Depressão: arte e bike ajudam a tratar doença

Bombeiro militar reformado leva música para todos os cantos do DF de bicicleta. João Filho superou a depressão e decidiu espalhar paz e alegria

O Distrito Federal tem sido usado como palco a céu aberto para o músico João Alves da Cruz Filho. Diagnosticado com depressão, há oito anos, ele decidiu transformar a própria dor em versos e refrões para tocar a vida das pessoas com a música. Bombeiro militar reformado, João Filho, como é mais conhecido, encontrou uma maneira única de levar alegria e emoção aos moradores e visitantes da capital: pedalar por toda a cidade enquanto canta ou toca saxofone. Cada nota do instrumento é uma mensagem de esperança e cada pedalada, um gesto de amor.

No repertório, clássicos da MPB, bossa nova, jazz e músicas românticas antigas. O músico, de 54 anos, não pretende competir com as rádios e aplicativos de streaming que tocam músicas atuais. “A galera já ouve muita música popular, então quando eu venho para o espaço público apresento uma proposta menos acessível e acessada, como Tom Jobim, Nelson Gonçalves”, explica.

E tudo do que João Filho precisa, além do comprometimento e da empatia com o próximo, é de sua bicicleta, seu sax e o equipamento de som portátil que carrega enquanto visita as regiões administrativas do DF. Por onde passa, encanta pessoas de todas as idades e gêneros. Além de cantar e tocar nas ruas, o artista também é contratado para se apresentar em bares e restaurantes da capital federal.

Ainda durante sua carreira no Corpo de Bombeiros do DF (CBMDF), João Filho enfrentou uma dura batalha contra a depressão, que o levou a buscar uma nova maneira de lidar com seus sentimentos e redescobrir a alegria de viver. A combinação inusitada entre a bicicleta e a música funcionaram como terapia pessoal, mas logo se tornou uma missão de vida para ele, que agora dedica suas pedaladas a espalhar mensagens de esperança e superação.

A música foi a maneira que João encontrou de se comunicar com o mundo e de ressignificar sua dor. Ele usou o próprio tratamento como forma de expandir a terapia para a sociedade. O ex-militar já tocava violão e tinha na música o seu hobby favorito. Depois da morte do pai, em 2018, a depressão voltou com força e o psiquiatra sugeriu que ele aprendesse a tocar outro instrumento. Foi quando decidiu tomar aulas de saxofone e de canto.

“Eu sempre amei a música e, depois de me aposentar do CBMDF, pensei em uma maneira de continuar contribuindo para a comunidade. Pedalar pela cidade e tocar sax foi a forma que encontrei de trazer um pouco de paz e felicidade para o dia das pessoas”, conta.

Com as palavras “amor” e “coragem” tatuadas no rosto, ele canta e toca para lembrar a si mesmo e aos outros da importância desses dois valores no resgate da saúde mental.

“Amor e coragem foram as duas coisas que precisei para superar a depressão. Todos os dias, quando me olho no espelho, lembro que devo viver com amor e enfrentar a vida com coragem”, explica.

Para alcançar o maior número de pessoas, João Filho escolhe as suas rotas de forma estratégica e passa por locais movimentados como o Parque da Cidade, pontos de ônibus, estações do metrô, Rodoviária do Planto Piloto, praças e diversas regiões administrativas.

Conexão humana

O músico-ciclista acredita que, ao levar as canções para as ruas, pode tocar a vida de pessoas que também estão enfrentando momentos difíceis. “Às vezes, um sorriso, uma palavra ou uma melodia que desperta uma boa recordação, já são suficientes para mudar o dia de alguém. Isso me lembra de como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença”, celebra João.

Diariamente, ele acorda cedo e pedala sem roteiro fixo, parando em praças, ruas movimentadas e parques, onde improvisa apresentações com seu saxofone. O som suave e melódico do instrumento chama a atenção de quem passa, e, em pouco tempo, um grupo de curiosos se forma ao seu redor. “Ver as pessoas parando por alguns minutos para ouvir a música, sorrindo, ou simplesmente se emocionando, é algo que me preenche de uma maneira indescritível. Isso me dá força para continuar.”, conta o ex-bombeiro.

Para a moradora de Brazlândia Maria Aldina Serra, a música de João Filho transportou suas lembranças até uma viagem que fez a Europa e a fez lembrar do pai falecido há seis meses. Ao ouvir a melodia entoada pelo sax na Rodoviária do Plano Piloto, ela deixou a fila do ônibus para registrar o momento. “Só vi uma iniciativa igual a desse artista na França quando cantei, dancei, me senti livre. Estou revivendo a mesma sensação aqui. É maravilhoso. E a música que ele tá tocando agora me lembra muito o meu paizinho que se foi há seis meses”, declara, emocionada.

João Filho também é convidado frequentemente para falar sobre sua experiência em rodas de conversa e eventos voltados para a conscientização sobre saúde mental. Para ele, é fundamental que mais pessoas entendam que a depressão é uma doença séria, mas que há maneiras de buscar a cura e seguir em frente. Por isso, também faz visitas regulares a hospitais, escolas e casas de convivência de idosos, levando sua música para aqueles que mais precisam de uma dose extra de alegria e conforto. “A música reaproxima as pessoas e tem o poder de curar, de tocar a alma. Sempre que visito um desses locais, sinto que estou realmente fazendo a diferença na vida das pessoas”, explica.

“Eu sei o quanto é difícil. Passei por momentos em que parecia que não tinha mais saída. Mas o amor, a música e a coragem me ajudaram a continuar. Quero que as pessoas saibam que é possível superar essa dor”, acrescenta João, emocionado.

Esperança

Para o futuro, João não pensa em se aposentar da música e pretende continuar pedalando, cantando e tocando saxofone pelas ruas do Distrito Federal. Ele sabe que, a cada dia, novos desafios podem surgir, mas acredita que a música e sua força de vontade continuarão sendo seus aliados na jornada para trazer alegria ao próximo. “Não importa aonde a estrada me leve, sei que estarei levando amor e coragem comigo. E sempre na minha bicicleta”, destaca.

Sonhador, João tem o desejo de multiplicar seu projeto ao qual chama carinhosamente de Meia Boca e ver outras iniciativas com o mesmo objetivo. “Eu queria que tivessem mais músicos, mais arte, mais apoio das pessoas e do governo porque um país próspero se constrói com arte”, conclui. Enquanto isso, os brasilienses continuam desfrutando das melodias que ecoam pelas ruas. Uma lembrança constante de que, às vezes, os gestos mais simples são os que mais tocam os corações.

João Filho é um símbolo de resiliência, esperança e generosidade na capital federal. Sua história, sua arte e seu exemplo servem de inspiração para quem acredita que, apesar das dificuldades, é possível encontrar beleza e propósito na simplicidade de fazer o bem. E que notas de amor e cifras de coragem podem tornar-se refrões poderosos capazes de transformar os sons do cotidiano em uma experiência musical extraordinária.

Por Afonso Ventania do Jornal de Brasília

Foto: Afonso Ventania / Bikerrepórter do Jornal de Brasília / Reprodução Jornal de Brasília