Ex-reitor e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o professor emérito José Geraldo de Sousa Júnior considera correta e medida essencial para a soberania nacional o bloqueio das atividades do X (antigo Twitter), determinado pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, Elon Musk, o bilionário dono do X, tem interesses ilegítimos ao desafiar a autoridade do STF e se negar a cumprir suas decisões. Por isso, o bombardeio.
Mas José Geraldo acredita que Alexandre de Moraes terá apoio do STF e das instituições democráticas contra os críticos que o consideram poderoso demais e autoritário. “Ele (Moraes) tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados”, afirma o professor, um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
O jurista também elogia os ministros Rogério Schietti e Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisões na esfera criminal que garantem os direitos de réus de serem julgados dentro do devido processo legal, independentemente do crime cometido e da “opinião publicada”.
O Supremo Tribunal Federal bloqueou as atividades do X (antigo Twitter) por descumprimento de decisões judiciais. A medida foi correta?
Corretíssima e em defesa da soberania nacional e dos interesses da sociedade, conforme previstos na Constituição e nas leis. Contra elas apenas setores obscurantistas e autoritários, associados à ganância e ao lucro a qualquer custo.
Na sua visão, o que Elon Musk pretende com esse bombardeio ao ministro Alexandre de Mores?
Quem acompanha o ativismo de Musk na esfera global tem notado que o cerne de sua atuação é o de instituir de modo privado na estrutura de governança política representada pelo Estado de Direito caracterizado pela democracia, o processo eleitoral, o funcionamento constitucional das instituições, incluindo as legislativas e as judiciárias, para criar uma “governança clandestina” (uma espécie de “estado privado e profundo”). Não só com X, mas também com a Starlink, que serve a esses objetivos, e já instalada em áreas sensíveis de segurança do país, com planos de conexão de escolas, na atuação tática da área de mineração, especialmente no território amazônico, do Brasil e dos países que compartilham o bioma, suas riquezas estratégicas, em seu significado nacional, regional e global e que pode servir para ludibriar decisões judiciais. O STF e não só o ministro Alexandre de Moraes parecem ter se dado conta disso.
Existe um movimento político contra o ministro Alexandre de Moraes. Acredita que ele vai vencer essa batalha?
Sim. Porque ele deverá contar com a solidariedade crítica do próprio Supremo, dos meios de comunicação não corporativos e não associados ao financiamento de setores do capital aliados a esse projeto e da reserva de consciência jurídica nutrida nas instituições democráticas.
Os críticos dizem que o ministro Alexandre de Moraes tem poder demais. Qual a sua opinião?
Ele tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados. Não foi assim no inquérito 470 do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Ação Penal (AP) 470 (Conhecida como Mensalão)? Não foi assim no lavajatismo, que levou a cunhar um termo novo, o lawfare? Em qualquer caso, o devido processo legal é que deve presidir o juízo crítico da atuação judicante, e não a opinião publicada.
Ao convidar o ministro Alexandre de Moraes para a tribuna de honra do desfile do 7 de Setembro, o presidente Lula passa alguma mensagem?
A mensagem que confia e que se submete ao governo do direito. Agora e quando se submeteu às decisões que o sentenciaram à prisão por mais de 500 dias, até ser inocentado, no âmbito do devido processo legal, sem recorrer a mobilizações subalternas que ainda se dão nos 8 de janeiro, nos 7 de setembro e nas injunções anticonstitucionais por auto-anistia.
Acha que estamos evoluindo na jurisprudência penal do STJ?
Penso que sim. Quando um ministro — Rogerio Schietti — decide que “a confissão como fonte para uma eventual avaliação judicial do acusado só pode ter valor quando prestada em um ambiente institucional próprio, com garantias”, confirma essa evolução.
O garantismo vem predominando nas decisões. Isso é positivo?
Ainda não, mas já aponta um horizonte descortinável, positivo, de avanço. Veja as decisões da ministra Daniela Teixeira no reconhecimento de provas produzidas com violação do direito ao silêncio, garantido constitucionalmente. Aqui neste espaço do Direito & Justiça, a ministra fez profissão de fé garantista: “Na prática, eu sempre vou garantir o direito de defesa do réu. Por pior que tenha sido o crime por ele cometido. Ele matou? Tem prazo para a prisão, tem direito a atenuantes, tem direito a tratamento digno. Sei que muitas pessoas não entendem, criticam e me mandam “adotar o criminoso”. Mas vou sempre acreditar na força da lei, nas regras decididas pelo Poder Legislativo, que representa o povo. Como juíza, cabe a mim aplicar a lei processual e a lei penal e não fazer julgamento moral do réu”.
Qual é o principal debate jurídico que precisa ser travado neste momento, na sua avaliação?
Não fazer da lei uma promessa vazia de realização do Direito. Discutir o acesso democrático à Justiça e a própria Justiça a que se quer acesso. Ser guardião, como escreveu um colega meu Antonio Escrivão Filho, e não porteiro da Constituição (Kafka), principalmente em temas como direitos humanos (vida), em face do neoliberalismo (coisificação do humano). Fazer-se teoricamente sensível às exigências do justo (conforme vem indicando o CNJ sobre protocolos para decisões com enfoque de gênero, antirracistas, atentas a sistemas ancestrais de juridicidade). Compreender que a Constituição não é só o texto que a veicula, mas são as disputas por posições interpretativas que a realizam. Em suma, com Victor Nunes Leal (antigo ministro do STF, aposentado pelo AI-5), referindo-se ao Supremo, esperar que a sua atenção capte o movimento do direito a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”.
Por Ana Maria Campos do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/ENCDF/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense