes a remuneração era por hora ou por produção diária em grupo, mas havia insatisfação. Agora, cada um ganha conforme sua produtividade, o que achamos mais justo. Em junho, a média de salário foi de R$ 911”, afirma o gestor.
Os resíduos chegam ao galpão via coleta do SLU, são separados por categorias, como plásticos, papéis, metais e rejeitos. Após a triagem, o material é pesado para que cada catador recebe conforme o que foi separado, e, só então, é vendido para empresas especializadas. “Todo material que chega aqui é separado, triado e comercializado. A renda de cada um depende do quanto consegue produzir no mês”, explica.
Desafio
Mesmo com os avanços, 25% do material reciclável ainda vai para o aterro por conta do descarte inadequado ou da contaminação. “Tem gente que ainda joga comida no material reciclável e atrapalha tudo”, lamenta Marcelo Souza Vieira, de 35 anos, catador há cinco. “Às vezes, vem mais lixo úmido do que recicláveis. Isso atrapalha muito, porque cria bicho, bactéria, e a gente não consegue aproveitar o material”, explica o catador que, com o que ganha na triagem, conquistou independência financeira. “Eu morava com a minha mãe e, graças ao meu trabalho, já consigo pagar um aluguel e comprar geladeira, fogão. Tudo com dinheiro daqui. E ainda me divertir um pouco”, brinca.
Apesar das conquistas, ele reconhece que o preconceito ronda o dia a dia dos catadores. “O cheiro fica na roupa. Às vezes a pessoa vê e já pensa: ‘ih, trabalha com lixo’. Mas esse é meu trabalho. É digno. E às vezes ganho melhor que gente que tá no comércio”, afirma. Marcelo diz que aprendeu a importância da separação só depois de começar a trabalhar com a separação de resíduos. “Quando comecei, não sabia nada disso. Jogava tudo junto no lixo. Aprendi aqui, com os cursos e com os colegas. Hoje, até em casa eu separo”, conta.
Para Andréa Almeida, diretora técnica do SLU, a coleta seletiva tem impactos que vão além da preservação ambiental. “As cooperativas promovem, além desse cuidado com o meio ambiente, inclusão social e geração de renda para esses profissionais. A maioria dos catadores vieram do antigo lixão da Estrutural e hoje estão em condições dignas, com direitos garantidos”, explica.
A afirmação reflete a história de Rosimeire Maria Alves, 43, que cresceu acompanhando a mãe no antigo lixão da Estrutural. “Comecei com oito anos, ajudando minha mãe. Depois que engravidei, voltei com 15 pra ajudar em casa e nunca mais deixei de trabalhar com reciclagem”, conta. Foi ali, entre montanhas de resíduos e poucos direitos, que a catadora deu os primeiros passos no trabalho com materiais recicláveis.
Da esteira à mobilização nas ruas, hoje, a profissional trabalha na gestão de uma cooperativa. “Hoje estou no escritório, mas sem esquecer de onde vim”, diz. Para Maria, as conquistas vão muito além do salário. “Com esse trabalho, consegui pagar cursos, ajudar meu irmão a se formar em Direito, e construir minha casa. Eu não tenho muito dinheiro no banco, mas tenho orgulho do que fiz”, conta. Mãe de quatro filhos, ela explica que sempre teve orgulho da profissão. “Já trouxe eles para conhecer, mostrei como é o trabalho, porque é importante que entendam o valor do que fazemos”, afirma. “Mesmo que muitos não nos reconheçam, a nossa profissão é essencial. Falo para eles: se não fosse eu, teria outro fazendo esse papel. Separar o lixo é um gesto de cuidado com o próximo, com o planeta e com a saúde de todos”, destaca.
Engajamento social
Apesar dos esforços institucionais, a diretora do SLU reforça que o sucesso da coleta seletiva depende também do engajamento da população. “É uma responsabilidade compartilhada entre governo e sociedade. É um hábito, e precisa ser feito por todos para que o número de materiais reciclados aumente e consigamos manter a capital limpa e sustentável”, explica.
Para incentivar mudanças de comportamento, o SLU investe em ações permanentes de educação ambiental. Entre elas estão palestras em escolas públicas e particulares, mobilizações em feiras e eventos comunitários, visitas porta a porta com equipes de orientação e a distribuição de materiais educativos.
O aplicativo SLU Coleta DF também é uma ferramenta importante: por meio dele, o cidadão pode consultar os dias e horários da coleta em seu bairro, tirar dúvidas sobre a separação correta e receber notificações sobre o serviço. “É um trabalho de formiguinha, mas quando a comunidade entende seu papel, o impacto é imediato, tanto para o meio ambiente quanto para a geração de renda dos catadores”, conclui.
Como separar o lixo
Materiais recicláveis
» São considerados recicláveis materiais como papel, papelão, plástico, isopor e metal. Devem ser descartados, de preferência, em sacos da cor verde ou azul.
Orgânicos e rejeitos
» Os não recicláveis são resíduos como restos de comida, borra de café, fralda descartável, papéis gordurosos, lixos de banheiro, entre outros e devem ser descartados em sacos pretos ou cinza.
Cuide dos resíduos
» Condomínios residenciais devem colocar seus resíduos em contêineres nas cores verde para coleta seletiva e cinza para coleta convencional;
» Não precisa lavar as embalagens. Apenas retire o excesso de alimentos e líquidos;
» Embale vidros em jornal, caixas ou garrafas PET para evitar acidentes;
» Pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes e eletroeletrônicos devem ser entregues em pontos de coleta no comércio; e medicamentos vencidos e seringas, em farmácias ou postos de saúde;
» Coloque o lixo em sacos resistentes e bem fechados.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Bruna Gaston CB/DA Press