Os jardins de Brasília florescem o ano inteiro e isso não acontece por acaso. Por trás dos 583 canteiros multicoloridos, geridos pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), que embelezam o Plano Piloto, Sudoeste, Lago Sul, Taguatinga e outras regiões do Distrito Federal, há uma cadeia de trabalho silenciosa, especializada e apaixonada. Mais de 140 profissionais se revezam diariamente entre viveiros e estufas da instituição para garantir que a capital permaneça florida, sombreada e acolhedora.
A linha de frente dessa operação começa no Viveiro I da Novacap, no Park Way, criado em 1960, que produz cerca de 100 mil mudas de flores por semana, entre arbustos, flores de pequeno porte e palmeiras. Com 78 hectares, o Viveiro II fica no Setor de Oficinas Norte e é dedicado ao desenvolvimento e manejo de árvores. “Daqui saem todas as mudas plantadas no Distrito Federal”, explica Janaína González, chefe dos Viveiros da Novacap há oito anos e servidora há 27.
O espaço foi reformado em 2023 e se tornou ainda mais eficiente na missão de abastecer os canteiros ornamentais da capital. “Temos uma equipe técnica que faz a vistoria nos espaços públicos. A partir das condições de irrigação e manutenção, definimos onde será feito o plantio”, detalha Janaína. Todo o processo é planejado em conjunto pelas divisões de produção, arborização e paisagismo. “Plantar é só uma parte do trabalho. É preciso garantir que o canteiro seja cuidado depois”, explica.
É o caso de Reinaldo Jesus Marques, 57, que há quase três décadas se dedica às plantas da capital. “Tudo que mexe com planta, pra mim, representa vida”, resume o profissional. Ele afirma ficar emocionado ao ver as flores que ajudou a cultivar espalhadas pelos jardins de Brasília. “Dá um orgulho, uma alegria. Eu tô contribuindo para deixar a cidade mais bonita e acolhedora”, diz.
O ofício com as plantas, que começou ainda na infância ao lado da mãe, o acompanhou por toda a vida e foi com ele que Reinaldo construiu sua casa, criou os quatro filhos e hoje ensina a neta de quatro anos a mexer com a terra. “Eu aprendi a cuidar das plantas vendo minha mãe trabalhar com eucalipto e isso ficou pra vida toda. Ela ficou muito feliz em saber que eu segui, de alguma forma, os passos dela, e hoje tento passar para a minha neta também”, narra.
Perto da aposentadoria, Reinaldo tem uma chácara em Corumbá, onde, além de pescar, tem um pomar e um jardim. “Aqui também é meu futuro. Já estou perto da aposentadoria, mas não vou parar. Onde eu estiver, vai ter jardim”, afirma, com os olhos brilhando ao falar das mudas que acompanha desde a semente.
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Inclusão
“Eu não era muito ligada com plantas, mas depois que entrei aqui, me afeiçoei demais. Gosto mesmo é de semear e fazer as mudinhas. Aprendi de tudo um pouco, mas isso aqui é o que eu amo”, conta O.C., 60, que encontrou nas plantas uma nova forma de recomeçar enquanto cumpre pena no sistema prisional. Desde março de 2022, ela trabalha no Viveiro I da Novacap por meio do projeto da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), que permite a remição de pena com as atividades manuais.
Maranhense, ela chegou a Brasília aos 17 anos e hoje se orgulha da evolução no ofício. “No começo, eu achava tudo meio difícil de mexer. Hoje, se me botar na enxada, eu vou. Se me colocar nas sementes, eu também consigo mexer”, afirma. Ela destaca a delicadeza do trabalho com as sementes, que exige atenção e cuidado. “Se cair semente demais num buraco só, a planta não se desenvolve. Tudo trabalha nossa paciência e ajuda a esvaziar a mente um pouco”, diz.
Desde 2017, o projeto cresceu de 30 para 120 reeducandas envolvidas diretamente na produção de mudas e flores. “Elas se dedicam, aprendem rápido, ganham remissão de pena e muitas descobrem aqui uma nova relação com o trabalho”, conta. Para Janaína, mais do que uma força de trabalho essencial, elas são protagonistas de uma mudança real. “Hoje, a maior parte da mão de obra no Viveiro I vem delas. E o resultado está aí, espalhado por toda a cidade”, celebra a chefe.
Além das reeducandas, o viveiro também abriga outras trajetórias de superação. “Foi por meio dessa oportunidade que consegui mudar a minha vida e a da minha família”, afirma José Edson Vieira da Silva, 54 anos, deficiente visual e servidor da Novacap há cerca de 15 anos. Ele trabalha no setor de reaproveitamento de substratos no viveiro da empresa, onde os saquinhos para mudas são reutilizados até sete vezes.
Com orgulho, conta que foi graças ao seu trabalho que conseguiu formar os dois filhos — um deles com diplomas em relações internacionais e direito, e o outro cursando TI. “Aqui, a gente aprende a ser solidário. Tem colegas com dificuldades de locomoção, mas a gente se ajuda, se adapta, aprende junto”, diz. Edson também destaca a importância do trabalho como ferramenta de inclusão no mercado de trabalho. “É um caminho justo para todos, principalmente para quem, como eu, tem deficiência. A gente só precisa da chance para fazer a diferença na cidade também”, conta.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press