Conhecido por suas casas de barro meticulosamente construídas, o joão-de-barro encanta observadores da natureza com sua habilidade arquitetônica. Com um instinto apurado, a ave molda suas moradias de forma estratégica para proteção contra predadores e condições climáticas, tornando-se um símbolo de trabalho árduo e planejamento. Nas cidades, se adaptaram ao convívio humano e, muitos decidem construir suas casas em varandas de apartamentos, como na SQS 312 e se tornam moradores efetivos do condomínio.
A síndica do Bloco D, Carolina Araújo Ferreira, conta que as pequenas construções começaram a surgir após uma reforma na fachada. “A obra foi feita há uns seis a oito anos, quando as casas do joão-de-barro começaram a aparecer. Aqui, cada apartamento tem quatro sacadas, e os passarinhos escolhem seu espaços e constroem as casinhas. Ninguém nunca os tirou, mas, com o tempo, algumas vão se desfazendo, muitas por causa das chuvas, do sol e do vento”, explica.
De acordo com o zelador do bloco, Alberto Leandro Santos, que trabalha no edifício há cinco anos, as construções são mais comuns na época chuvosa. “No período seco, o barro fica muito grudado no chão, então é mais difícil para eles coletarem. Eles pegam o barro da grama, aqui embaixo, e levam até onde vão construir. Algumas casas desses bichinhos já foram abandonadas nessa época, mas, às vezes, os passarinhos voltam para reutilizá-las. Uma moradora me pediu para retirar um ninho depois que foi desocupado, e ela usou como escultura. Mas, precisa saber remover com cuidado para não quebrar”, relata.
O militar da Marinha Airton Somavilla, de 61 anos, teve a experiência de acompanhar de perto a construção de um ninho em sua sacada e contou como isso marcou sua família. “Inicialmente, pensei em retirar, pois achava que era uma sujeira. Porém, depois que foi ganhando forma, gostamos de acompanhar a construção do ninho, que é muito engenhosa. Como foram construídos junto aos vidros da nossa janela, tivemos a oportunidade de ver a vida nascendo dentro dele. Primeiro os ovos e depois os filhotes de passarinho nascendo e crescendo”, relata, emocionado.
Ele lembra que o primeiro ninho surgiu em 2021, mas, nos anos seguintes, as aves não voltaram a construir na mesma sacada. “No entanto, observamos que outros ninhos foram erguidos nas janelas de outros apartamentos do nosso bloco”, disse. A experiência foi compartilhada com toda a família, incluindo os dois filhos Marina Somavilla e Lucas Somavilla, e a esposa Analucia Koele, que fizeram questão de preservar o espaço dos passarinhos.
Além disso, ele destaca que acompanhar todo o ciclo da construção foi uma experiência marcante. “Foi uma alegria para minha família observar desde a construção até o acasalamento, o nascimento, a fase de crescimento e, por fim, o abandono do ninho para o primeiro voo, e a vida adulta. A natureza sempre tem muito a nos ensinar”, ressalta.
Espécie e adaptação
Professor de zoologia e especialista em comportamento animal da Faculdade UnB Planaltina (FUP), Eduardo Bessa explica que o joão-de-barro (Furnarius rufus) é uma espécie sinantrópica, isto significa que convivem muito bem com os humanos. Apesar de ser mais comum em postes, árvores e vigas de madeira, os ninhos em janelas e prédios não são tão inusitados. “O formato da casa tem uma divisão interna que evita a entrada do vento e de predadores. Além disso, a entrada costuma ser posicionada contra o vento para maior proteção da mãe e dos ovos e para manter o clima interior ideal para a incubação”, destaca.
Cada ninho pesa cerca de 4kg quando seco, e sua construção pode levar de duas a quatro semanas, dependendo da disponibilidade de barro e das condições climáticas. O casal de aves trabalha junto na obra, transportando pequenos montes de barro no bico. Após o uso, os ninhos costumam ser abandonados e podem ser reaproveitados por outras espécies, como periquitos e andorinhas. “O pássaro inteiro pesa 60 gramas e cada bico cheio leva 10 gramas de barro úmido, imagine quantas viagens ele tem de fazer para fazer a moradia de 4kg?”, comenta.
Delamar Neto, biólogo da Universidade Católica de Brasília (UCB), destaca que a presença desses pássaros nas cidades pode indicar tanto uma adaptação da espécie quanto um reflexo do desmatamento. Além disso, alerta que, embora algumas pessoas tenham curiosidade em remover os ninhos, é preciso cuidado. “Por lei, não se pode destruir, modificar ou danificar ninhos de aves silvestres. Mexer nos ninhos pode fazer com que as aves os abandonem, inclusive deixando ovos para trás”, alerta.
Para quem deseja preservar os joões-de-barro, algumas recomendações incluem evitar interferências diretas, não permitir o acesso de gatos às áreas onde estão as aves e manter o ambiente seguro para que os pássaros se sintam confortáveis em construir suas casas.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
Por Giovanna Sfalsin do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense