Chatbots: ajudam ou atrapalham? O dilema de ser atendido por um robô

Robôs estão por toda parte no atendimento on-line, mas, às vezes, a conversa fica "andando em círculos" com as respostas automáticas, sem que a dúvida seja resolvida. Saiba o que diz o Código de Defesa do Consumidor e o que fazer nessas situações

Chatbots — conversas com robôs — têm se tornado bastante comuns quando o assunto é atendimento ao cliente. Você pode se deparar facilmente com esse tipo de ferramenta ao enviar uma mensagem para o WhatsApp de alguma empresa e receber a resposta em segundos ou ligando para saber mais informações sobre um serviço prestado por algum estabelecimento. Eles podem ajudar ou causar grandes frustrações quando o consumidor não consegue a informação desejada ou não tem seu problema solucionado.

Conversas automatizadas são excelentes para introduzir o consumidor no atendimento e direcioná-lo para o setor que melhor irá atendê-lo. Mas empresas de telefonia, energia, bancos e planos de saúde devem oferecer, de forma acessível, a opção de conversar com um atendente humano. “Negar essa alternativa viola o dever de atendimento eficaz e o direito à informação e pode caracterizar prática abusiva quando a tecnologia não resolve a demanda”, explicou o advogado especialista em direito do consumidor Fernando Moreira.

Aline Moreira, 42 anos, tentou marcar uma consulta em uma clínica de estética recomendada por uma amiga, mas passou por bastante estresse com o atendimento via WhatsApp. Ela conta que enviou uma mensagem bem clara com o que desejava, frisando que queria apenas uma consulta para avaliação. Em segundos, seu telefone vibrou com a resposta padrão do ‘bot’ — atendente virtual que responde automaticamente — perguntando o que ela queria. “Eu tive que reescrever tudo o que eu queria saber sobre a consulta, valor, agenda e como funcionava”, disse Aline.

Mas a dor de cabeça mal tinha começado. Segundo a mulher, ela precisou responder a perguntas que ela já havia mencionado nas duas primeiras mensagens. “Chegou um momento que eu desisti. Eu mandei uma mensagem explicando direitinho o que eu queria, mas ele ficava retornando com perguntas que já haviam sido respondidas, nem eram mensagens com opções, então eu só decidi deixar de lado”, lamentou Aline.

Esse ‘looping’ — quando o ‘bot’ responde a mesma coisa ou segue o mesmo caminho sem resolver o problema do usuário — é uma queixa bastante comum entre os consumidores que fazem o atendimento on-line. “O tempo desperdiçado com um atendimento ineficaz é reconhecido pela jurisprudência como ‘desvio produtivo do consumidor’, passível de indenização”, diz o advogado Fernando Moreira. Documentar o looping com prints ou gravações, anotar a data, a hora e o protocolo do atendimento são passos essenciais para registrar uma reclamação no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) — ou, caso o problema não tenha sido solucionado, no Procon.

Cansativo

Miguel Araújo, 20 anos, também teve problemas envolvendo o atendimento com robôs. Ele relata que precisava de alguns documentos da universidade e, para isso, entrou em contato pelo WhatsApp da instituição. Porém, mesmo após responder todos os tópicos que o bot solicitou, ele não conseguiu o atendimento humano. “Eu fazia tudo direitinho, mas quando chegava na parte de passar para algum atendente, eu ficava esperando por bastante tempo e tinha que recomeçar com o bot. Fiquei fazendo isso o dia inteiro, mas só consegui que alguém me atendesse no dia seguinte”, relembrou o estudante.

Miguel não foi o único que passou por essa experiência cansativa. Juan Gabriel, 19 anos, ficou sabendo de uma vaga de emprego em uma sorveteria, e o currículo devia ser enviado pelo WhatsApp da loja. Ao tentar falar com um representante da empresa, Gabriel recebeu apenas respostas automáticas do sistema. “Eu tentava falar com os atendentes humanos da loja, mas não conseguia de jeito nenhum. Eu só consegui ser atendido por alguém no dia seguinte e somente depois que eu liguei no estabelecimento”, reclama.

Fernando Moreira afirma que as empresas têm um prazo legal de, no máximo, sete dias para responder às demandas que foram iniciadas pelos robôs. “Uma vez registrada a demanda no SAC, ainda que por chatbot, nasce o dever de resposta. O uso de IA não suspende nem alonga prazos previstos em lei ou em regulação, sob pena de caracterizar atraso injustificado no atendimento ao consumidor”.

O que diz o Procon

Atendimentos feitos por bots que não permitem que o consumidor tenha seu problema solucionado ou que atrapalhem o processo de resolução são considerados obstáculos, e não mais uma ferramenta. “O art. 6º, inciso III, do CDC garante ao consumidor o direito à informação clara, adequada e ao atendimento eficaz. Além disso, o art. 4º do CDC impõe o dever de respeito à boa-fé e à harmonia nas relações de consumo, o que é incompatível com atendimentos confusos, ineficientes ou inacessíveis. O Decreto nº 11.034/2022 (Lei do SAC) determina que o atendimento deve ser rápido, acessível e resolutivo.”

O consumidor deverá acionar o Procon quando o chatbot não resolver a questão, mesmo após várias tentativas, quando o consumidor não tem acesso a um atendente humano ou quando a empresa ignora protocolos e mensagens. “A Lei do SAC reforça que o atendimento não pode ser apenas formal, ele precisa resolver de verdade.”

O Procon também orienta que as empresas ofereçam, além do atendimento por IA, alternativas que sejam claras e acessíveis aos consumidores e que consigam resolver as demandas que os bots não conseguem solucionar. “Se a IA não resolve, a empresa é obrigada a oferecer atendimento humano como alternativa real. Forçar o consumidor a permanecer preso a um robô ineficiente pode configurar prática abusiva, violação da boa-fé e desvantagem excessiva ao consumidor”.

Cuidados

Leonardo Werlang, chefe na área digital, explica que as empresas que optam por uso exclusivo de inteligência artificial nos atendimentos, devem garantir que todas as informações contidas no contrato, condições, regras e ofertas devem ser repassadas ao consumidor de forma clara, fácil de entender e sem limitações.

Além disso, a recusa da IA em encaminhar o cliente a um atendente humano pode ser denunciada como prática abusiva. “Essa prática pode ser enquadrada no Decreto SAC nº 11.034/2022 para empresas reguladas pelo Poder Executivo Federal, sendo incluídas empresas de telefonia, bancos, saneamento, energia, água e companhias aéreas”, afirma Leonardo. É também um dever dessas empresas gerar protocolos para esse atendimento, independentemente de ter sido realizado por um robô ou não.

O especialista também destaca que, mesmo que o atendimento tenha sido realizado por um chatbot, ele tem peso na hora da decisão judicial. “O Judiciário reconhece que os conteúdos gerados por IA dentro de canais oficiais dos fornecedores têm valor probatório para todos seus efeitos”. Portanto, o ideal é que o consumidor preserve todas as mensagens, com prints, gravações de tela ou filmagens, para que a autenticidade não seja questionada.

*Estagiária sob a supervisão de Tharsila Prates

Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Caio Gomez