O Senado se mobiliza em retaliação à decisão do ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) a prerrogativa de pedir impeachment de magistrados da Corte. Uma das intenções da Casa é acelerar a tramitação de um projeto que atualiza a Lei do Impeachment, em vigor desde 1950. A articulação está sendo conduzida pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), com apoio de líderes da oposição.
O texto apresentado em 2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve ser tratado como prioridade antes do recesso parlamentar. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob relatoria do senador Weverton Rocha (PDT-MA), e pode ganhar celeridade com o novo clima de confronto institucional.
Entre os pontos passíveis de serem incluídos na articulação estão a mudança no quórum para abertura de processos de impeachment e novas regras para a escolha e a permanência de ministros no Supremo, o que exigiria uma emenda constitucional.
Atualmente, a abertura de um processo pode ocorrer com maioria simples dos presentes, desde que haja ao menos 41 senadores em plenário, o que permite o avanço com apenas 21 votos. O STF, por outro lado, defende quórum qualificado de dois terços, o equivalente a 54 votos favoráveis.
Além disso, líderes discutem uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), que altera os critérios de indicação ao STF e estabelece um mandato previamente definido para os ministros. Hoje, os magistrados permanecem na Corte até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos.
Além dessas investidas, a bancada do Novo na Câmara protocolou uma PEC cujo objetivo é garantir a qualquer pessoa o direito de pedir impeachment e fixa quórum para abertura do processo em maioria absoluta no Senado.
Recado
Congressistas avaliam que a mobilização serve como um “recado” ao Judiciário, diante do que consideram uma interferência indevida nas prerrogativas legislativas.
A decisão liminar (provisória) do ministro Gilmar Mendes, a ser analisada pelo plenário do STF a partir do dia 12, provocou reação imediata do Congresso Nacional, que viu a medida como uma interferência indevida em suas prerrogativas.
A justificativa do decano para a urgência da decisão se baseou na avaliação de que a Lei do Impeachment não foi integralmente recepcionada pela Constituição Federal e que ela teria “caducado”. O ministro argumentou que os conflitos entre a lei antiga e a Constituição criam um ambiente de insegurança jurídica, e que o instrumento de destituição tem sido banalizado e utilizado como ferramenta de intimidação ou coação política contra o Judiciário.
O ministro Flávio Dino saiu em defesa do colega. Citou o acúmulo inédito de 81 pedidos de impeachment contra magistrados do STF no Senado, um número que, segundo ele, jamais ocorreu. Destacou ainda que a maioria desses pedidos é direcionada a um único alvo: o ministro Alexandre de Moraes.
No Congresso, Alcolumbre reagiu prontamente, criticando a decisão. Ele cobrou, publicamente, respeito à separação de Poderes. Nos bastidores, aliados relatam que o parlamentar ficou especialmente irritado. Segundo um congressista próximo, a ordem do decano foi vista como uma afronta às prerrogativas do Legislativo.
“Ele está enfurecido — e com razão. Não podemos permitir que o Supremo se comporte como dono de tudo, assim como não podemos permitir isso do Planalto”, afirmou um senador de forma reservada.
Outro parlamentar avalia que Alcolumbre está disposto a levar o embate com a Corte até as últimas consequências. Para ele, a reação não se limitará ao caso atual e pode alcançar temas sensíveis em tramitação no Congresso.
“Ele não vai abrir mão de legislar. Nós fomos eleitos pelo povo. E ouso dizer que isso pode respingar também em Messias, outro ponto de fragilidade para o presidente”, completou, referindo-se às pressões políticas envolvendo o advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado ao STF.
Seccionais da OAB
Nesta sexta-feira, o Conselho Pleno da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) aprovou, por unanimidade, um parecer que manifesta forte oposição à liminar de Gilmar Mendes.
A entidade paranaense recomenda ao Conselho Federal da OAB o ingresso imediato como amicus curiae (amigo da Corte) nas Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1.209 e 1.260, que tratam do tema.
“A OAB aprovou hoje (nesta sexta-feira) esse parecer e vai provocar o Conselho Federal para que a OAB peça a revogação daquilo que considera um movimento preocupante de ativismo do Poder Judiciário”, destacou o presidente da seccional do Paraná, Luiz Fernando Pereira.
A principal preocupação da OAB-PR reside na forma como a decisão monocrática do decano do Supremo altera o processo, restringindo a legitimidade para apresentar pedidos de impeachment ao procurador-geral da República (PGR). O presidente da entidade paranaense classificou essa restrição como um “retrocesso em relação ao modelo previsto pela Constituição”.
O parecer aprovado destaca que essa limitação da legitimidade ativa reduz indevidamente a participação de instruções que possuem responsabilidade institucional, como a própria OAB. A seccional argumenta que a entidade, ao lado de outras da sociedade civil, deve “permanecer entre os legitimados” a provocar o debate, dada a sua missão constitucional e seu papel histórico na defesa da ordem jurídica e das garantias democráticas.
“O voto aprovado também ressalta que limitar a legitimidade ativa a um único órgão pode elevar o risco de instabilidade institucional, ao afastar entidades que possuem responsabilidade pública e capacidade técnica para atuar em questões dessa relevância”, destacou a OAB-PR.
A seccional do Rio de Janeiro, por sua vez, manifestou “surpresa e inconformismo”, classificando a restrição ao exercício da cidadania por decisão monocrática como um “retrocesso democrático preocupante”. A entidade argumenta que as restrições impostas por meio de decisões monocráticas ferem “valores democráticos inegociáveis”.
“As ferramentas de controle popular dos Poderes da República, como a legitimidade ativa para propor o processo de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, conferem densidade e concretude ao Estado Democrático de Direito e equilíbrio entre os Poderes”, destacou, em nota.
Resistência
Ruy Espíndola, advogado membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, diz que o que existe é uma “hipertrofia funcional” do Supremo, um fenômeno que não nasceu no Judiciário, mas, sim, de uma “omissão legislativa crônica” do Congresso. Essa omissão, somada à crescente demanda social por tutela de direitos, força o STF a examinar temas complexos e a exercer o papel de “fechar o sistema jurídico”.
“Nos poucos episódios em que se apontou ‘interferência’, quase sempre havia: proteção de direitos fundamentais, controle de constitucionalidade de leis e omissões e solução de controvérsias infraconstitucionais sobre as quais o Congresso não atuou”, comentou.
O especialista argumentou que a atuação da Suprema Corte, frequentemente apontada como “interferência”, está inserida no modelo de democracia constitucional adotado em 1988, no qual “nenhum poder é soberano”. Ele ressaltou que o Judiciário, especialmente o STF, é quem resiste ao ataque às instituições em contextos de erosão democrática.
Para Espíndola, “temos uma Constituição sólida”, com instituições que resistiram a ataques reais e um Supremo que, para ele, apesar das críticas, tem sido “o último dique de contenção contra aventuras autoritárias, à semelhança do que ocorre em diversas democracias sob estresse no mundo contemporâneo”.
“O caminho não é reduzir o STF, intimidá-lo, ou instrumentalizar o impeachment de ministros. O caminho é revigorar o Parlamento, recompor a capacidade deliberativa do sistema político e reafirmar o compromisso dos Três Poderes com o Estado Democrático de Direito”, frisou Espíndola.
Em relação ao argumento do decano Gilmar Mendes, Ruy Espíndola concordou que essa instrumentalização constitui uma estratégia de intimidação contra as cortes constitucionais e um instrumento de corrosão democrática. A decisão do ministro é vista por ele como um “alerta contra o risco de ‘impeachment abusivo’”.
“Nessas hipóteses, não há invasão: há garantia da própria democracia deliberativa, porque a autonomia do Legislativo não pode ser escudo para práticas antijurídicas. A decisão tomada pelo ministro Gilmar alerta exatamente para isso: a autonomia parlamentar não pode ser convertida em instrumento de agressão ao equilíbrio entre Poderes, sob pena de erosão da própria democracia constitucional”, explicou.
Por Resenha de Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado











