O aperfeiçoamento do Judiciário é a bandeira do presidente da Escola Nacional da Magistratura (ENM), desembargador Nelson Missias de Morais, que acaba de obter a aprovação para a primeira pós-graduação da instituição. Com a experiência de quem presidiu não só o Tribunal de Justiça de Minas Gerais como a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) e, ainda, foi vice-presidente por dois mandatos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Missias fala de suas metas à frente da ENM e de temas que assolam o Judiciário no momento.
Em 2024, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve uma explosão de judicialização, com mais de 39 milhões de novos processos distribuídos. Somente na Justiça comum, foram 26,7 milhões. O Judiciário brasileiro está preparado e estruturado para enfrentar esse problema? Quais as principais dificuldades e deficiências?Play Video
A excessiva judicialização é realmente uma questão a ser enfrentada permanentemente pelo Judiciário. Há dois caminhos a serem seguidos: acelerar a prestação judiciária, de um lado; e, de outro, trabalhar pela mudança da cultura. O primeiro caminho já tem sido seguido, com bons resultados, com o processo eletrônico e melhor capacitação da magistratura. O segundo tem sido buscado, com o incentivo à autocomposição entre as partes, à conciliação. Posso dar alguns exemplos recentes: o acordo conduzido pelo TJMG entre estados e municípios para devolução de bilhões de reais retidos indevidamente dos municípios; os acordos firmados para encaminhamento de soluções em torno das tragédias de Mariana e de Brumadinho, que estão pondo fim a milhares de processos, e o incentivo às regularizações fundiárias, que também evitarão milhares de ações. O recente acordo feito pelo governo federal a respeito das fraudes do INSS também pode ser lembrado, pois certamente evitará que entrem nos fóruns brasileiros pelo menos 2 milhões de novas ações.
O Judiciário tem sido tachado de praticar ativismo, como na decisão recente do STF em relação ao IOF, tema que, segundo críticos, seria de competência exclusiva do Legislativo. Como o senhor enxerga a atuação do Judiciário frente aos demais Poderes na atualidade?
O Poder Judiciário não é uma autarquia, um ente alheio ao mundo em que está inserido. É um órgão que faz parte ativa da sociedade e não pode fechar os olhos ao que ocorre em seu entorno. Mas ele não é um partido, não toma iniciativas; só age quando é demandado pela própria sociedade. Dessa forma, não pode ser acusado de “ativismo”, o que suporia tomar iniciativas; mas também não pode fugir às suas responsabilidades quando é chamado a intervir. Foi isso o que ocorreu nesse caso e em muitos outros.
O assunto do momento é a aplicação, pelo governo dos EUA, da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes e cassação dos vistos de oito dos 11 ministros do STF. O senhor, como presidente da ENM, entende que se trata de intervenção externa indevida? Qual é a sua opinião a respeito e qual acha que deve ser a posição do governo brasileiro?
Foi, sem dúvida, uma medida estranha, absurda, que não guarda correspondência com a grandeza da nação do mandatário que a proferiu e muito menos com uma ordem internacional de convivência democrática entre as nações. O ataque aos ministros se configura como uma afronta à própria Suprema Corte brasileira, que já reagiu e continua reagindo adequadamente, com firmeza, em defesa de nossa soberania. Mas é importante observar que a ofensiva do presidente Donald Trump será totalmente ineficaz, inócua, em seu objetivo de intimidar os ministros ou a Corte Suprema brasileira, para impedir punição, de forma exemplar, dos responsáveis por um golpe contra a nossa democracia. A influência da medida no julgamento do processo em curso — repito — será zero. E os ministros atingidos, certamente dentro de pouco tempo, poderão até incluir essa inusitada proibição em seus currículos, como troféus, por terem sido punidos por agirem com independência e para preservar os preceitos da Constituição brasileira.
Após deixar a presidência do TJMG, o senhor assumiu a ENM. A entidade tem cumprido
seu papel?
A missão da ENM, que permanece inalterada desde sua criação, é a de contribuir permanentemente com o aperfeiçoamento dos magistrados brasileiros, mediante cursos e outros programas de formação. O papel dela tem sido cumprido com louvor desde o início, graças à excelência do trabalho dos que me antecederam no cargo de presidente, dentre os quais me permito destacar o desembargador mineiro Caetano Levi Lopes.
A ENM, em 2024, lançou sua primeira pós-graduação, “Direito, Tecnologia e Justiça 4.0”, sob a coordenação do ministro Luiz Fux. Quais são as suas metas à frente da ENM e o que pretende deixar de legado de sua gestão?
Além dessa pós-graduação, muito bem-sucedida, eu destacaria outros acordos que fizemos, para possibilitar o aperfeiçoamento e a atualização de magistradas e magistrados. Vale citar, ainda, que procuramos nos aproximar das faculdades de direito, oferecendo a eles a possibilidade de garantir aos seus alunos mais informações sobre a atuação da magistratura, de forma a que os graduandos já concluam seus cursos com mais noções sobre ela, já que os atuais currículos universitários não possuem uma disciplina específica sobre esse tema. Recentemente levamos ao ministro da Educação o pleito para a própria ENM certificar os seus cursos de pós-graduação.
A ENM realizou, ainda, seminários em Harvard e em Stanford. Qual é a importância dessas iniciativas? Existe a preocupação que novos eventos como esses possam ser prejudicados pela crescente animosidade do governo norte-americano em relação ao STF?
Esses dois seminários foram muito proveitosos, pois nos permitiram travar conhecimento com práticas e teorias diferentes das que conhecemos e praticamos aqui. Em Stanford, debatemos com as maiores autoridades do mundo em inteligência artificial, democracia deliberativa e outros temas importantes. Mas nossas conexões não são apenas com os Estados Unidos. Temos convênios e acordos com instituições europeias, particularmente portuguesas, e da América Latina. Além do mais, governos mudam periodicamente, e as situações também podem mudar lá nos Estados Unidos.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Reprodução