Parentes firmam pacto de silêncio para evitar brigas por divergências políticas

Discussões cada vez mais acaloradas e acusações mútuas estremeceram a amizade que só pôde ser retomada com a decisão de ambos evitarem temas político-eleitorais

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Manuelly dos Santos, de 34 anos, e Miller dos Santos, de 28, cresceram juntos e sempre viveram em harmonia. Nos últimos três anos, no entanto, a relação dos irmãos foi posta à prova conforme divergências políticas passaram a marcar os almoços familiares de domingo. Discussões cada vez mais acaloradas e acusações mútuas estremeceram a amizade que só pôde ser retomada com a decisão de ambos evitarem temas político-eleitorais. Era o silêncio ou a distância.

Os irmãos Santos seguem uma conduta cada vez mais adotada nos lares brasileiros, e não apenas em função de preferências eleitorais. A pandemia de covid-19, em especial, também virou um fator de conflito. Segundo pesquisa realizada pelo centro de estudos InternetLab neste ano, 50% dos brasileiros optaram por não falar sobre política em grupos familiares de mensagens para evitar brigas.

A pesquisadora Ester Borges, bacharela em Relações Internacionais pela USP e coordenadora do estudo, afirmou que as pessoas têm se policiado cada vez mais para não politizar mensagens no WhatsApp e outros aplicativos. “É uma ética criada pelas próprias pessoas. Não existe nada nas plataformas que incentive esse comportamento”, disse.

A medida tem relação, de acordo com outros levantamentos, com o medo da violência que marca a política nacional. Nos últimos anos, o cenário de polarização ficou mais acirrado e, hoje, 67,5% dos brasileiros afirmam sentir medo de serem agredidos fisicamente por causa de sua escolha política ou partidária, segundo pesquisa da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados coletados pelo Datafolha.

Inimigos

Neste ano, a quantidade de atos de violência faz com que a eleição de outubro se diferencie de todas as demais. O radicalismo já culminou em episódios como o de Confresa, em Mato Grosso, onde o apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) Rafael Silva de Oliveira, de 22 anos, matou o petista Benedito Cardoso dos Santos, de 44, e ainda tentou decapitá-lo.

Estudo feito pela UniRio indica que casos de violência política aumentaram 335% no Brasil nos últimos três anos. De janeiro a junho de 2022, foram mapeadas 214 ocorrências, número 4,5 vezes maior do que as 47 identificadas no mesmo período de 2019.

Pandemia

As discussões familiares não chegaram a um extremo na casa de Manuelly e Miller, mas as ofensas e as acusações verbais deixaram marcas. Os irmãos perderam a mãe em 2020 depois de ela contrair covid-19. “Não consigo entender como minha irmã consegue isentar o Bolsonaro”, afirmou Miller, que é motorista de aplicativo. Ele disse que votou em Bolsonaro em 2018, mas se tornou crítico do presidente por causa da atuação do governo na pandemia.

Designer de cílios, Manuelly contou ter votado no PT durante toda a sua vida, mas afirmou que os escândalos de corrupção a afastaram do partido e a tornaram antipetista. “Sei que Bolsonaro não é o candidato ideal, mas o considero o menor de dois males”, disse ela.

Segundo Manuelly, sua mãe não usava máscara e não respeitou o distanciamento social. “Meu irmão quer encontrar um bode expiatório para toda a dor que está sentindo. Entendo a razão dele, mas não concordo e gostaria que ele respeitasse minha opinião.”

Entre acusações de que Manuelly apoia o responsável pela morte da própria mãe, os irmãos chegaram a uma conclusão: enquanto falassem sobre política, o convívio pacífico seria impossível. Firmaram, então, uma espécie de pacto de silêncio que, por enquanto, tem dado certo.

Diálogo

Para o psiquiatra Daniel Martins de Barros, esse tipo de acordo evidencia a incapacidade que as pessoas têm de conversar. “Ele pode ser benéfico a curto prazo, pois evita uma briga, mas isso nos priva do diálogo”, afirmou Barros, que é professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do Estadão.

“Hoje abrimos mão da conversa política, mas amanhã vamos abrir mão do quê? Se não conversarmos, não vamos entender o lado do outro. E isso não é bom para a sociedade”, disse o professor. A pesquisadora Ester Borges, no entanto, apontou um lado positivo nos acordos familiares. “Nossa pesquisa mostra que existe uma preocupação com o outro por trás do silêncio.”

Conflitos

Para André Basso, de 25 anos, conviver com a família é um desafio diário. O economista afirmou que se identifica como uma pessoa de esquerda, mas que cresceu em um ambiente familiar de direita.” Minha relação com meus pais hoje é de guerra fria. A pandemia agravou a situação”, relatou.

Basso citou o posicionamento negacionista dos pais em relação às vacinas como um dos principais motivos de conflito. “O Bolsonaro zombava de pessoas que morreram sem ar. Não consigo entender como alguém pode apoiá-lo”, questionou.

Miller afirmou que chegou a cogitar cortar relações com a irmã por causa das divergências políticas, mas os laços familiares o fizeram reconsiderar a decisão. “Nós não conseguimos conversar sobre a nossa mãe, o luto ainda é muito pesado, mas priorizamos nosso vínculo afetivo e paramos de discutir.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Redação do Jornal de Brasília com informações de PH Paiva

Foto: Reprodução/Agência Brasil