Com recordes de visitação, Brasília busca consolidar imagem como destino turístico

Especialistas apontam atrativos da capital federal e avaliam maiores entraves para que a cidade figure de forma robusta na rota de destinos para viajantes que buscam além do centro político e de negócios

Brasília nasceu com vocação para o ineditismo. Cidade planejada, símbolo da modernidade, sede dos Três Poderes e arquitetura consagrada mundialmente, com traçado urbano singular. À primeira vista, o cenário parece ideal para o turismo: infraestrutura de ponta e atrações que unem história, arte e natureza. No entanto, na prática, a capital federal ainda falha em transformar esse potencial em uma experiência turística integrada. Falta a capacidade de se vender como destino — um desafio para os profissionais de gestão em turismo.

Apesar de figurar entre os 25 destinos globais em alta no Airbnb e atrair cada vez mais trabalhadores digitais, a cidade engatinha na organização de produtos turísticos. A impressão de muitos visitantes é de que Brasília não se oferece como experiência.

Para o pesquisador Renato Calhau, especialista em turismo, o principal gargalo é a falta de posicionamento. “Brasília ainda se vende de forma tímida. O turismo de negócios é forte, mas não pode ser o único. É preciso segmentar, estruturar experiências completas e transformar a visita em algo que desperte vontade de voltar”, argumenta.

Lúcio Montiel, guia de turismo há mais de 40 anos, avalia que há um bloqueio quando se trata da cidade. “Muitos visitantes, ao final da visita guiada, relatam que não imaginavam que Brasília era tão fascinante e sempre afirmam que querem voltar mais vezes”, detalha. “As pessoas se enganam, Brasília é diversa e oferece muitos atrativos”, afirma. 

Ausência de pacotes

A enfermeira Celifane da Silva Carvalho, 41 anos, concorda com Montiel. Ela veio do Maranhão para ficar em Brasília por dois dias participando de uma audiência pública. “Eu gosto de sair para passear, e procurei o que fazer dentro da cidade. Pretendo voltar em outras oportunidades, e quero poder conhecer melhor a cultura, a arte e a história”, prometeu. 

De João Pinheiro para o mesmo evento, Neide Aparecida Marques, 53, adiantou seus planos de retorno. “Eu gostei muito da cidade, quero vir depois de carro próprio para poder explorar melhor e conhecer tudo o que tem a oferecer, talvez eu contrate um guia de turismo”, garantiu.  

No Distrito Federal, existem 500 guias turísticos cadastrados no Ministério do Turismo. Mas, de acordo com Renato Calhau, o foco das agências de viagens locais precisa ser revisto. “As operadoras vendem muito mais pacotes de saída para os brasilienses do que pacotes de entrada para turistas. É um contrassenso”, lamenta.

De acordo com a Associação Brasileira de Agências de Viagem no Distrito Federal (ABAV-DF), não existem pacotes de turismo para Brasília, mas sim, serviços de agenciamento de viagens que podem incluir pacotes ou serviços individuais, como passagens e hospedagem. Consultadas pelo Correio, algumas agências confirmam que Brasília não está entre as prioridades do setor. A CVC informou que os pacotes prontos costumam ser para o Nordeste, mas, para Brasília, oferecem a possibilidade de montar de forma individual, assim como para qualquer outro destino. A AGM Turismo não vende pacotes para cá — apenas hospedagem, passagem e aluguel para carro. Por sua vez, a Britânica Turismo tem como foco viagens corporativas, mas se dispõe a ajudar a encontrar passagens e hospedagem. Já a Queensberry Viagens tem pacotes e viagens personalizadas para todos os continentes, mas a capital federal não aparece entre os destinos citados.

De Curitiba para participar de um congresso de enfermagem, Gemima Franco, 29, conta que fechou a passagem e a hospedagem sozinha, sem uma empresa de viagens. “Como eu faço plantões e tenho uma vida bem corrida, acredito que se eu tivesse ido atrás de uma empresa teria sido mais rápido e mais cômodo”, detalha.

Políticas públicas

Secretaria de Turismo do Distrito Federal (Setur-DF) aposta em três pilares principais: turismo cívico, arquitetônico e de negócios. E os números mostram que há avanço. De janeiro a abril deste ano, o setor movimentou R$ 28,3 milhões, alta de 50,8% em relação ao mesmo período de 2024. O número de turistas estrangeiros também cresceu: foram 44,2 mil entre janeiro e maio de 2025 — aumento de 78,3%.

A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Distrito Federal (ABIH-DF) estima que, no segundo semestre de 2025, o setor continue em ascensão graças à redução da alíquota de ISS de 5% para 3%.

Ainda de acordo com a Setur, o potencial brasiliense é diferenciado, pois é, ao mesmo tempo, capital política do país, Patrimônio Cultural da Humanidade e detentora de uma arquitetura modernista única no mundo. Além disso, tem localização estratégica no centro do Brasil, o que a coloca em vantagem para se tornar um hub de turismo nacional e internacional. Com um aeroporto que conecta todas as capitais do país e eleito o 4º melhor do mundo no ranking AirHelp 2025, também conta com uma gastronomia rica e variada, que valoriza tanto a culinária regional quanto a internacional.

Todas essas informações podem ser encontradas no aplicativo Brasília de A a Z, uma ferramenta para turistas e moradores explorarem os atrativos da cidade, lançado este ano. “Hoje, Brasília não apenas recebe mais visitantes, mas também se posiciona como referência em turismo de negócios, cultural e religioso. Esse crescimento é resultado de uma gestão que valoriza a inovação, a articulação institucional e a construção coletiva com quem faz o turismo acontecer”, argumenta o secretário de Turismo, Cristiano Araújo.

O especialista em turismo Renato Calhau enfatiza que existem exemplos de cidades com perfil semelhante ao de Brasília que conseguiram se destacar no turismo, especialmente cidades planejadas e administrativas, como Canberra (Austrália) e Washington, D.C. (Estados Unidos). “O caso de Canberra é bastante citado em estudos sobre turismo: assim como Brasília, trata-se de uma capital projetada, com forte função política, mas que também buscou diversificar sua imagem ao investir em atrações culturais, museus, eventos, áreas verdes e experiências urbanas voltadas para o público local e visitante”, explica o pesquisador.

Calhau aponta que a experiência internacional mostra que esses destinos alcançaram relevância turística ao apostar em políticas públicas integradas e contínuas, articulando patrimônio arquitetônico, eventos de grande porte, espaços culturais dinâmicos e circuitos gastronômicos. “O fortalecimento da oferta de museus urbanos, como ocorre em Brasília, Lisboa e Belo Horizonte, segundo estudos empíricos, foi fundamental para ressignificar suas imagens, ampliar o turismo de lazer e de negócios e atrair novos perfis de visitantes”, completa.

Entre os aprendizados desses exemplos, destaca-se a necessidade de diversificação da oferta turística, a valorização da identidade local, o uso estratégico da cultura e a promoção de redes colaborativas entre governo, setor privado e academia. “Promover experiências singulares e investir na integração entre espaços públicos, eventos culturais e infraestrutura de recepção turística são pontos-chave para cidades administrativas ou planejadas que desejam se consolidar como destinos atraentes para além do turismo político ou institucional”, conclui o especialista.

Administração eficaz

De acordo com o Conselho Federal de Administração (CFA), Brasília vem se firmando como um destino global, com recordes como os 982.256 visitantes em 2022 e um crescimento de 50,88% na receita entre janeiro e abril de 2025, com R$ 28,34 milhões injetados na economia local. 

“A administração de turismo, com seus métodos estruturados, é essencial para transformar esse potencial em resultados concretos. Por meio da gestão de dados de visitação, mapeamento de perfil de turistas e planejamento estratégico, o administrador pode criar roteiros otimizados, por exemplo, priorizando atrativos como o Templo da LBV (com mais de 500 mil visitantes) ou o Museu Nacional da República (cerca de 146 mil visitas)”, orienta o vice-presidente do CFA, Gilmar Camargo.

Ele reforça que, em conjunto com as mais de 1,7 mil agências de turismo em operação na capital, esse profissional pode coordenar melhor a oferta de pacotes integrados, melhorar serviços, elevar tempos de permanência e incentivar novos segmentos, como o turismo rural, cultural e ecológico, impulsionando o Parque da Cidade, o Parque Nacional de Brasília ou o Parque Dom Bosco como destinos estratégicos. 

“Ao alinhar pesquisa de mercado, planejamento de roteiros, atendimento multilíngue e indicadores de satisfação turística, o administrador contribui para gerar impacto socioeconômico sustentável, diversificar o perfil de visitantes e promover Brasília como destino de lazer competitivo no cenário internacional”, conclui Camargo.

Transformando a imagem 

Para Renato Calhau,  Brasília pode transformar a imagem de centro político em um atrativo turístico ao ressignificar seus símbolos arquitetônicos, históricos e culturais por meio de ações articuladas de marketing e políticas públicas voltadas para a valorização da identidade urbana. Além disso, o especialista acrescenta que as estratégias eficazes incluem promover eventos culturais, festivais, exposições e circuitos temáticos que ampliem o uso dos espaços públicos e reforcem a vocação de Brasília para o turismo criativo. “São fundamentais para ampliar o interesse dos visitantes e estimular a economia local”, finaliza.

 O professor Luiz Carlos Spiller Pena, da Universidade de Brasília (UnB), reforça que Brasília ainda deixa invisíveis muitos dos seus atrativos culturais, naturais e históricos. “Não basta ter aeroporto eficiente e hotéis. É preciso investir em serviços de qualidade, acessibilidade e, sobretudo, diversificação dos produtos”, defende.

O Distrito Federal tem legislação e instrumentos para desenvolver o turismo, como a Política Distrital de Turismo e o Planejamento Estratégico da área. Mas, na prática, segundo o pesquisador, a execução ainda é descontinuada e sem visão de longo prazo. “Brasília tem todas as condições de se tornar um destino internacional de peso, mas não com ações pontuais. É preciso gestão integrada, planejamento estável e promoção consistente”, reforça Pena.

Atendimento

No Centro de Atendimento ao Turista (CAT) é possível encontrar livretos, com a rota do rock, rota náutica, rota culinária, nota das uvas, mapa turístico. Mas, no local, não há informações sobre nada sobre pacotes turísticos. O turista é atendido de forma presencial ou por meio de telefone, das 8h às 18h, diariamente, e por se tratar de serviço público, é prestado de forma gratuita. Existem CAT’s no Aeroporto Internacional de Brasília Presidente Juscelino Kubitschek; na Casa de Chá, na Praça dos Três Poderes; e na Rodoviária Interestadual de Brasília.

 Destaques

» Patrimônio Cultural da Humanidade e arquitetura única

» Símbolo de poder e história

» Infraestrutura de ponta

» Oferta cultural e natural

» Reconhecimento e crescimento

 *Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Ed Alves CB/DA Press