Uma câmera de visão limitada, instalada em 2020 no alto do teto da sala de exposições do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF), captou pouco do furto ocorrido na madrugada dessa sexta-feira (14/11). Na quarta-feira, já havia ocorrido uma tentativa, mas frustrada. Desta vez, a ação criminosa durou cerca de duas horas e resultou na perda de itens valiosos para a história de Brasília. O episódio transcende o boletim de ocorrência, a identificação e a prisão do suspeito e retrata um incômodo crônico: a falta de recursos e manutenção, deficiência na vigilância e descaso com a preservação do acervo.
Marcelo Cardoso da Silva é zelador há 20 anos no Instituto e trabalha com a esposa no local. Eles moram em São Sebastião, saem e voltam juntos para casa. Marcelo leva o cargo tão a sério que monitora, pelo celular, as câmeras antigas instaladas no museu. Às 4h26 de ontem, o telefone bipou: era um sinal de possível invasão. Ao abrir as imagens, notou a presença de um homem de bermuda, regata e chinelo tentando arrombar a porta de acesso à biblioteca e à sala dos servidores. Imediatamente, acionou os diretores.
Naquele momento, o invasor — ainda não identificado — havia cruzado o salão de exposições, que reúne mais de 500 peças. O ambiente é cercado por janelas e uma porta de vidro tão discreta que passa despercebida para quem não conhece a estrutura. A fechadura fica na parte inferior, quase escondida. Para chegar ali, precisou antes pular uma grade.
A contagem preliminar constatou o furto de 20 medalhas — seis delas comemorativas da instalação dos três Poderes da República, ofertadas por presidentes de países como Paraguai, Portugal, Cuba, México e Indonésia — e uma máquina de cortar cerca usada por Joffre Mozart Parada, engenheiro pioneiro na construção de Brasília. No furto do maquinário, o autor se feriu e deixou manchas de sangue no chão, vestígios que podem ajudar a polícia.
Filipe Oliveira, diretor do IHG-DF, explicou que os bens não têm valor monetário expressivo, mas relevância histórica. “São itens que dificilmente vamos recuperar. E que tinha importância grande”, afirmou. Segundo ele, o furto representa a situação vulnerável dos museus presentes no país. “Não é algo restrito ao nosso. Há falta de recursos e estrutura. Este é mais um retrato desse cenário difícil.”
As imagens vistas por Marcelo mostram o suspeito na grade, tentando arrombar a entrada. Caso tivesse conseguido, teria acesso a documentos valiosos, afirma o presidente do IGH-DF, José Theodoro Menck. “Por sorte, ele (autor) não conseguiu chegar a esse local, como a coleção da concessão Marechal José Pessoa e acervos de Adirson Vasconcelos”, pontuou.
Pela manhã, peritos criminais e papiloscopistas recolheram vestígios no local. Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido preso.
Valoração dos bens
Fundado em 1964 por Juscelino Kubitschek, o IHG-DF é uma entidade privada, sem fins lucrativos e reconhecida pela lei como utilidade pública federal. Anualmente, o espaço recebe de 6 a 7 mil alunos e funciona como centro de formação de professores de história e geografia.
Com orçamento apertado, a entidade sobrevive da contribuição dos associados e, eventualmente, de emendas parlamentares e convênios com o governo. O dinheiro cobre gastos administrativos, salários, material de consumo, luz, internet e impostos.
Em 2024, o museu conseguiu captar R$ 1,2 milhão do GDF, por meio da Secretaria de Cultura. Uma fração desse valor permitiu a contratação de um vigilante noturno, mas os pagamentos encerraram-se em julho deste ano, com o contingenciamento de verbas, e o vigilante deixou o posto. “A contribuição dos associados não cobre um terço das despesas. Por isso, há uma lei no qual o GDF paga até 90% das despesas do Memorial JK, da Catedral e também do IHGDF”, frisou o vice-presidente do instituto, Paulo Fernando.
Em duas décadas de trabalho, essa é a segunda vez que o zelador Marcelo presencia um furto no museu. No período da pandemia, um homem invadiu e pegou um violão que ficava exposto na obra que retrata a Casa de Diamantina de Kubitschek.
O Instituto tenta viabilizar a valoração do acervo por meio de emendas parlamentares e de uma parceria em construção com a Universidade de Brasília (UnB). Há a promessa de R$ 600 mil para auxiliar o processo. “Esses estofados são do primeiro cinema de Brasília. Mas não sabemos quanto custa, por exemplo, e olha como são lindos”, comentou um dos diretores, apontando para as poltronas bege.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves/CB


