Com a aproximação do fim do ano, o 13º salário volta a aquecer o orçamento das famílias e aumentar o movimento no comércio. No Distrito Federal, 1,72 milhão de trabalhadores deve receber o benefício, o que representa uma injeção estimada de R$ 10,59 bilhões na economia local, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O dinheiro extra, que costuma ser dividido entre a quitação de dívidas, compras de fim de ano e planejamento financeiro, chega num momento em que grande parte das famílias sente os efeitos do endividamento acumulado ao longo de 2025.
Segundo o Dieese, o Distrito Federal terá o maior 13º salário médio do país: R$ 5.877. O valor movimentado equivale a 2,6% do PIB local e 30,7% de todo o 13º pago na região Centro-Oeste. Desse total, 87,2% serão destinados a trabalhadores formais (R$ 9,2 bilhões); 8,2%, a beneficiários do INSS (R$ 871 milhões); e 4,5%, a aposentados e pensionistas do regime próprio do DF (R$ 479,9 milhões). O Maranhão e Piauí são os estados com o menor 13º — R$ 2.400.
Apesar disso, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC-DF), produzida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 76,5% das famílias brasilienses estavam endividadas em outubro, mantendo a tendência de alta observada desde fevereiro. São 819.778 famílias com dívidas a vencer, um aumento de 26,8 mil em relação ao mês anterior.
A inadimplência registrou ligeira queda, de 42,3% para 42,1%, o equivalente a 450.729 famílias. Já o grupo que declara não ter condições de pagar aumentou para 18,4% (196.931 famílias), o que representa um acréscimo de 12,3 mil novos casos.
Presidente do Sistema Fecomércio-DF, José Aparecido da Costa Freire avalia que o 13º salário deve exercer papel decisivo para aliviar o endividamento das famílias brasilenses nos próximos meses. Ele destaca que a chegada dos R$ 10,59 bilhões previstos para circular na economia do DF, tende a contribuir para a reorganização financeira de grande parte da população. “Além de ajudar na quitação de dívidas, ele pode ser direcionado para uma poupança, para o planejamento familiar, para viagens de fim de ano e, claro, para movimentar o comércio durante a Black Friday (hoje), o Natal e o réveillon”, destaca.
Finanças pessoais
Os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência mostram estabilidade no comprometimento da renda, que se manteve em 22,1% — índice inferior aos 29,6% registrados nacionalmente. O atraso médio das contas caiu de 74 para 69 dias, o que aponta para maior esforço das famílias em regularizar a vida financeira. Apesar de a inadimplência continuar acima de 40% desde o fim de 2024, os indicadores de estabilidade sugerem que o cenário de juros elevados dos últimos anos começa a perder força.
O economista João Gabriel Araújo, professor do Ibmec Brasília, afirma que a principal tendência para o uso do 13º salário, em 2025, continua sendo a quitação ou renegociação de dívidas, especialmente entre consumidores da região do Entorno e outras cidades de menor poder aquisitivo. “É economicamente vantajoso aproveitar esses abatimentos elevados. Para grande parte da população, pagar dívidas é a prioridade e traz um alívio concreto”, explica.
Nas regiões de maior renda do Distrito Federal — como Lago Sul, Lago Norte, Asa Sul, Asa Norte e Noroeste —, o comportamento é diferente. Segundo o economista, famílias com maior estabilidade financeira conseguem dividir o uso do 13º entre poupança, investimentos, viagens e compras de fim de ano.
“Esses grupos se organizam melhor e utilizam o recurso não só para poupar, mas também para gastar com turismo, trocar o carro ou adquirir bens”, aponta. Ele ressalta, porém, que mesmo entre esses consumidores mais confortáveis, há preocupação com despesas fixas que se acumulam no início do ano, como IPTU, IPVA e matrículas escolares.
Black Friday
A liberação das primeiras parcelas do 13º salário também deve impulsionar o movimento da Black Friday no Distrito Federal, considerada uma das datas mais importantes para o varejo local. Lojistas projetam a circulação de cerca de 160 mil consumidores nas lojas e nos shoppings entre hoje e amanhã, número diretamente influenciado pelo início do pagamento do benefício a trabalhadores públicos e privados.
Para ampliar o fluxo de clientes, o setor aposta em promoções mais agressivas, horários estendidos e reforço publicitário. As ofertas se concentram principalmente em itens de maior apelo, como vestuário, eletrodomésticos e eletrônicos, categorias tradicionalmente associadas ao uso do 13º salário. Segundo o Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista), a orientação aos lojistas é manter os descontos até amanhã, quando o tempo livre do consumidor tende a aumentar — e o dinheiro do 13º começa a chegar às contas.
Presidente do Sindivarejista, Sebastião Abritta afirma que a antecipação das compras de Natal ganhou força nos últimos anos, e a Black Friday se tornou a principal porta de entrada desse movimento. “É uma data que se consolidou em todo o país, trazendo vantagens para quem gosta de comprar pagando um pouco menos. E vantagens também para o comércio, que vende mais”, destaca.
O valor médio previsto para o gasto de cada cliente para este ano é de R$ 390, alta de 28% em relação aos R$ 305 registrados no ano passado. Nos meios de pagamento, cartões de crédito e débito devem responder por 47% das transações, seguidos por Pix (29%), dinheiro (15%) e crediário (9%).
Indo às compras
Há três meses, Yasmim Tamires, 25 anos, mudou-se com a filha, de 8 anos, para a casa nova, em Luziânia (GO). O cheiro de mobília recém-comprada ainda está no ar, mas também as prestações. Parte do empréstimo que viabilizou os móveis foi quitada com o décimo terceiro.
A jovem trabalha em um food truck de sorvetes, no Conjunto Nacional. Ela recebeu a primeira parcela do benefício nesta semana. A segunda, prevista para dezembro, já tem destino. “Vou mobiliar o quarto da minha filha. Ela precisa de uma cama nova. É pagando uma e entrando em outra (prestação)”, brinca.
O vendedor de lanches Jackson Ribeiro, 28, conta os dias para receber o 13º salário. Morador do Novo Gama (GO), ele trabalha na área central de Brasília e quer comprar uma televisão. Há um ano, a TV que tinha em casa quebrou e precisou adaptar-se à tela do celular. Com salário de R$ 1,5 mil e despesas mensais próximas de R$ 1 mil, o gasto foi sendo adiado. “Por enquanto, só acompanho as coisas pelo celular.” Disposto a comprar o novo eletrônico, ele estima. “Até R$ 2 mil dá, né? Quero pagar à vista. Dessa vez, eu compro.”
Em frente a uma joalheria, Ricardo de Freitas, 34, observava os anéis expostos. “Quero ver se consigo comprar algo para a minha esposa neste 13º.” O operador de plano de saúde recebeu a primeira parcela em julho e quitou as dívidas. “Ajudei a limpar o nome da minha mulher.” Em dezembro, receberá a segunda e pretende poupar para comprar um carro. “Uma parte vou reservar. Mas ainda preciso comprar uma mesa de jantar e quero uma TV de 66 polegadas”, espera.
Cautela
Enquanto muitos ainda decidem qual será o melhor destino para o valor extra, o professor de administração e ciências contábeis da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FMPB), Alex Fabiane Teixeira, alerta que um dos principais erros cometidos pelos trabalhadores ao receberem o 13º salário é tratá-lo como um dinheiro extra, fora do planejamento anual.
Para ele, três comportamentos se repetem nesse período: compras por impulso, desconsideração de dívidas caras e falta de organização para as despesas do início do ano. Na hora de decidir entre pagar dívidas, investir ou consumir, Teixeira afirma que é preciso levar em conta a situação financeira individual.
“Se a pessoa tem dívidas com juros elevados, a prioridade é quitá-las. Não existe investimento tradicional que supere o juro do cartão de crédito, por exemplo”, ressalta. Caso as dívidas estejam controladas, ele sugere uma divisão equilibrada do valor. “Costumo indicar algo em torno de 40% para reduzir dívidas menos urgentes, 40% para reserva ou investimentos e 20% para consumo consciente”, afirma.
O professor ressalta que é essencial reservar parte do benefício para garantir um início de ano mais tranquilo, já que janeiro costuma trazer gastos como IPVA, IPTU, matrícula escolar e seguros. “Quando o 13º deixa de ser visto como bônus e passa a ser tratado como instrumento de planejamento, o orçamento fica mais equilibrado e eficiente”, destaca.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves/CB











