Há 23 anos, Tati Rocha, hoje com 52, precisou encontrar coragem onde acreditava não existir. Foi quando decidiu doar um terço do próprio fígado para salvar a filha, Ana Júlia, então um bebê de apenas 8 meses, diagnosticada com atresia de vias biliares, uma doença rara que impede o fluxo da bile, causa a falência do fígado e coloca a vida em risco.
A pequena estava magrinha, com a pele amarelada e os olhinhos cansados. Cada respiração era uma luta silenciosa. “Ela não tinha mais tempo”, lembra Tati. A decisão não veio sem medo, mas veio carregada do mais puro amor.
A atresia de vias biliares é uma condição rara em recém-nascidos, que inflama e bloqueia os ductos biliares, impedindo o fígado de eliminar a bile e levando à deterioração progressiva do órgão. À época, Brasília não realizava transplantes hepáticos pediátricos, e mãe e filha precisaram viajar a São Paulo, em busca da chance de vida que parecia distante.
Foi lá, em uma sala cirúrgica fria, que o impossível aconteceu. “Quando ela recebeu o transplante, estava completamente debilitada, com o fígado falido. Se tivesse que esperar na fila, não sobreviveria. Mas, quando saiu da mesa de cirurgia, parecia outra: o rostinho corado, as bochechas rosadas, a vida voltando a pulsar”, conta Tati, com os olhos marejados.
Dessa experiência nasceu o livro Fígado e Coração, uma obra escrita a muitas mãos de emoção. São 30 crônicas nas quais Tati reconstrói a trajetória da filha e da própria maternidade, um mosaico de dor, fé, superação e esperança. “Eu sempre quis transformar essa vivência em palavras. As histórias estavam dentro de mim, pulsando, e eu precisava colocá-las no papel. É um livro sobre amor, fé e doação. As pessoas se emocionam porque veem que é possível enfrentar os desafios sem se deixar abater”, afirma.
Mas a jornada de Ana Júlia não terminou ali. Ainda na infância, mesmo após o transplante bem-sucedido, ela precisou travar uma nova batalha: o diagnóstico de um câncer no sistema linfático. Foram meses de quimioterapia, hospitalizações e incertezas, e novamente, lá estava Tati, firme, ao lado da filha. “Foram dias difíceis, mas nunca faltou fé. A gente chorava, ria, rezava. E, no fim, ela venceu mais uma vez”, relembra.
Hoje, aos 24 anos, Ana Júlia leva uma vida plena. Cursa administração, sonha em ser servidora pública e tem planos que só quem venceu a morte sabe valorizar. “A última crônica do livro é uma carta que ela escreveu para mim quando era pequena. Ela sempre ressaltava: ‘Eu tenho um pedacinho da minha mãe dentro de mim’. E tem mesmo, um pedaço de fígado, e de alma”, diz Tati, com um sorriso que mistura gratidão e ternura.
Na dedicatória, Tati estende o amor também ao filho mais novo, Paulo Eduardo, que, ainda menino, precisou lidar com a ausência da mãe durante os longos períodos de internação da irmã. O prefácio do livro é assinado pela doutora Elisa de Carvalho, médica que acompanhou Ana Júlia no Hospital da Criança e testemunhou de perto a luta da família.
Coragem
Mais do que um relato pessoal, Fígado e Coração é uma carta aberta à esperança. Tati acredita que suas palavras podem acolher e inspirar outras mães que enfrentam jornadas semelhantes. “Espero que minhas crônicas toquem as pessoas, que despertem fé e coragem. Eu precisei exercitar isso todos os dias”, reflete.
O lançamento oficial do livro ocorreu no domingo passado, data escolhida por coincidirem dois símbolos de devoção na vida da autora: o Dia das Crianças e o Dia de Nossa Senhora Aparecida. “Nada é por acaso. Foi Ela quem me sustentou quando eu mais precisei. Escolher esse dia é a forma que encontrei de agradecer”, conclui Tati, com a serenidade de quem transformou dor em poesia, e um pedaço do fígado em um milagre de amor.
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Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Alves CB/DA Press