Nem as altas temperaturas ou o trânsito na região impediram os brasilienses de visitarem o Campo da Esperança da Asa Sul no Dia de Finados. Durante a manhã e tarde de ontem, moradores das mais diferentes regiões do Distrito Federal se deslocaram até o cemitério localizado na 915 Sul para prestar homenagens e honrar a memória de entes queridos. Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus), cerca de 600 mil pessoas passaram pelas seis unidades cemiteriais da cidade ao longo do fim de semana.
Para muitos, porém, o 2 de novembro não é marcado pela tristeza. “Hoje é um dia de saudade”, declarou Fátima Santos, 72, que visita todos os anos o túmulo do pai, da mãe e do irmão. “Honrá-los nesta data é uma forma de zelo e carinho. Queremos prestar homenagem ao que eles representam nas nossas vidas”, explicou a aposentada.
Acompanhada da família, Leopoldina Ferreira, 72 anos, compartilhou o sentimento. “Estamos aqui para matar essa saudade boa”, ressaltou a aposentada que, acompanhada da família, visitou os túmulos da mãe e do sobrinho. “Essa é a forma que encontramos de estar mais perto deles. Somos muito felizes de ter tido a honra de tê-los conhecido”, celebrou.
Nas camisas de Simara Rodrigues e Jairton da Silva, a saudade estava marcada no peito — o casal de professores foi ao Campo da Esperança com uma blusa que estampava a imagem de Lilian da Silva. “Minha cunhada, irmã caçula do meu marido, teve um câncer muito agressivo em 2018, ainda muito jovem, com 39 anos, e descobriu a doença em um momento muito complicado, porque havia acabado de se tornar mãe”, contou Samira.
“O bebê dela tinha apenas 13 dias e, ainda assim, ela lutou muito bravamente pela vida. Mas, infelizmente, ela nos deixou. Lilian era uma criatura linda, que sempre carregava esse sorriso lindo. Ela era maravilhosa e, sempre que estamos aqui por perto, fazemos questão de visitá-la”, disse a professora.
Também presente no Campo da Esperança, na manhã de ontem, a autônoma Maria Evelina, 63, prestou homenagem ao companheiro Nivaldo da Silva, que morreu em 2000 vítima de uma pancreatite. “Venho aqui religiosamente há 25 anos. Ele me faz falta até hoje, mas esse sentimento alivia essa época do ano. Vir aqui faz com que eu me sinta mais tranquila, porque, por mais que eu não possa vê-lo, eu sei que ele está aqui comigo. Eu o sinto nos momentos difíceis e sei que ele me ajuda”, declarou a viúva, emocionada.
Para além do elo familiar
No Dia de Finados, há quem aproveite a ida ao Campo da Esperança não só para honrar familiares e amigos, mas também para prestar homenagens a Ana Lídia Braga. Adornado por flores e brinquedos deixados por visitantes, o túmulo da menina de sete anos — que foi torturada, asfixiada, estuprada e morta em 11 de setembro de 1973 — é o mais procurado do cemitério. “Eu a visito todo ano. Venho ver meu pai e depois faço questão de vir aqui”, relatou Maria Helena, 72 anos.
A aposentada é uma das pessoas que se consideram devotas de “santa Ana Lídia” e buscam o túmulo para pedir graças. “Sempre acendo uma velinha por ela para pedir bênção”, citou. “Até hoje lembro da morte dela. Foi muito triste tudo o que aconteceu”, lamentou Maria Helena.
A visita ao jazigo de Ana Lídia também é uma tradição do servidor público Luiz Armando, de 62 anos. “É um caso muito emblemático para todos nós”, avaliou. “É muito chocante uma criança ter sido morta da forma como ela foi, mas tenho certeza de que ela está no céu com Deus e intercedendo por nós, principalmente pelas crianças como ela”, afirmou o homem que costuma pedir à garota bênçãos, pelas filhas e netos.
A Praça dos Pioneiros, ala do Campo da Esperança que celebra a vida dos responsáveis pela construção da capital federal, é outro endereço do cemitério que atrai visitantes e curiosos durante o feriado de Finados. “Quando venho ver meus familiares, sempre passo por aqui para prestar homenagem aos governantes e pessoas de notoriedade que ajudaram a botar nossa cidade de pé”, destacou o arquiteto Raimundo Oliveira, 68.
Em frente ao túmulo de Juscelino Kubitschek, a esteticista Maria Divina, de 59 anos, fez uma oração em agradecimento ao ex-presidente. “Desde que me mudei para Brasília, há mais de 40 anos, tenho a tradição de vir aqui no dia 2 de novembro. É uma forma que tenho de homenagear e agradecer Juscelino por ter fundado essa cidade linda e maravilhosa”, sorriu.
Programação especial
Entre homenagens e visitas, fiéis também lotaram a capela improvisada do Campo da Esperança da Asa Sul durante todo o dia de ontem para participar das missas que foram celebradas no cemitério. “Para nós, católicos, Finados é um dia de lembrança e oração”, frisou Padre Ângelo. “Nós lembramos de todas aquelas pessoas que já partiram e que estão no céu, e matamos as saudades delas por meio da oração”, acrescentou.
“Não é uma data carregada de tristeza, mas sim de esperança, porque nós acreditamos no céu e sabemos que nossos entes estão lá. Olhar para eles e saber que eles já estão lá acende no nosso coração o desejo de querer reencontrá-los um dia”, acrescentou.
Os mortos vivem
O Templo da Boa Vontade (TBV), pertencente à Legião da Boa Vontade (LBV), fez uma programação especial para o Dia de Finados, que contou com preces, distribuição de panfletos e publicações com mensagem fraternas e ecumênicas.
Para Maria Helena da Silva, pregadora do Templo da Boa Vontade, o momento tem o significado de celebrar a vida dos falecidos, chamando de dia dos vivos. “Os mortos não morrem, então, nesse dia, não celebramos os mortos, e sim, os vivos. Acreditamos que Deus é Deus de vivos, porque para ele, todos vivem. Significa que só estamos em outra dimensão; ora, encarnados aqui na matéria, ora, vivendo numa outra dimensão, mas vivendo.”
Essa mensagem é levada pela família de Paloma Alonso, 24, que há seis dias perdeu o avô de forma inesperada, vítima de um infarto, e com a família esteve na LBV em memória dele. “Pelo fato de ter sido algo inesperado, mexeu muito com a família, só que entendemos também que foi um chamado de Deus. Então, o dia hoje está mais puxado”, lamenta.
Apesar disso, Paloma conta que o sentimento da família está diferente, justamente por causa da crença espiritual. “Não é aquele desespero comum entre as pessoas. É claro que sentimos falta, era uma pessoa que amamos, mas essa parte do luto está nos fortalecendo bastante pelo fato de entendermos como funciona.”
Rafaela Souza, 23, perdeu o avô, Geraldo Pereira de Souza, um dos homenageados da cerimônia, há três meses e se sentiu emocionada em estar lá. “Nós vimos todos os anos para cá, sempre com a minha família, então esse é um local muito importante para estar aqui”, diz. “Eu me sinto muito feliz em ter vivido o tempo que eu tive com meu avô e poder vir aqui para relembrar essas memórias boas e tudo o que ele nos ensinou “, acrescenta.
Taguatinga
No Cemitério de Taguatinga, também recebeu muitos visitantes ontem. Neusa Maria Ribeiro Teles, dona de casa de 66 anos, que perdeu o marido em 2005, além de outros familiares ao longo do tempo, vê o Dia de Finados como um data difícil, e se se sente sem forças, desanimada com as lembranças dos que já se foram.
“Mesmo sabendo que esse é o fim de todos, que temos certeza que todos vão passar por isso; tenho uma saudade muito grande. Não que os outros dias não sejam de saudade, mas esse dia em especial traz à tona a lembrança de todos que já se foram”, lamenta Neusa.
Todos os anos, Bernadete da Silva Andrade, 68, tem o costume de ir com a família (irmã, filha, genro e as duas netas) ao cemitério para colocar flores nos túmulos de parentes que já partiram. “No caso da minha mãe, ela adorava rosa branca, então é uma maneira de a gente prestar homenagem a ela”, explica.
Igreja Messiânica
Reverência e profunda conexão espiritual marcaram o Culto às Almas dos Antepassados, realizado na tarde deste domingo na Igreja Messiânica Mundial do Brasil (IMMB), na 315/316 Norte. A cerimônia, que atraiu dezenas de fiéis, é o ponto alto de uma preparação que se estende por todo o ano dentro da comunidade. Em vez de flores, os devotos preenchiam formulários com os nomes de seus entes falecidos, transformando informações em oferendas de amor e oração.
O ministro Gimberlândio Patrício destacou a importância da gratidão e da ligação espiritual com os antepassados e refletiu sobre os ensinamentos de Meishu-Sama — o “Senhor da Luz”, fundador da Igreja Messiânica — acerca da reencarnação e da purificação espiritual. Ele lembrou que “quanto mais tempo o espírito permanecer no mundo espiritual, mais purificado se tornará”, e que esse processo é essencial para alcançar a felicidade.
Entre os fiéis que participaram do Culto aos Antepassados estava Daniela Giraldes, 55, messiânica há mais de quatro décadas. Vinda de Santos (SP) para visitar os pais, ela contou que a cerimônia sempre a emociona. “É sempre muito especial pra mim, desde criança. É graças aos nossos antepassados que estamos aqui, e essa é uma gratidão muito profunda e verdadeira”, afirmou.
Também presente, Regina Pereira, 63, pratica a fé messiânica há 45 anos e participou do evento ao lado da mãe, Durvalina Alves, 93, e da irmã, Cláudia Maria Pereira, 62. Para ela, o momento é de conexão e leveza. “Eles não morreram, estão com a gente. Quando levamos luz para os antepassados, também conseguimos caminhar com eles”, disse.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Lara Costa











