O período de chuvas chegou e, com ele, o medo dos mosquitos da dengue. Mas nem todo mosquito é vilão. No Distrito Federal, cientistas produzem o wolbito — um Aedes aegypti “do bem”, que carrega uma bactéria capaz de bloquear o vírus da doença e transformar o inimigo em aliado.
De acordo com a Secretaria de Saúde, o DF registrou, até 8 de novembro de 2024, 278 mil casos de dengue e 440 mortes, o maior número dos últimos anos. O pico de contaminações ocorreu no início do ano, o que explica o alto volume de registros. Em 2025, no mesmo período, foram contabilizados cerca de 10 mil casos e uma morte, indicando uma redução de 96,3% em relação ao ano anterior. Em 2023, quando não houve surto, o DF havia registrado 29 mil casos e três óbitos no mesmo período.
Na tentativa de reduzir mais o número de casos, o método Wolbachia transforma o próprio Aedes aegypti em aliado no combate às doenças transmitidas pelo mosquito. A técnica consiste na liberação de mosquitos que carregam a bactéria Wolbachia, capazes de se reproduzir com os Aedes locais e formar, aos poucos, uma nova população — todos com a mesma característica: a incapacidade de transmitir dengue, zika e chikungunya.
O processo tem início em Curitiba, onde a biofábrica da Wolbito Brasil produz até 100 milhões de ovos de mosquitos com a bactéria por semana. Esses ovos são enviados em cápsulas para os Núcleos Regionais de Produção (NRP), atualmente localizados em Brasília e em Joinville (SC). Na capital do país, o processo oocorre no Núcleo de Controle Químico e Biológico, onde fica o NRP Oswaldo Paulo Forattini, que funciona como uma espécie de “berçário” do mosquito do bem.
Produção
Cada cápsula enviada de Curitiba contém cerca de 570 ovos inoculados com a bactéria que impede o desenvolvimento do vírus da dengue. Assim que chegam ao laboratório, as cápsulas são colocadas separadamente em potes plásticos com aproximadamente 500 mililitros de água e uma ração em pó, que serve de alimento para as larvas. Um pedaço de tule é firmemente preso à boca do pote permitindo a ventilação e a segurança dos mosquitos.
Os potes, então, são colocados em caixas e levados à uma outra sala, onde a temperatura é controlada e mantida entre 29°C e 30°C, numa condição ideal para o crescimento. Lá, durante sete dias, as larvas se desenvolvem até se transformarem em pupas, uma fase intermediária que antecede os mosquitos adultos. Depois desse período, o ciclo está completo e os primeiros insetos começam a surgir.
Quando chegam à fase adulta, os mosquitos são transferidos para um segundo ambiente, onde passam por um processo chamado de “drenagem”, quando a água dos potes é retirada, deixando apenas os mosquitos prontos para o voo.
Após isso, recebem uma solução açucarada oferecida em algodões umedecidos. Essa alimentação garante energia suficiente para que permaneçam ativos até o momento da soltura. Os potes e telas utilizados são higienizados e reaproveitados para os próximos ciclos de criação.
De acordo com Anderson de Morais Leocádio, chefe do Núcleo de Controle Químico e Biológico, o trabalho no DF é contínuo e exige cuidado em cada etapa. “Cada cápsula chega com centenas de ovos que precisam ser acondicionados em ambiente controlado. Monitoramos temperatura, iluminação e alimentação diariamente para garantir que os mosquitos se desenvolvam com a bactéria ativa e saudável”, explica.
Soltura
Para a soltura, os mosquitos saem ainda nos potes de plástico e são retirados do NRP por equipes da Vigilância Ambiental do Distrito Federal. Os insetos são transportados, em veículos preparados para o deslocamento, até as áreas de soltura definidas.
As liberações são feitas com mosquitos adultos, de forma manual e direcionada, sempre por servidores locais. Uma vez soltos, os wolbitos se reproduzem com os mosquitos selvagens e transmitem naturalmente a Wolbachia aos filhotes. Com o tempo, a nova geração de insetos com a bactéria passa a dominar o ambiente, reduzindo a capacidade de transmissão da dengue.
O projeto abrange 10 regiões administrativas do DF: Planaltina, Brazlândia, Sobradinho II, São Sebastião, Fercal, Estrutural, Varjão, Arapoanga, Paranoá e Itapoã — além de Luziânia e Valparaíso (GO). Os locais foram selecionados pelo Ministério e Secretaria de Saúde por apresentarem historicamente maior vulnerabilidade para ocorrência de casos de dengue.
Prevenção
O método está presente em 15 países, com evidências consistentes de redução significativa nas doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Em Niterói, os estudos apontam redução de até 89% nos casos de dengue, 60% de chikungunya e 38% de zika. No DF, como a biofábrica foi inaugurada em setembro, ainda não há como mensurar.
“Com o passar do tempo, a quantidade de mosquitos com Wolbachia aumenta até se tornar estável, sem a necessidade de novas solturas. Esse efeito torna o método autossustentável e uma solução acessível e duradoura para o controle das doenças transmitidas pelo Aedes”, conclui Anderson.
O emergencista Marcelo Neubauer explica que a dengue é uma doença que pode causar febre alta, dores intensas no corpo, náuseas e manchas vermelhas na pele. “O atendimento médico deve ser procurado logo no início dos sintomas, como a febre alta persistente e fraqueza. Além disso, caso os sinais de alarme, como vômitos intratáveis, presença de manchas no corpo, que pode significar a forma hemorrágica, e redução do volume de urina, o atendimento médico deve ser procurado com urgência”, alerta.
Talita Resende Leal Ferreira, infectologista do Hospital Anchieta Ceilândia, complementa que, antes dos sintomas aparecerem, é necessário estar alerta para as medidas de prevenção da doença. “É preciso manter as caixas d’ água fechadas, descartar corretamente os utensílios, as garrafas PET, não deixar água parada no jardim e comunicar a equipe caso visualize alguma área abandonada. Agora, com a volta das chuvas, a nossa principal medida é evitar a água parada”, destaca.
Ela acrescenta que a vacinação também é uma importante aliada no controle da doença. “O imunizante disponível no SUS contra a dengue é a Qdenga, que atua contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. Hoje, ela está disponível para as crianças entre 10 e 14 anos, por serem as mais atingidas. Ela é muito importante porque diminui a circulação do vírus e os sintomas graves nessa população”, informa. Para os adultos, a vacina está disponível em laboratórios particulares.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press











