Dengue muda rotinas no DF, prejudica população e ameaça empregos

Sintomas deixam os pacientes impossibilitados de exercerem suas atividades diárias. Demora no atendimento nas unidades de saúde tem interferido ainda mais no dia a dia das pessoas que precisam trabalhar

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Para detectar a infecção por dengue é preciso aguardar, pelo menos, três dias, que é o tempo para que o teste rápido, conhecido como NS1, acuse a presença da doença. A infecção aparece no exame que mede o IGG e o IGM a partir do sexto dia de sintomas. O tempo de permanência de sintomas como dor de cabeça, dores no corpo, nos olhos e febre, por exemplo, atrapalha a rotina dos pacientes e têm gerado lotação e demora no atendimento nas unidades de saúde.

Em entrevista coletiva realizada ontem, a secretária de Saúde do Distrito Federal, Lucilene Florêncio, explicou que o motivo dos testes não estarem sendo realizados em alguns pacientes não é a falta de insumos. “Temos o tempo ouro para cada teste. Muitas vezes, se os sintomas começaram no mesmo dia ou no dia anterior, não adianta fazer o teste, pois será um desperdício de insumo. Pode dar um falso negativo. Nós estamos abastecidos de insumos. O Consórcio Brasil Central tem nos abastecido, e temos comprado junto com sete estados”, explicou. “À medida em que o estoque dos equipamentos vai caindo e ficando crítico, há um acionamento da Farmácia Central. Não temos falta (de insumos). Podemos afirmar com as notas de compras e estoques”, acrescentou.

Sintomas paralisantes

Na tenda instalada na administração regional do Sol Nascente, Ezailton Santos recebe soro pelo acesso intravenoso no braço esquerdo. Prostrado, com os olhos baixos, o homem de 40 anos, infectado com a dengue, teme ser demitido por ter perdido um dia de trabalho. Com a voz embargada, Ezailton afirma que onde trabalha, no Setor Comercial de Taguatinga, outros quatro funcionários também se infectaram pelo Aedes aegypti. “O meu horário é até às 16h e eu tive de ficar até às 19h, porque o outro rapaz estava doente com dengue. Eu falei que não estava bem, mas ele (o chefe) quis que eu ficasse para apresentar o serviço. Me deixaram sozinho na empresa.”

Ao chegar em casa, o auxiliar de cozinha se sentiu exausto pelo excesso de trabalho, e aliviado, por não ter desmaiado durante o serviço. Além da fadiga, ele sentia fortes dores nos olhos e no corpo. Há três dias, Ezailton não está conseguindo se alimentar. “Eu já estava ruim, mas quando avisei, falaram que era corpo mole. Lá é assim, quando falta alguém a gente faz serviço por três pessoas”, protestou. O homem relatou, ainda, que próximo onde trabalha, há muitos insetos devido a um tonel de lixo parado na rua. “Eu não vou trabalhar doente”, murmurou.

Do outro lado da tenda, Cristina Cavalcante, 60, segura firme o corrimão para descer as escadas da carreta de assistência. Ela foi medicada, mas um problema no sistema de atendimento prolongou sua espera para receber o soro de hidratação. “Passei mal ontem no trabalho. Mesmo ruim, consegui voltar para casa”, relatou a moradora de Ceilândia. 

No Hospital de Campanha da FAB, Regina Watanabe, 53, e José Vieira, 54, aguardam na recepção. A filha de José, Cláudia Vieira, 27 anos, havia acabado de ser levada para um leito, após chegar carregada à unidade de saúde. “Ela estava vomitando muito desde segunda-feira. Hoje, de manhã, me mandou mensagem e pediu para buscá-la. Quando cheguei, ela já estava desfalecida na casa dela”, relatou a amiga. José contou que Cláudia tem três filhos pequenos, que tiveram de ser levados para a casa da avó. “Ontem ela piorou, e tive de sair do Gama para ir a Taguatinga Norte, onde ela mora. Decidi vir para cá porque achei que seria mais rápido do que a UPA. Ela passou direto da triagem para a medicação, mas, por enquanto, não sei se vai para a internação.”

O comerciante autônomo Marcos Santos Souza, 46 anos, chegou ontem às 10h na UPA do Núcleo Bandeirante. O Correio conversou com Marcos por volta de 16h, que ainda não tinha sido atendido. “Trabalho por conta própria. Estou há quatro dias sem trabalhar, daí acabo ficando no prejuízo”, diz ele. “Nunca tinha sentido esses sintomas, é uma sensação de morte, achei que morreria hoje. Estou sentindo tudo há quatro dias, mas hoje foi pior.”

O transtorno também foi grande na vida de Maria Fernandes Lima, 53. Babá de duas crianças, ela combinou que ficaria com elas por alguns dias para que a mãe pudesse viajar. No entanto, começou a sentir fortes dores nas costas, nos olhos e na cabeça e foi à UPA do Núcleo Bandeirante. “Tive dengue outra vez e consegui trabalhar. Mas agora, os sintomas estão piores. Tive que pedir para a mãe da minha patroa ficar com as crianças”, relatou ela.

A aposentada Maria das Graças Gomes, 60, também foi à UPA do Núcleo Bandeirante acompanhar o filho, Manuel, 23, que desmaiou no ônibus a caminho do trabalho. “Ele estava sentindo fortes dores no corpo e tontura. Chegou aqui na UPA às 5h e só chamaram para a triagem às 9h30”, narrou a mãe. A reportagem conversou com Manuel por volta de 19h50 e ele ainda estava na unidade de saúde aguardando o resultado do exame. “Pensamos em ir embora, mas já que o meu filho faltou o trabalho hoje, precisa ficar nem que seja para pegar o atestado médico”, salientou. 

Profissionais cansados

Apesar da intensidade dos sintomas dos pacientes, a tenda do Sol Nascente e o HCamp tinham pouco movimento na manhã de ontem. A supervisora de um dos equipamentos de saúde admitiu estar aliviada por ter um dia mais tranquilo, depois de semanas com longas filas.

Segundo a profissional, que preferiu não ser identificada, nas tendas há, em média, dois enfermeiros, dois médicos e quatro técnicos de enfermagem por período. Os profissionais são realocados das unidades básicas de saúde (UBS) para os serviços de atenção à dengue. “A carga horária nas tendas é estipulada proporcionalmente pelo RH (recursos humanos) de cada UBS. As unidades que têm até quatro equipes (de médicos e enfermeiros) contribuem com uma carga menor para que a UBS não fique desassistida”, esclareceu.

Para acompanhar as condições de trabalho e o nível de atendimento dos enfermeiros durante a epidemia de dengue, o SindEnfermeiro-DF iniciou um plano de fiscalização nos equipamentos de saúde (HCamp, tendas, UPAs e UBSs). As visitas começaram na terça-feira pela Estrutural, e ontem percorreram as regiões administrativas de Ceilândia, Recanto das Emas e Samambaia.

“Temos feito visitas para conseguir avaliar as reclamações recebidas dos profissionais de enfermagem. Muitos profissionais não estavam acostumados a fazer esse trabalho de ponta e foram remanejados de forma repentina. Muitos têm reclamado da quantidade de trabalho e a necessidade de fazer horas extras”, afirmou Márcio da Mata, diretor financeiro do SindEnfermeiros.

Segundo o sindicalista, as queixas são reflexo da falta de antecipação do GDF no planejamento do combate à dengue. “Profissionais de diversas localidades são alocados para completar o quadro de funcionários. Por isso, existe a necessidade de o GDF implementar a chamada de enfermeiros concursados para completar o quadro de funcionários nesses espaços”, concluiu.

Por Mila Ferreira, Giulia Luchetta do Correio Braziliense

Foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense