Lixo mal separado é risco para as águas subterrâneas do DF

Vida útil do Aterro Sanitário de Brasília, criado para substituir o Lixão da Estrutural, está sendo reduzida por causa da contaminação de resíduos recicláveis por orgânicos. Especialista alerta que poluição pode atingir o lençol freático

Da forma como é operado atualmente, o Aterro Sanitário de Brasília (ASB), criado para substituir o Lixão da Estrutural, fechado em 2018, não garante a segurança das águas subterrâneas no Distrito Federal. Há risco de poluição do lençol freático devido ao descarte de resíduos contaminados, a exemplo do que aconteceu no Setor Habitacional Santa Luzia, na Cidade Estrutural, como mostrou a primeira reportagem da série O direito à água, publicada pelo Correio no último dia 17.

O alerta é da pesquisadora Vanessa Cruvinel, mestre em ciências da saúde e doutora em saúde coletiva pela Universidade de Brasília (UnB), que atua na região da Estrutural desde 2012 e, em 2017, coordenou o diagnóstico epidemiológico que embasou políticas de saúde e inclusão social para a transição dos trabalhadores do Lixão para os Centros de Triagem de Resíduos (CTRs).

A professora lembra que, à época, a desativação do Lixão da Estrutural, determinada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), foi considerada um marco inédito no Brasil, pois combinou o encerramento do maior aterro a céu aberto da América Latina com um processo de inclusão social e acompanhamento de saúde dos trabalhadores.

“Diferentemente de outros estados, o Governo do Distrito Federal não apenas construiu o ASB para receber os resíduos, como também, em parceria com a UnB, realizou um diagnóstico epidemiológico de cerca de 1,2 mil catadores, oferecendo atendimento médico e programas de saúde”, relata Vanessa.

Os trabalhadores foram organizados em cooperativas e transferidos para CTRs com infraestrutura adequada, contratos formais e apoio para garantir renda. “Essa articulação de políticas de saneamento, saúde pública e inclusão produtiva tornou o fechamento do lixão um exemplo pioneiro de transição socialmente responsável no país. Isso foi único no mundo, do ponto de vista da saúde pública”, ressalta a pesquisadora.

Desafio econômico

Porém, a mudança também trouxe desafios econômicos e ambientais. “Hoje, os catadores recebem, em média, um terço do que ganhavam quando trabalhavam na Estrutural. A renda caiu drasticamente. Eles têm mais segurança e menos exposição direta ao lixo, mas não conseguem sustentar a família como antes”, revela Vanessa.

A principal causa da queda na renda, segundo a professora, é a baixa qualidade do material reciclável que chega às cooperativas. “Em alguns meses, cerca de 70% do que entra nos CTRs é rejeito. Isso significa que a maior parte do que deveria ser reciclado vem misturado com lixo orgânico, que não poderia estar ali. Esse material estraga o reciclável, apodrece e forma chorume”, explica. Todo esse resíduo, inutilizado para reciclagem, é enviado ao Aterro Sanitário de Brasília, o que pode gerar um grave problema ambiental.

“Quando o lixo orgânico se mistura ao reciclável e não é tratado corretamente, o chorume pode se infiltrar no solo e contaminar o lençol freático em outros pontos do Distrito Federal, como ocorreu na Estrutural. É um risco real de repetirmos, em novas áreas, o passivo ambiental que vivemos com o antigo Lixão.”

De acordo com a pesquisadora, essa contaminação é potencializada porque o ASB não foi projetado para receber tanto material inadequado. “Deveria captar apenas rejeitos, mas, com essa quantidade de resíduos orgânicos misturados, a vida útil dele (do aterro) será muito menor do que a prevista. E, quanto mais chorume, maior a chance de infiltração e de contaminação de aquíferos.”

Medidas

Para evitar que a história se repita, Vanessa defende ações conjuntas de educação e fiscalização. “A separação correta do lixo precisa ser uma prática cotidiana, mas é uma mudança cultural que leva tempo. Precisamos de programas permanentes de educação sanitária nas escolas e nas comunidades, para que as crianças multipliquem esse conhecimento. Porém, só educação não basta: é preciso fiscalização e medidas que mexam no bolso. Quem descarta de forma errada deveria ser multado. Ou, ao contrário, quem separa corretamente poderia ter algum desconto na taxa de limpeza urbana, como incentivo”, propõe.

A professora lembra que o fechamento do Lixão da Estrutural foi um avanço, mas não pode ser visto como um ponto final. “Foi um processo vitorioso, mas não definitivo. Se o descarte continuar errado, a coleta seletiva perde eficiência, os catadores perdem renda, o aterro se esgota antes do previsto e o lençol freático volta a correr risco. É uma bola de neve que precisamos impedir agora”, conclui.

Insalubridade

Rozimeire Maria Alves, de 43 anos, trabalha como catadora desde a época do Lixão da Estrutural e estima que, hoje, a cada quatro toneladas de lixo recebidas para tratamento no CTR do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), cerca de 30% é orgânico. “Recebemos uma coleta seletiva que não vem totalmente limpa. Chega muito resíduo orgânico, bicho, comida. Isso estraga o maquinário e desvaloriza tudo: latinhas, PET, papelão”, reclama. “A empresa de coleta não separa nada, joga tudo aqui e a gente tem que fazer o trabalho. É insalubre. Mexemos com lixo sujo e contaminado, sem reconhecimento”, completa Rozimeire.

Também catador, Maurício Pereira Soeiro, 30, acredita que o material no DF é mais sujo do que em outros estados. “Em uma viagem técnica à Bahia, vimos que lá eles não pegam esse tipo de resíduo misturado. Aqui, processamos tudo. Inclusive, restos de comida e animais, o que é uma limitação e pode quebrar o equipamento”, ressalta.

Apesar dos problemas, José de Lima, 60, acha que as condições de trabalho dos catadores melhoraram. “Estou aqui há oito anos. A contaminação é ruim para a gente, sim. Mas, antes, trabalhávamos no chão. Agora tem esteira, horário definido e é bem melhor para todo mundo.”

Mesmo assim, Rozimeire destaca que a perda de renda por causa da contaminação do lixo é uma realidade. “No lixão, eu tirava cerca de R$ 3 mil. Quando fomos para o galpão, caiu para R$ 500. Tem gente que tira só R$ 200 por mês. Depende do valor do material, que está sempre caindo. A gente perde tempo e dinheiro. Se viesse mais limpo, ganharíamos mais”, relata.

Duas décadas de expansão

Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal confirma que o alto índice de rejeitos misturados aos recicláveis está reduzindo a vida útil do Aterro Sanitário de Brasília. Em nota, a autarquia disse que já planejou uma expansão, que garantirá mais 20 anos de operação, a partir de 2027, prazo que pode ser estendido com maior engajamento da população.

Além disso, segundo o SLU, “o aterro conta com impermeabilização do solo, tratamento de chorume, cobertura diária dos resíduos e ausência de catadores ou animais, o que evita a presença de pássaros, roedores e insetos transmissores de doenças”.

A autarquia ressalta que a gestão de resíduos é parte fundamental da saúde pública. “A varrição, a coleta diária de resíduos, a lavagem de espaços públicos e a remoção de descartes irregulares reduzem a proliferação de vetores de doenças”, esclarece.

Para sensibilizar os moradores sobre a importância de separar corretamente o lixo, equipes de mobilização percorrem as regiões administrativas, distribuem materiais educativos e usam carros de som, além de divulgar o aplicativo SLU Coleta DF.

O serviço de limpeza reforça que a colaboração da população é decisiva para evitar novos passivos ambientais e proteger o lençol freático no Distrito Federal. Para aumentar a qualidade do material reciclável, a autarquia ressalta que 90,3% da população urbana do DF é atendida pela coleta seletiva porta a porta e que o serviço será ampliado.

Porém, a coleta seletiva é realizada em dias alternados no DF e o resíduo reciclável deve ser colocado para recolhimento apenas nas datas indicadas.

“É fundamental que o cidadão consulte o aplicativo SLU Coleta DF ou o site slu.df.gov.br para verificar os dias e horários corretos de recolhimento em sua região. Os coletores não misturam os resíduos: eles recolhem o que está disposto, ou seja, a coleta programada para aquele dia”, informou a entidade, reforçando que os caminhões coletores contam com GPS para o monitoramento do cumprimento das rotas, mas é o cidadão que decide o que vai dispor para a coleta seletiva.

Sobre relatos de que os catadores teriam passado a ganhar apenas um terço do que recebiam antes, o SLU afirma que não há registros oficiais que permitam essa comparação. “O trabalho no lixão era autônomo, sem controle de renda, em condições precárias. Hoje, os catadores atuam em galpões alugados pelo SLU, com maquinário, infraestrutura e salubridade, e recebem pelo serviço de triagem e coleta seletiva”, destacou a autarquia. “Em 2025, os contratos de triagem passaram de 20 para 33, totalizando 53 contratos com 31 cooperativas e associações”, completou.

Atualmente, o SLU repassa cerca de R$ 3 milhões por mês às cooperativas, que também ficam com o valor obtido na comercialização dos recicláveis. “Como cooperados, os trabalhadores contribuem para o INSS, o que já possibilitou aposentadorias e benefícios por afastamento.”

Como separar o lixo

– Use um saco para recicláveis (verde ou azul) e outro para orgânicos/rejeitos (preto ou cinza); – Retire excesso de alimentos/líquidos. Não é necessário lavar. Basta remover restos visíveis antes de separar;
– Embale vidros com segurança. Envolva em jornal ou coloque dentro de garrafas PET para evitar acidentes;
– Pilhas, baterias, lâmpadas, eletrônicos e medicamentos devem ir para pontos de coleta próprios;
– Use sacos resistentes e bem fechados. Evite vazamentos e exposição de resíduos;
– Separe corretamente os resíduos: recicláveis secos (papel, papelão, plástico, metal) de orgânicos (restos de alimentos e papel sujo);
– Coloque o material para fora apenas no dia e horário corretos de coleta seletiva;
– Para condomínios: mantenha lixeiras de cores distintas (verde para recicláveis e cinza para lixo comum). Oriente moradores sobre horários e regras da coleta.

Fonte: SLU

Colaborou Ana Carolina Alli

Por Resenha de Brasília

Fonte Correio Braziliense

Foto: Breno Fortes/CB/D.A Press