Ser motorista de aplicativo tem se tornado uma profissão de risco no Distrito Federal. Crimes cometidos contra profissionais da categoria têm se tornado frequentes e preocupado autoridades e quem transporta os passageiros. No caso mais recente, uma viagem na madrugada de segunda-feira mudou a vida de Elias Alves, de 37 anos, que se dividia entre o trabalho de mestre de obras e as corridas por aplicativo, fonte de renda extra havia seis anos.
Ao aceitar uma corrida entre Águas Lindas (GO) e Recanto das Emas (DF), ele foi surpreendido pelo passageiro, que o esfaqueou várias vezes no pescoço. Elias conseguiu dirigir até o hospital, mas perdeu o controle do carro e colidiu contra um poste. Ele segue internado em estado grave.
O suspeito do crime, Gerlielson de Jesus, se entregou ontem à 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Norte) e está preso preventivamente, mas o caso reacendeu uma preocupação antiga entre quem vive das corridas: o medo de não voltar para casa. O episódio não é isolado. Há cerca de duas semanas, no último dia 13, o policial penal Henrique André Venturini foi assassinado por dois menores de idade, na QS 08 do Riacho Fundo II, enquanto trabalhava como motorista de aplicativo, também para complementar a renda.
Os casos ilustram a cruel realidade de precarização vivida pela categoria, que engloba, hoje, 871 mil motoristas, entre taxistas e condutores de aplicativos, segundo o módulo Trabalho por meio de plataformas digitais 2024, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). De acordo como o IBGE, 86,1% dos trabalhadores de plataforma atuam por conta própria e apenas 6,1% são empregadores. A informalidade atinge 71,1% do total, contra 43,8% entre os que trabalham fora das plataformas.
Medo
O motorista de aplicativo Luiz Henrique, 30, conhece de perto o medo que faz parte da rotina de quem trabalha nas ruas. Ele conta que começou a dirigir em 2017, mas parou após ser vítima de um assalto, em Samambaia. “Tinha acabado de finalizar uma corrida quando o passageiro anunciou o assalto. Levou o carro. Graças a Deus acharam o veículo no outro dia e ele não fez nada comigo, mas ficou o trauma”, relembra. Após alguns anos afastado, Luiz voltou a dirigir.
Com a experiência, ele passou a evitar determinadas regiões e horários. Para ele, as plataformas deixam a desejar quando o assunto é segurança. “Algumas mostram a nota do passageiro, quantas viagens fez, nome do local de embarque e de destino etc. Isso dá uma segurança maior. Outras só mostram a nota e endereço, não dão transparência”, reclama.
A sensação é de que dirigir virou sinônimo de vulnerabilidade, principalmente nas madrugadas e em áreas periféricas. O motorista de aplicativo Marco Aurélio, 47, trabalha há pouco mais de um ano no setor, mas acumula experiências que o fizeram repensar a própria segurança. “O aplicativo precisa fornecer mais proteção aos motoristas e exigir mais dados dos passageiros. Se tivesse uma checagem maior, uma conferência de quem está pedindo a corrida e para onde vai, ajudaria muito”, avalia.
Ele se lembra de um episódio suspeito, durante uma corrida para Ceilândia. “O passageiro queria que eu o levasse a uma área perigosa. Quando percebi a situação, parei o carro e pedi para ele descer. Na hora, ele saiu correndo. Depois, fiquei sabendo que ele estava com drogas e que queria usar meu carro para transportá-las. Chamei a polícia, mas ela não apareceu. A gente se sente desamparado. Não é só comigo: muitos motoristas passam por situações semelhantes e nem registram mais ocorrência, porque acham que não adianta.”
Exposição
O professor de Direito do CEUB e especialista em segurança pública Antônio Suxberger avalia que motoristas de aplicativo estão mais expostos à violência do que outros trabalhadores, pois dependem da checagem feita pelas próprias plataformas para aceitar passageiros. “Eles se apresentam ao serviço para transportar pessoas estranhas e confiam unicamente na checagem de identificação do aplicativo. A possibilidade de burla desse tipo de identificação é fator de risco para os profissionais”, afirma o especialista.
Suxberger ressalta que as plataformas precisam assumir parte da responsabilidade pela segurança dos condutores e adotar medidas mais rigorosas de prevenção. “Há medidas que reduzem o risco a que os motoristas estão expostos, mas a questão consiste em saber se os aplicativos estão dispostos a suportar essas medidas”, observou. Ele defende a restrição do pagamento em dinheiro e o aprimoramento da identificação dos usuários. “O incremento das medidas de identificação pode, sim, representar maior segurança aos motoristas”, completa.
Reivindicações
O presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo e Autônomos do Distrito Federal (Sindmaap-DF), Marcelo Chaves, classifica o atual cenário de segurança para os profissionais da categoria como “extremamente preocupante”. Para tentar reverter esse quadro, o Sindmaap-DF vai apresentar à Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) uma pauta emergencial de reivindicações. “Vamos defender a implantação do reconhecimento facial dos passageiros, um programa semelhante ao ‘Vigia mais Motorista’, do Mato Grosso, e a integração tecnológica entre as plataformas e os sistemas de segurança pública”, enumera Chaves.
Ele também cobra mais responsabilidade das empresas de transporte por aplicativo que, segundo ele, têm oferecido pouco suporte aos trabalhadores. “O atendimento é automatizado, frio e burocrático. As famílias das vítimas ficam desamparadas e os motoristas sobreviventes raramente recebem apoio psicológico ou indenizações. As empresas lucram diariamente com o trabalho desses profissionais e têm o dever de garantir condições mínimas de segurança e amparo”, conclui.
O Correio entrou em contato com a SSP/DF. A pasta informou que, devido ao regime de plantão, por conta do Dia do Servidor, não conseguiria responder à demanda no prazo. Já a Uber disse que iniciou a integração do botão “Ligar para a Polícia” com o Centro de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (190), permitindo que, ao acionar o recurso no aplicativo, a localização em tempo real e as informações da viagem sejam enviadas automaticamente às autoridades. Além disso, a empresa anunciou o início de um novo processo de verificação de usuários no Brasil, com selo de checagem, que será mostrado ao motorista antes da corrida.
Entramos também em contato com a 99 App, que não se manifestou até o momento. O espaço segue aberto.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Bruna Gaston CB/DA Press











